CULTURA
Por Luiz Marchetti
Fotos: Luiz Marchetti
Luiz Marchetti é
cineasta cuiabano,
mestre em design em arte
midia, atuante na cultura de
Mato Grosso e é careca.
BATARRA
A CASA DO PARQUE abre
nova exposição com imersão
nas culturas indígenas.
Em tupi-guarani batarra = força.
Durante quatro edições o CULTURA EM CIRCUITO sublinha a participação de
cada um dos artistas participantes: CLOVIS IRIGARAY, ELIAS DE PAULA, JOÃO
MANTEUFEL e JOSÉ MEDEIROS, com textos e fragmentos da escritora ANNA
MARIA COSTA, que participa com livros na exposição. Visite a Casa do Parque e
confira as telas de Irigaray e Elias de Paula, o vídeo de João Manteufel e as
fotografias de José Medeiros, lembrando que você pode também adquirir livros da
Professora Anna Maria Costa ali mesmo na Galeria.
Abrimos estas edições especiais de BATARRA com uma visita
ao ateliê de CLOVIS IRIGARAY, o Clovito.
CUIABÁ, 4 A 10 DE JULHO DE 2013
Estive há pouco tempo no Ateliê de
Irigaray e voltei esta semana. É outro
lugar. Cores primárias abrem o espaço
para uma cartela muito diferente daquelas
que conhecemos há anos. O artista
também cortou o cabelo e alguns quilos
levaram Clovito para uma figura mais
dinâmica, ainda que aquela voz calma e
o humor impecável continuem seduzindo.
Assim, ícones do artista que já conhecemos
de outras fases mais escuras como
Gioconda, índios e bufões entram com
pinceladas frescas de vermelho sangue e
amarelo manga. Somente ao vivo essas
obras podem realmente atingir o que eu
aqui tento descrever. Ele mudou, abriu a
janela para vibrações sem sombras, ou
melhor, com outra plasticidade.
Na entrevista, enquanto falava do
ENSINAR IRIGARAY APRENDENDO
novo momento da vida quando volta a
pintar com frequência, comentou de
alunos que aprendem e ensinam. “
Acredito
na troca constante, estamos sempre
aprendendo. Agora, neste momento, eu
aprendi pinceladas retas e ensinei
pinceladas redondas”
. Falou também de
seu passado em quintais e da influência
indígena. Mostrou-nos telas ainda
inacabadas e algumas vendidas. Maria
Irigaray ajudava levantando tela,
acendendo luzes e sempre transformando
a visita ao ateliê de seu pai num ponto
cultural importantíssimo para o mercado
local. O ateliê é uma referência ímpar na
indústria criativa. Tudo organizado com
uma cara familiar de puro acolhimento.
Maria cuida de selos de autoria do artista
em cada obra, confere as agendas e
auxilia delicadamente cuidando do
acervo. Sem saber ao certo o que iria ou
não ser escolhido para a exposição
BATARRA na CASA DO PARQUE, Clovito
lembrou: “Não sei se levarei imagens de
índios, eu sou índio, é por isso que
qualquer obra minha é imagem de índio”.
Se você quiser saber mais sobre a
obra de IRIGARAY, conheça o livro de
JOSÉ SERAFIM BERTOLOTO, professor da
UFMT: CLOVIS IRIGARAY – ARTE –
MEMÓRIA – CORPO.
“… O artista que começou a desenhar
o índio com o recurso dos cartões-postais
do Xingu passa a registrar no próprio
corpo elementos daquela identidade. Fura
as orelhas e prende a elas vários fios de
tucum e penas de araras. Sua
preocupação com o corpo começa a
crescer, iniciando por retratar corpos
seminus de homens trabalhando (como é
possível verificar em sua obra homônima)
e de São Sebastião, numa dubiedade
índio/homem, masculino/feminino,
sugerindo a busca de uma identidade pelo
artista, a configuração deste enquanto ser
social, representante de uma sociedade
miscigenada, indecifrável, multifacetária; a
mesma busca que atormentou Narciso,
que ao mirar-se nas águas daquele charco
perdeu-se em devaneios para com os
reflexos brilhantes que o espelho das
águas lhe devolveu…”
(JOSÉ SERAFIM BERTOLOTO)
Assim promovendo a interpretação de
um índio que muito ensina/aprende com
sua prática diária A CASA DO PARQUE
aguarda sua visita.
A Escritora ANNA MARIA COSTA expande a exposição Batarra para a literatura com obras que merecem olhares
demorados. As letras aqui conversam com as imagens da parede de tijolinhos. A seleção de Anna Maria Costa é
inspiradora com estes livros, imagine mais fotos, vislumbre outro vídeo e visualize muitas outras pinturas. Confira:
Anna jamais havia estado em uma aldeia indígena. Com os “olhos da mente” idealizou
aquela que passaria a ser sua morada. Em situações distintas, muitos escritores imaginaram suas
cidades ideais... Na literatura brasileira, Ferreira Gullar escreveu suas 23 “cidades inventadas”;
Graciliano Ramos, sua Tatipirun, a cidade dos meninos pelados.
Ela conheceu o povo Nambiquara na primavera de 1982. Ao deixar o Rio de Janeiro, sua
cidade natal, encontrava-se recém-contratada como professora. A atribuição recebida foi a de
implantar um programa de educação escolar indígena direcionado às necessidades emergentes,
principalmente àquelas decorrentes do asfaltamento da rodovia Marechal Rondon, a BR-364.
A rodovia, em sua concepção, exercia uma mistura de fascínio e desassossego. Ao mesmo
tempo em que vislumbrava a possibilidade de adentrar a “longínqua” e “misteriosa” Amazônia,
por outro estava ciente da multiplicidade de acontecimentos que interfeririam nos modos de viver
dos povos indígenas, em consequência dos intensos deslocamentos de grupos sociais oriundos de
diversas regiões brasileiras. Ao sair da BR-364, limite Oeste da Terra Indígena Nambiquara,
tomando um caminho revestido de precário cascalho, já castigado pelo trânsito intenso de ônibus e
caminhões, a viagem continuava por uma estrada vicinal que levava a diversas aldeias. Nessas
terras, sua primeira impressão foi ofuscada pela densa escuridão da noite que afogou a paisagem
circundante. A luz dos faróis da Toyota que a conduzia estampava um cenário amarelado. Outrora
caracterizada por extensa formação savânica que cobria grande parte do
platô do Brasil Central, a vegetação do cerrado formava uma paisagem
desconhecida, distante daquela presenteada pela Mata Atlântica e que
ainda se espalha por uma parte do litoral brasileiro, em especial a do Rio
de Janeiro. Ansiava por conhecer os índios e seus campos cerrados, com
suas árvores retorcidas, a exuberância das matas ciliares ao longo dos rios
e as veredas orladas de buritis. Confirmava o que a literatura a fez
acreditar ao percorrer “Os Sertões” de Euclides da Cunha, e sentir porque
“a travessia das veredas sertanejas é mais exaustiva que a de uma estepe
nua”. Com João Guimarães Rosa, em “Grande Sertão: Veredas”, sua
imaginação foi aguçada ao evidenciar, no decorrer da narrativa, a beleza
das veredas banhadas com a “água azulada” do buritizal, associada à
sua geografia imaginária.
AMPLIAÇÃO DA FORÇA
Mas visualmente foi a arte de Percy Lau, peruano de Arequipa, que a conduziu às baixadas
inundáveis dos buritizais, de solo brejoso, e ao campo cerrado. Seus desenhos a bico de pena,
revestidos de técnica e precisão caracterizados por traços artísticos inconfundíveis, juntaram-se ao
cenário desenhado à aldeia onde passaria a morar. Para que as veredas tropicais possam ser
entendidas é preciso viver no cerrado e saber do esforço dos arbustos e seus revestimentos espessos
que, como armaduras naturais, os protegem das chamas do fogo e se retorcem para vencer a
aridez do solo e dos longos períodos de seca; saber dos idênticos vigores da fauna e dos homens
para entender a interdependência que os entrelaça nesse mesmo bioma; conhecer o Halotesu,
gente do cerrado, como os índios se autodenominam. Assim eles vivem, parte integrante dessa
paisagem, repleta de seres encantados. Na aldeia, o dia a dia ensinou Anna sobre a importância
que os índios atribuem ao buriti, vegetal mantenedor do sagrado.
Vislumbrar com os “olhos da mente” um “oásis” de buritizais nos campos cerrados, por mais
que este cenário estivesse imaginado e, até mesmo, conhecido, passar a estar nele causou a Anna
profundo estranhamento. Diante do desconhecido, precisava reconstruir a aldeia que havia
idealizado, tendo por base aquilo que apreendeu na literatura referente à vida nos campos áridos.
Ao descer da Toyota naquela noite de “Lua Escondida”, como denominam a Lua Nova¸ com
o céu repleto de estrelas, numa quantidade estonteante, os índios a
cercaram. Homens, mulheres e crianças aguardavam a nova professora.
Anna Maria Costa é Doutora em História pela Universidade Federal
de Pernambuco, Pesquisadora do Centro Cultural Ikuiapá/Museu do
Índio, Professora do Univag – Centro Universitário e Diretora de Cultura
Histórica da Filatelia do Clube Filatélico e Numismático de Mato Grosso.
Na semana seguinte o CULTURA EM CIRCUITO apresenta
um olhar focado na prática de ELIAS DE PAULA, em seguida
JOÃO MANTEUFEL e finalmente JOSÉ MEDEIROS. Todos com
a colaboração literária da Professora Anna Maria Costa. A
exposição BATARRA na CASA DO PARQUE tem entrada franca
de segunda a sábado das 10h às 22h.