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POLÍTICA
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CUIABÁ, 4 A 10 DE JULHO DE 2013
Legislação endurece com condenados, mas não acaba com dificuldade de se conseguir processar os corruptos.
Por Débora Siqueira. Fotos: Pedro Alves e Reprodução
CORRUPÇÃO HEDIONDA
Promotor Célio Fúrio rasga o verbo
Apesar do grande
passo dado pelo Senado da
República em aprovar o
projeto de lei de autoria do
senador Pedro Taques (PDT-
MT) em qualificar a
corrupção e outros crimes
ligados a danos ao erário
público como crimes
hediondos, ao lado dos
homicídios, tráfico de drogas
e latrocínios (roubo seguido
de morte), a lei não
representa um ponto finalà
tentativa dos gestores e
funcionários públicos em se
apropriarem dos cargos que
ocupam para obter
vantagem indevida.
O promotordo Núcleo
de Defesa do Patrimônio
Público e da Probidade
Administrativa, Célio
JoubertFúrio, comentou que,
na prática, a lei não muda a
principal dificuldade para
punir os maus gestores de
dinheiro público: conseguir
Gestores e políticos acusados de
corrupção driblam investigação
MP tem506 ações contra
maus gestores e funcionários
Senador Pedro Taques comemora aprovação do projeto
No dia 26 de junho,
o Senado aprovou, por
unanimidade, o projeto
que inclui a corrupção
(ativa e passiva) no rol de
crimes hediondos (PLS
204/2011), aqueles
considerados de maior
gravidade. O texto do
senador Pedro Taques
(PDT-MT) estabelece
penas mais severas para a
corrupção e dificulta a
concessão de benefícios
para os condenados. A
matéria foi encaminhada
para apreciação na
Câmara dos Deputados.
A proposta entrou na
pauta do Senado para
atender o que os
senadores chamaram de
“clamor das ruas”, em
referência às
manifestações realizadas
no país desde o início do
mês de junho. “O projeto
é de 2011 e já tinha
parecer do senador Álvaro
Dias há mais de um ano,
só que, por oportunidade
e conveniência, não havia
sido colocado em pauta
na comissão. Mas isso faz
parte do processo
legislativo. O cidadão foi
às ruas e exigiu combate
contundente à corrupção e
a proposta entrou na
pauta. Ficou claro quem
são os novos donos da
história do Brasil. É de se
comemorar”, afirmou
Pedro Taques.
Na prática, a
corrupção ativa (quando é
oferecida a um
funcionário público
vantagem indevida para a
prática de determinado
ato de ofício) passa a ter
pena de 4 a 12 anos de
reclusão, além de multa –
atualmente, a reclusão é
de 2 a 12 anos. A mesma
punição passa a valer
para a corrupção passiva
(quando funcionário
público solicita ou recebe
vantagem indevida em
razão da função que
ocupa). A proposta
também inclui entre crimes
hediondos a prática de
concussão (ato de exigir
benefício em função do
cargo ocupado).
Ao justificar o projeto,
o senador Pedro Taques
afirmou que pretende
mudar o paradigma
segundo o qual crimes
hediondos são apenas
aqueles cometidos com
violência física direta,
ocasionando repulsa nos
cidadãos em razão dessa
violência –como é o caso
de homicídio qualificado
e estupro.Para ele, além
dos delitos já
tradicionalmente
entendidos como
hediondos, deve-se
perceber a gravidade dos
crimes que violem direitos
difusos e coletivos. Esse é,
a seu ver, o caso dos
delitos de concussão,
corrupção passiva e ativa,
aos quais “a legislação
atribui pena branda como
se fossem delitos de baixa
gravidade”.
“O dinheiro público
roubado causa vítimas
indeterminadas. A
corrupção mata. Com o
desvio de dinheiro
público, com a corrupção
e suas formas afins de
delitos, faltam verbas para
a saúde, para a
educação, para os
presídios, para a
sinalização e construção
de estradas, para equipar
e preparar a polícia, além
de outras políticas
públicas”, defendeu.
O Núcleo de Defesa
do Patrimônio Público do
Ministério Público
Estadual tem 506 ações
contra maus gestores e
servidores públicos
denunciadas na Justiça.
São crimes de
improbidade
administrativa, danos ao
erário público e muitos
pedidos de ressarcimento
de recursos desviados
pela corrupção
envolvendo todos os
poderes constitucionais.
Do total de processos
movidos, 101 são
referentes a gestores e
funcionários públicos da
Assembleia Legislativa de
Mato Grosso.
De acordo com
levantamento feito pela
reportagem no Núcleo de
Defesa do Patrimônio
Público e da Probidade
Administrativa apenas um
processo movido contra o
ex-secretário estadual de
Fazenda, Valdecir Feltrin,
na gestão de Carlos
Bezerra (1987-1989) já
está próximo da
execução.
Ele terá que devolver
quase um milhão de reais
e foi pedida a
indisponibilidade de bens
para que o valor seja
ressarcido ao erário
público. De todos os
casos envolvendo desvio
de recursos na capital,
este é o único próximo do
dinheiro voltar ao
Estado.Contra o mesmo
gestor ainda há outras
cinco ações civis públicas
de ressarcimento ao
erário e de improbidade
administrativa. Duas delas
também em fase de
execução de sentença.
O promotor Célio
Fúrio diz que a principal
dificuldade é iniciar uma
ação contra uma
autoridade, dentro do
próprio Ministério Público,
no Judiciário e na
administração pública. “Se
o governador é o alvo do
processo, você requisita o
documento público, o
documento desaparece,
demora para chegar ou
chega incompleto. Se o
deputado é o alvo, o
documento não chega, ele
diz que não está sujeito a
obediência ao MP, alega
que já prestou contas ao
TCE e o tribunal aprovou as
contas dele, portanto, não
deve nada ao MP. Aí temos
que entrar na Justiça para
fazer a busca e apreensão
desse documento para
fazer a prova da
corrupção;a Justiça é
refratária quando é uma
autoridade para ser
buscada. O juiz dá a busca
e apreensão para você
entrar na Vila dos Anzóis, ir
à Assembleia Legislativa é
a maior dificuldade e,
quando vem a
decisão judicial,
chega oito
meses, um ano
depois”.
O
promotor deu
exemplo de
uma ordem de
busca e
apreensão
na Câmara
de
Vereadores
de Cuiabá
que demorou
10 anos
para ser
autorizada.
Antes da
primeira gestão de Luiz
Marinho, o procurador
de Justiça Paulo Rocha,
na época ainda
promotor, ingressou
com um pedido de
busca e apreensão, mas
o pedido foi negado
pelo juiz em primeira
instância e no Tribunal
de Justiça, e foi
necessário recorrer ao
Superior Tribunal de
Justiça (STJ).
“O STJ deu a
“Se o governador é o alvo do
processo, você requisita o
documento público, o documento
desaparece, demora para chegar
ou chega incompleto.”
“O juiz dá a busca e apreensão
para você entrar na Vila dos
Anzóis, ir à Assembleia Legislativa
é a maior dificuldade e, quando
vem a decisão judicial, chega oito
meses, um ano depois”.
ordem para pegar os
documentos dez anos
depois, o documento
chegou há uns dois
anos. O que vou fazer
com isso agora? Isso
é para você ver como
as engrenagens
funcionam. A lei da
corrupção como crime
hediondo não vai
funcionar para reunir
provas de corrupção
e o processo contra os
maus gestores”.
reunir provas, autorização
judicial para dar início ao
processo contra eles.
A nova legislação, caso
aprovada pela Câmara dos
Deputados e sancionada
pela presidente Dilma
Rousseff, vai permitir que os
políticos e servidores públicos
condenados pela Justiça
fiquem atrás das grades por
mais tempo.
“O problema não é de
legislação. No Brasil existe a
cultura da impunidade, os
políticos se sentem imunes.
Mesmo transformando a
corrupção em crime
hediondo, o tratamento é
diferente. Se for um diretor
de escola desviando recursos
da merenda escolar, você
consegue punir a pessoa,
afastá-la do cargo e a
exoneração. Se for um
funcionário desviando
resmas de papel, você
também pune, mas se o foco
é o governador, o presidente
da Assembleia Legislativa,
um deputado estadual, um
promotor, um juiz, aí as
coisas são diferentes”,
comentou.
Para Fúrio, existem duas
classes de pessoas: as que
sofrem os efeitos da lei e as
que contornam os efeitos
da lei. Eventualmente esta
segunda categoria pode
até sofrer, como o
primeiro deputado preso
no exercício do mandato,
Natan Donadon (sem
partido - RO). Contra ele,
o sistema funcionou, mas
será o único caso?
“Temos problema
das autoridades públicas em
enfrentarem o crime quando
o sujeito é um réu mais
qualificado. A PM, para
cumprir mandado no Pedra
90, chutar a porta do
barraco e dar um tapa na
cara de alguém funciona
que é uma beleza; agora
eles fazem isso na casa de
um deputado? Na casa de
um coronel? De um
promotor, de um juiz, de um
desembargador? Não
fazem”.
O promotor também
avalia que a relação entre o
Estado e o corrupto não
deve mudar. “Quem vai
cometer um crime não pega
o Código Penal e olha lá
qual a pena para vender
sentença, vender
autorização de
desmatamento. O cara não
olha a pena! Ninguém
deixa de cometer crime por
isso. O que movimenta
essas pessoas são a
segurança e a certeza da
impunidade”.
Pessoas como o
deputado Natan Donadon e
os condenados no caso do
mensalão, por exemplo,
seriam os maiores punidos,
caso a lei, se aprovada,
pudesse retroagir. Nenhum
dos condenados pelos
esquemas de corrupção
montados durante o governo
de Lula está atrás das
grades. Nem quem se
deixou corromper no caso
de deputados federais que
comercializaram apoio no
Congresso.
“Quem vai cometer um crime não pega o Código
Penal e olha lá qual a pena para vender sentença,
vender autorização de desmatamento. O cara não
olha a pena! Ninguém deixa de cometer crime por
isso. O que movimenta essas pessoas são a
segurança e a certeza da impunidade”.
“O problema não é de legislação. No Brasil existe a cultura da
impunidade, os políticos se sentem imunes. Mesmo transformando a
corrupção em crime hediondo, o tratamento é diferente. Se for um diretor
de escola desviando recursos da merenda escolar, você consegue punir a
pessoa, afastá-la do cargo e a exoneração. Se for um funcionário
desviando resmas de papel, você também pune, mas se o foco é o
governador, o presidente da Assembleia Legislativa, um deputado
estadual, um promotor, um juiz, aí as coisas são diferentes”, comentou.
Pa r a o p r omo t o r Cé l i o Fú r i o , ma i o r d i f i cu l dade
é i n i c i a r ação con t r a uma au t o r i dade
Ca r l os Be z e r r a de v e de vo l v e r 1 mi l hão de r ea i s
ao s co f r e s púb l i co s po r imp r ob i dade
Senado r Ped r o Taque s é au t o r do p r o j e t o
que t o r na a co r r upção c r ime hed i ondo