EDIÇÃO IMPRESSA - 454 - page 8

CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 22 A 28 DE AGOSTO DE 2013
CAPA
P
G
8
FUNDOS
Fundos são criados com a palavra ‘social’, de apelo popular, porém os recursos estão sendo desviados para outros fins.
Por: Rita Anibal. Fotos: Mary Juruna
Desvio de finalidade quase bilionário
Os diversos fundos
criados pelo Governo do
Estado para atender a
área social na prática não
estão promovendo o
desenvolvimento humano
do cidadão mato-
grossense. Criados em sua
maioria nos governos
Blairo Maggi (PR) e Silval
Barbosa (PMDB), os
fundos passaram a ser
utilizados inclusive para
honrar a folha de
pagamento, dentre outros
desvios de finalidade. De
caráter que remonta à
beneficência, o ‘social’
presente na nomenclatura
dos fundos não estaria
sendo priorizado à risca
pela gestão pública.
Segundo o assessor e
consultor na área jurídica
tributária Víctor Maizmann,
“atrasar a folha de
pagamento é a sentença
de morte do político e a
quebra total de confiança”
e, como o Estado de Mato
Grosso está pagando um
preço muito alto com a
Copa 2014 em Cuiabá,
este [Estado] lançou mão
da engenharia tributária e
transformou parte da
arrecadação do ICMS em
‘contribuições’ para os
fundos, isentando o Estado
de repassar esse dinheiro
para os municípios e
indicando que pode ser
usado para cobrir gastos
com pessoal.
De acordo com a
Constituição Federal, em
seu artigo 157 que versa
sobre a competência do
Estado na arrecadação do
Imposto sobre Circulação
de Mercadorias (ICMS) e
obrigação de repassar
25% desse tributo às
prefeituras através do
Setas gere Fundos que juntos
atingem R$ 200 milhões
Mau uso do recurso do
Fethab onera logística
RECEITAS POR FONTE DE RECURSOS – LOA 2013
ESPECI F ICAÇÃO .................................................................................... TOTAL
Contribuições sobre Incentivos Concedidos ..................................... 47.124.348,00
Contribuições sobre Incentivos Concedidos Prodei ............................... 332.467,00
Contribuição sobre Incentivos Comerciais, Minerais e Industriais Concedidos ...... 37.116.790,00
Contribuição sobre Incentivos Concedidos na Agricultura .................... 682.021,00
Contribuições sobre Incentivos Concedidos Prodeic .......................... 8.993.070,00
Contribuição ao Fundo Partilhado de Investimentos Sociais ............29.644.933,00
Contribuição ao Fundo de Fomento à Cultura ............................... 14.120.426,00
Contribuição para Formação do Fundo de Pesquisa e Extensão ........... 37.482,00
Outras contribuições ........................................................................ 42.681.222,00
Recursos Destinados ao Funeds – Dec. 526/2011 ..........................43.862.100,00
Fethab Combustíveis .................................................................... 310.948.305,00
Fethab Algodão ................................................................................ 4.029.383,00
Fethab Soja ..................................................................................... 88.704.973,00
Fethab Gado .................................................................................. 33.840.049,00
Fethab Madeira .............................................................................. 10.813.006,00
Receita Vinculada Fethab – Secopa ............................................. 192.143.879,00
CONTRIBUIÇÕES – TOTAL ................................................ 864.714.454,00
Fonte: Lei Orçamentária Anual 2013 - Seplan
A Setas administra
vários fundos
praticamente com a
mesma finalidade social
e cuja previsão somente
para 2013 é de
arrecadarem, juntos,
cerca de R$ 200 milhões.
Entre eles o Fundo de
Desenvolvimento Social
(Funedes) que atinge
todos os setores que
estão devendo ICMS. O
Estado concede
parcelamento e redução
de 90% da multa se o
contribuinte aderir ao
fundo que gerará R$
65.197.582,00,
destinados à Setas.
Também há o Fundo
de Erradicação da
Pobreza que provém do
aumento de 2% sobre a
comercialização de
armas e munições,
embarcações, esportes e
recreação, bebidas
alcoólicas, cerveja e
chope, cigarros e tabaco,
joias e perfumes com
previsão de arrecadação
de R$ 109.400.000,00,
destinados à Setas.
Outro é o Fundo
Partilhado de Incentivos
Sociais (Fupis) que vem
da contribuição de
empresas da construção
civil que precisam pagar
a diferença de ICMS de
compras de insumos em
outros estados, como é o
caso da Etel Engenharia,
de Rio Claro (SP) e que
faz parte do Consórcio
CLE, que vai receber R$
120 milhões para
implantar a tecnologia
da informação na Arena
Pantanal. Como a
alíquota de ICMS de
Mato Grosso é a maior
do país, a empresa que
faz a adesão ao fundo
recolhe 3% a título de
contribuição e com
previsão de arrecadar R$
18.898.645,00,
destinados à Setas.
Pesquisando no
sistema Fiplan, este ano a
empresa que mais
recebeu recursos do
Fupis, por meio da Setas,
foi o Instituto de
Desenvolvimento Humano
de Mato Grosso.
Re cu r s o s que de v e r i am au x i l i a r na f o rmação de
c r i an ç a s e ado l e s c en t e s s ão s up r imi do s pa r a
con t r a t açõe s e f o l ha de pagamen t o
Mesmo com a
desoneração sofrida no
recolhimento do ICMS e
criação do Fundo de
Transporte e Habitação
(Fethab) para
compensação, o setor do
agronegócio não colhe
as melhorias no
transporte conforme
especificação do fundo.
Produtores criticam a
falta de investimento em
logística e queixam-se
dos prejuízos que
refletem no preço final
do produto.
Eduardo Godoi,
produtor de soja em
Sapezal (480 km de
Cuiabá), mesorregião do
Norte mato-grossense,
afirma: “O Fethab é um
tributo direto e, com a
sua não aplicação,
estamos com os nossos
produtos onerados em
30% no custo total,
somente em se tratando
de logística”.
A Federação da
Agricultura e Pecuária do
Estado de Mato Grosso
(Famato) é a entidade-
mãe que congrega todos
os sindicatos rurais do
Estado. Por meio de seu
presidente, Rui Prado,
vem umas das principais
reclamações: “O governo
Silval Barbosa colocou
no ostracismo o Conselho
Diretor do Fethab e
estamos sem fiscalização
da aplicação dos
recursos, sem estradas e
sem moradias”.
Prado diz: “De 2012
para 2013, o produtor
desembolsou cerca de R$
974 milhões em frete a
mais, somente para o
escoamento da safra de
soja e milho”. Relata o
presidente que esse
montante parcial gasto
até agora pelos
produtores seria suficiente
para “construir 500 km
de estradas de boa
qualidade”. Esse
aumento de gasto
sinaliza que há
crescimento na produção
e, consequentemente,
maior arrecadação no
Fethab, que “já se sabe
de antemão: não será
aplicado em estradas,
como reza a finalidade
inicial do fundo”.
Prado finaliza com
uma pergunta
emblemática: “Até
quando o setor que mais
produz no Mato Grosso
[agronegócio] continuará
pagando um tributo e
não recebendo a
contrapartida, obrigação
do Estado?”
P r odu t o r e s e popu l ação de Ma t o Gr o s s o s o f r em
com a pé s s ima ma l ha v i á r i a do E s t ado
Fundo de Participação dos
Municípios (FPM), o Estado
arrumou uma forma de
diminuir esse repasse
através da criação dos
fundos.
O advogado explica
que o Estado compensou a
perda de numerários,
provocada pela
promulgação da Lei
Kandir que isenta de ICMS
qualquer exportação: por
acordo político e força das
entidades ligadas ao
agronegócio, essa
desoneração também foi
aplicada ao produtor,
mero comerciante e não
exportador de produtos.
Para compensar, taxou
com a mais alta alíquota
de ICMS do País os setores
de energia, telefonia e
combustível, sobrando a
conta para o contribuinte e
consumidores.
Sendo o agronegócio
o carro-chefe da
economia mato-grossense
e verificando que a
arrecadação oriunda do
comércio e da indústria era
pífia, o Estado implanta
vários fundos que o
desobrigam dos repasses
aos municípios de maneira
assustadora e voraz,
aumentando o quinhão
estadual. Hoje, o número
de fundos supera a casa
dos 20.
O tributarista contesta
a falta de análise e
investigação por parte do
Ministério Público Estadual
(MPE), desse desvio
‘legalizado’ de recursos
dos municípios. Em
contrapartida, na opinião
do especialista, o MPE
deveria se reunir com o
Poder Executivo para
definir quais são as
despesas de caráter
eminentemente
social,
através de um Termo de
Ajuste de Conduta (TAC),
evitando a farra de gastos
em setores estranhos à
legalidade de aplicação
dos fundos.
Maizmann explica que
a União permite a criação
de fundos, mas não
especifica os critérios,
levando os estados a
legislarem de acordo com
a necessidade e o
favorecimento político.
Alguns fundos são tão
escandalosamente
inconstitucionais que várias
empresas já conseguiram
ganhos de causa, via
judicial, como o Fundo de
Erradicação da Pobreza.
Este fundo incide sobre o
comércio de cigarros,
bebidas, jóias e
cosméticos, dentre outros, e
é incorporado
integralmente pela
Secretaria do Trabalho e
Assistência Social (Setas),
comandada pela primeira-
dama Roseli Barbosa.
Segundo a Lei
Orçamentária Anual (LOA)
de 2013, este montante
alcançará a cifra de R$
110 milhões.
A arrecadação de
receita das contribuições
[pagamento de fundos] de
2013 está orçada em
R$864.714.454,00 (veja
quadro abaixo).
De s v i o s de f i na l i dade em f undo s s oc i a i s
con t r i buem com o aumen t o da mi s é r i a
O con s u l t o r V í c t o r
Ma i zmann é c r í t i co do s
de s v i o s de f i na l i dade
do s f undo s e s t adua i s
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