CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 8 A 14 DE AGOSTO DE 2013
SAÚDE
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Ao invés de planejar a compra de medicamentos de alto custo, SES compra milhões com dispensa de licitação.
Por: Camila Ribeiro. Fotos: Pedro Alves
MEDICAMENTOS
SES “urgencializa” compra de remédios
Basta abrir o Diário
Oficial do Estado para
encontrar dispensas de
licitação milionárias
feitas pela Secretaria de
Estado de Saúde (SES-
MT) para compra de
medicamentos. As
aquisições de remédios
por meio desta
modalidade chamam
atenção não somente
pelos altos valores como
também pela frequência
com que elas vêm
ocorrendo. Um exemplo
foi a dispensa no valor
de R$ 3 milhões
publicada em Diário
Oficial no último dia 29.
O intrigante é que
muitas vezes são
medicamentos que o
próprio Estado já tem
conhecimento da
demanda e da
necessidade de sua
compra.
Pensando nisso,
qual a necessidade de
realizar a compra por
dispensa de licitação em
detrimento de um
processo licitatório
comum? Ingerência,
incompetência, talvez
seriam esses os motivos
Estado empurra com a
barriga os pacientes do SUS
O problema
enfrentado por pessoas
que dependem dos
medicamentos oferecidos
pelo Estado é antigo e se
tornou algo crônico. Para
se ter ideia, em 2004 a
SES incluiu alguns
medicamentos que tinham
grande procura na lista
oficial do Ministério da
Saúde, por meio de
protocolos estaduais.
Em 2010, uma nova
sistemática editou a
portaria 172 da SES, que
possibilitou que o
paciente solicite na
Farmácia de Alto Custo
qualquer remédio que
não conste na lista. “O
pedido é analisado pelo
médico regulador.
Dependendo da
documentação
apresentada pelo
paciente, ele poderá ter
acesso àquele
medicamento que não
consta na lista oficial”,
explicou.
No entanto, o que
acontece na prática é
outra coisa, já que o
Estado criou mecanismos
alternativos, se
comprometendo a
fornecer, mas não
fornecendo. “Quer dizer:
o mecanismo está lá, mas
não está funcionando”,
assegurou Brandão.
Gestores se escondem para
não ser intimados pela Justiça
Desde 2004
atuando especificamente
na área da saúde, o
defensor Carlos
Brandão revela que a
princípio os gestores
costumavam cumprir as
decisões do Judiciário,
o que atualmente não
vem ocorrendo. Ele
assegura, ainda, que
muitos chegam a se
esconder para não ser
intimados.
“Hoje em dia, para
que uma decisão seja
cumprida, só depois de
uma segunda ou terceira
intimação, ameaça de
bloqueio de dinheiro,
intimação pessoal do
secretário que se
esconde para não ser
intimado. Existe uma
liminar, depois uma
nova luta para fazer
com que a decisão seja
cumprida”, lamentou
Brandão ao afirmar que
uma média de 90
pessoas por mês retorna
à Defensoria alegando
que determinada
decisão não foi
cumprida.
“Não sei se existe
má-fé, mas no mínimo
há ingerência muito
grande dos gestores no
sentido de agilizar o
atendimento à saúde”,
pontuou Brandão.
Juiz aponta “epidemia” de ações na saúde
Por conta da
“enxurrada” de ações
recebidas pelo
Judiciário, seja pela
falta de um
medicamento, pela
urgência de um
procedimento cirúrgico
ou a necessidade de um
leito hospitalar, foi
criado em novembro de
2011 o Núcleo de
Apoio Técnico (NAT),
que auxilia magistrados
no momento de decidir
demandas jurídicas
relacionadas à saúde.
“Em razão da
judicialização da saúde,
o Judiciário cuidou de
buscar esse apoio de
especialistas. Resultado,
inclusive, de uma
recomendação do
Conselho Nacional de
Justiça (CNJ)”, observou
o coordenador do
Núcleo, juiz Jones
Gattas.
Ele observa que as
questões da saúde
apresentam uma
natureza muito própria e
específica e, muitas
vezes, os magistrados
desconhecem essas
questões, sendo
necessário o auxílio de
especialista, “para que
porventura o juiz não
caia numa cilada”.
A equipe do NAT é
composta por seis
médicos, dois
farmacêuticos e dois
servidores da parte
administrativa que
emitem pareceres ao
Judiciário. Em 2012
foram emitidos pelo
núcleo 1.526 pareceres,
número que deverá ser
maior este ano, já que
até o dia 1º de agosto
o número de pareceres
emitidos chegou a
1.000. “A demanda
aumentou, então é fato
que alguma coisa de
errado existe na área da
saúde”, ressaltou o juiz.
Ele pontua ainda
que essa série de ações
judiciais demonstra que
os direitos das pessoas
estão sendo lesados.
“Pessoas se veem
prejudicadas no direito
de pleitear
medicamentos, pleitear
tratamento, sair das filas
de espera e por isso
temos esse quadro de
ações agravante”,
justifica.
A farmacêutica do
NAT Luisa Daige
Marques observa que a
princípio a procura maior
era por medicamentos
básicos, como os de
hipertensão e diabetes.
No entanto, este ano
houve um aumento na
demanda de
medicamentos especiais.
Certamente essa
demanda pode ter sido
ocasionada pelos
problemas de gestão da
Farmácia de Alto Custo,
que protagonizou uma
série de escândalos nos
últimos meses, entre eles,
o vencimento de
medicamentos, que
culminou num prejuízo
de R$ 2,823 milhões,
conforme apontou
levantamento produzido
pela Auditoria Geral do
Estado (AGE).
que levam o Estado a
realizar este tipo de
compra. Ao menos é o
que atesta a Defensoria
Pública do Estado, que
diariamente é acionada
por pessoas que veem
seus direitos lesados e
buscam ajuda para
conseguir determinada
demanda na área da
saúde.
A fragilidade do
sistema de saúde pública,
aliada à ineficiência de
boa parte dos gestores,
faz com que um número
cada vez mais alto de
pessoas acione o Estado
na Justiça, no sentido de
garantir aquilo que é do
seu direito. O defensor
Carlos Brandão, do
Núcleo Cível da
Defensoria Pública da
Capital, assegura que o
Estado é o próprio
causador da chamada
“judicialização da saúde”,
a partir do momento em
que comete falhas que o
torna suscetível a sofrer
algum tipo de ação.
“Na questão de
medicamentos, por
exemplo, já existe uma
demanda, existem recursos
federais para compra,
então por que deixar
faltar? Só posso acreditar
que há uma completa
ineficiência por parte dos
gestores”, argumenta
Brandão.
O defensor explica
que os medicamentos
fornecidos pelo sistema
Único de Saúde (SUS) são
padronizados e compõe
uma lista elaborada pelo
Ministério da Saúde, de
forma que os gestores já
têm conhecimento da
necessidade de que os
remédios sejam adquiridos
regularmente e colocados
à disposição da
população. Ainda assim,
a falta de medicamentos
nas unidades de saúde
pública se tornou algo
corriqueiro.
“Seja na Farmácia de
Alto Custo, ou nas
policlínicas e postos de
saúde, por exemplo, esses
remédios precisam ser
oferecidos. Não pode
haver falta porque os
gestores já sabem mais ou
menos a quantidade de
pacientes que os utilizam”,
ressaltou o defensor.
Brandão justifica: “É
um processo simples,
existe um sistema
informatizado, onde o
Estado pode prever que
determinado medicamento
vai faltar ou vencer num
determinado período de
tempo. Então existe um
sistema que lhe possibilita
realizar um processo
licitatório. Salvo casos
excepcionais e que não
tem como serem
previstos”.
Além de não fazer seu
papel a contento, o
Estado ainda critica a
atuação da Defensoria
Pública. “O Governo
critica a questão da
judicialização e diz que a
Defensoria é quem está
onerando os cofres
públicos, mas se a coisa
está do jeito que está é
por culpa deles mesmos. É
tudo feito com muita
morosidade, o que
contribui para gerar uma
série de ações na Justiça”,
apontou.
Atualmente, apenas
em questões relacionadas
à saúde, a Defensoria de
Cuiabá ingressa com
aproximadamente 70
ações judiciais por mês.
Deste total 40% são
demandas por
medicamentos, número
que vem crescendo
paulatinamente. “Alguns
gestores alegam, por
exemplo, que os
fornecedores não querem
mais fornecer os
medicamentos. Se não
querem é porque não
estão recebendo, ou
porque alguma coisa de
errado existe”, alerta.
Pac i en t e s l o t am Fa rmác i a de A l t o Cu s t o em bu s ca de med i camen t o s . Mu i t a s
vezes espe r a é em vão , j á que r eméd i os es t ão em f a l t a
De f en s o r Ca r l o s B r andão pon t ua que a
De f ens
j ud i c i a l i z ação da s aúde é r e t r a t o da i ne f i c i ên c i aa
de boa pa r t e dos ge s t o r e s
O não p l ane j amen t o aca r r e t a f a l t a de r eméd i cos de a l t o cu s t o e
con s equen t e r ea l i z a ç ão de d i s pen s a s de l i c i t a ç ão mi l i oná r i a s