CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 18 A 24 DE JULHO DE 2013
CAPA
P
G
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LAR DA CRIANÇA
Empresa contratada com dispensa de licitação já faturou quase R$40 milhões no Governo Silval. SAD e empresários entram em
contradição e MPE desmente razão de dispensa. Por Sandra Carvalho e Mayla Miranda. Fotos: Pedro Alves
MPE investiga denúncia do Circuito
O Ministério Público
Estadual (MPE) abriu três
frentes de investigação em
torno da dispensa de
licitação no valor de R$ 5,2
milhões feita pela
Secretaria de Estado de
Administração (SAD) e que
seria destinado à
contratação de 150
funcionários para o Lar da
Criança, instituição mantida
pela Secretaria de Estado
de Trabalhão e Ação Social
(Setas). O caso está sendo
apurado, com base na
reportagem exclusiva do
Circuito Mato Grosso
em sua edição passada, na
Promotoria da Infância e
Adolescência, Patrimônio e
Promotoria Criminal
Especializada na Defesa
da Administração Pública e
Ordem Tributária.
Algumas divergências
chamam a atenção. De
acordo com a Secretaria de
Administração do Estado
(SAD) o contrato seria para
150 funcionários, já a
empresa contratada afirma
que foram solicitados
apenas 120 servidores,
desta forma a divergência
no número de
trabalhadores chega a 30
vagas. De qualquer forma,
o número de servidores
contratados ultrapassa a
capacidade de
atendimento do Lar da
Criança. Há ainda a
questão da dispensa de
licitação para a
contratação da empresa.
Empresa já faturou R$38,1
milhões do Governo Silval
Instituição abriga 100 crianças amais que o permitido
Uso de roupas é coletivo e não há privacidade
Profissionais sugerem
criação de “Casas-Lares”
As mais de 120
crianças atendidas no “Lar
da Criança” não dispõem
de espaços
individualizados. Esta é
mais uma denúncia contina
no manifesto dos
profissionais da área. O
documento revela que o
espaço físico está distante
do modelo de “residência”
e mais se assemelha à
estrutura de um “orfanato”,
com prevalência de
espaços físicos coletivos:
refeitórios grandes, quartos
que acomodam de 10 a
40 crianças, banheiros
coletivos, quadra.
As crianças, relada o
documento, não dispõem
de armários individuais,
cabendo à equipe técnica o
armazenamento dos
pertences de cada um.
Tudo é coletivo: roupas,
sapatos e até mesmo o
copo para tomar água.
Como não há armários
individuais, as vestimentas
ficam na rouparia. Não há
possibilidade de escolher
roupa para vestir.
Tudo isto estaria
inviabilizando uma atenção
adequada à criança,
conduz a graves violações
de direitos, o que vem
ocorrendo com frequência:
violência física, psicológica
e simbólica entre os
cuidadores e crianças, e
inclusive a prática sexual
entre as crianças. Esses
aspectos, se vivenciados
por longos períodos, dizem
os profissionais,
representam não apenas
uma violação de direitos,
mas deixam marcas
irreversíveis na vida dessas
crianças.
No Lar da Criança, de
acordo com a denúncia, os
internos de até quatro anos
não saem da instituição a
não ser por uma
necessidade específica de
atendimento de saúde,
vacinação ou eventuais
passeios prioritariamente
em datas festivas.
As crianças de 4 a 6
anos passaram a frequentar
a escola somente neste
ano. Há projetos de
ampliação da vida
comunitária pela nova
gestão, mas até então as
crianças não participam de
nenhum projeto social,
festividades escolares,
saídas para centros
religiosos, dentre outras
situações necessárias para
a saúde mental, salvo
pequenas e inexpressíveis
situações.
Mais especificamente,
o documento-manifesto
aponta violação de direitos
dessas crianças acolhidas
no Lar da Criança no que
tange à infraestrutura física
e espaços privados, e
preservação e
fortalecimento da
convivência comunitária.
Os profissionais que assinaram o documento-
manifesto sugerem a criação de “Casas-Lares” com
número máximo de 10 crianças, atendendo crianças de 0
a 18 anos. Essa proposta se apresenta como o modelo de
cuidado mais próximo à referência familiar, que contempla
um cuidador (mãe social ou casal) e estabelece uma
relação mais estável e saudável, promotora da autonomia
e singularidade (não mais regime de plantão, não
aconselhável segundo as orientações técnicas), por isso, a
mais coerente para ser implementada.
Estudos sobre o atendimento massificado a crianças e
adolescentes têm revelado os custos pessoais que tal
situação acarreta: carência afetiva, dificuldade para
estabelecimento de vínculos, baixa autoestima, atrasos no
desenvolvimento psicomotor, aniquilamento da identidade,
estigmatização, dificuldades no processo de reinserção
social e ainda a negligência de necessidades emocionais
básicas da criança, como o seu direito à individualidade,
referenciais de limites, segurança e afeto.
Fazendo um levantamento no Sistema Integrado de
Planejamento, Contabilidade e Finanças (Fiplan), o
Circuito Mato Grosso
constatou que em apenas dois
anos e meio do Governo Silval Barbosa a empresa de
pequeno porte (EPP) Elza Ferreira dos Santos Serviços
(Seligel) faturou contratos no valor de R$ 38.129.772.
Na Receita Federal, a empresa tem como atividade
principal limpeza de prédios, carga e descarga,
atividades paisagísticas, estacionamento de veículos,
dentre outras, com exceção de recrutadora de
profissionais das áreas necessárias a uma instituição com
o perfil do Lar da Criança (com nível superior).
Em março de 2013,
profissionais da área de
assistência social às
crianças vítimas de
abandono ou violência
redigiram um “Manifesto
em defesa da criação de
Casas-Lares no Município
de Cuiabá”, no qual
repudiam o modelo de
acolhimento oferecido em
entidades como o Lar da
Criança.
Eles manifestaram a
necessidade de
adequação da política
municipal de assistência
social de atenção a
crianças em situação de
acolhimento institucional
de Cuiabá,
prioritariamente através da
modalidade de Casas-
Lares, e ainda repudiaram
de forma veemente o
atual modelo de
‘abrigamento’ do Lar da
Criança de Cuiabá, da
Setas. Segundo os
profissionais, o referido
modelo se mostra em total
descompasso com o
Estatuto da Criança e do
Adolescente, Política
Nacional de Assistência
Social e normativas das
“Orientações Técnicas
para Serviços de
Acolhimento Institucional
para Crianças e
Adolescentes” do
Conselho Nacional dos
Direitos da Criança e do
Adolescente (Conanda).
De acordo com o
Conanda, os serviços de
acolhimento podem ser
oferecidos em diferentes
modalidades: abrigos
institucionais, Casas-Lares,
famílias acolhedoras e
repúblicas. “O Lar da
Criança, que hoje atende
129 crianças, conta com
um quadro de mais de
300 funcionários, com
uma estrutura física aos
moldes de um grande
orfanato. Segundo as
orientações, e de acordo
com os parâmetros destas
modalidades – mesmo
dos abrigos institucionais –
, o numero máximo de
crianças acolhidas seria
de 20”.
E completam:
“Esperamos que as
entidades representativas
de Defesa dos Direitos das
Crianças e Adolescentes e
que compõem o Sistema
de Garantia de Direitos
sejam provocados por
esta nossa grande
inquietação e que atuem
de forma a reivindicar por
mudanças efetivas”.
De acordo com a SAD, a
contratação aconteceu em
regime de urgência por
conta de uma solicitação
do Ministério Público para
atender à falta de mão de
obra no local. Já o MP,
através do promotor da
Vara de Infância, alega
não ter realizado nenhuma
solicitação especial para a
contratação de mão de
obra. O promotor ainda
revelou ter estado no Lar
da Criança há cerca de 20
dias, a fim de realizar uma
ação conjunta para a
reintegração de menores
ao lar de origem, mas teria
verificado que apesar das
necessidades
do local os
atendimentos
aparentavam
estar ocorrendo
normalmente.
A
reportagem
mostra que a
SAD contratou
a empresa Elza
Ferreira dos
Santos Serviços
(Seligel),
localizada num
sobradinho
simples no
bairro Bosque da Saúde, a
quem delegou a missão de
contratar uma equipe
multidisciplinar para atuar
no Lar da Criança, principal
referência em assistência a
crianças vítimas de violência
doméstica. No extrato de
contrato com dispensa de
licitação publicado no
Diário Oficial, o objeto da
contratação deixa dúvidas
quando cita apenas
“serviços de mão de obra
de natureza contínua
visando à implementação
das ações para o
atendimento das demandas
do Lar da Criança”.
A reportagem esteve
no endereço da Seligel, no
Bosque da Saúde, onde
encontrou apenas a filha
dos proprietários e que
atendeu pelo interfone,
porém passou os contatos
dos empresários. Eleuzino
Ataíde Passos – conhecido
por Leão – que se
apresentou
como
procurador
da
empresa –
e é esposo
da
proprietária
Elza
Ferreira
dos Santos
concedeu
entrevista
por
telefone.
Ele disse
ter apresentado a sua
proposta de preço à SAD,
como acontece em
qualquer outro processo de
contratação. Questionado
sobre a dispensa de
licitação, Leão afirmou ter
achado o procedimento
normal. “Eles solicitaram
um orçamento, eu fiz e eles
gostaram do preço. Desta
forma, estamos atendendo
o governo. Para nós não
tem nada de errado”,
declarou Leão.
Já sobre o valor do
contrato, o empresário
alegou que este é o preço
de mercado, pois o menor
salário dos servidores seria
de R$ 2 mil e o maior
chega a R$ 4 mil.”Temos
50 cuidadores noturnos, 68
diurnos, 4 enfermeiros, 2
fisioterapeutas”, informou.
A primeira-dama,
Roseli Barbosa, secretária
de Trabalho e Ação Social,
foi procurada
insistentemente pela
reportagem para falar
sobre o assunto. Até o
fechamento desta edição
ela não havia respondido
às perguntas enviadas por
e-mail e nem retornado às
ligações para ser
entrevistada pelo telefone,
visto que está em viagem.
SUPERLOTAÇÃO
O
Circuito Mato
Grosso
ainda abordou a
questão da superlotação
no Lar da Criança, que
hoje abriga em torno de
120 crianças, quando sua
capacidade é para no
máximo 90 vagas. Muitas
estariam dormindo em
colchonetes, no chão, por
falta de espaço, e outras
inclusive teriam sido
recusadas quando levadas
por conselheiros tutelares.
Também chegaram à
redação denúncias de
maus-tratos e falta de
profissionais habilitados
para cuidar dos
pequenos.
E s t ado não e s t a r i a c ump r i ndo no rma s t é c n i c a s
de aco l h imen t o no L a r da Cr i ança
Se l i ge l v em f a t u r ando con t r a t o s mi l i oná r i o s ape s a r
de s e r enquad r ada como pequena emp r e s a
o MP, através do
promotor da Vara
de Infância, alega
não ter realizado
nenhuma
solicitação especial
para a contratação
de mão de obra
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