CUIABÁ, 18 A 24 DE JULHO DE 2013
CULTURA
Por Luiz Marchetti
Fotos: Luiz Marchetti
Luiz Marchetti é
cineasta cuiabano,
mestre em design em arte
midia, atuante na cultura de
Mato Grosso e é careca.
o índio é pop
Com filmes, menu e músicas escolhidas a dedo, a
CASA DO PARQUE homenageia a Cidade Luz numa
noite de puro charme:
BACK TO PARIS...
Chame os amigos e reserve sua mesa, com DJ XODÓ CASTRILLON,
especiais dos chefs nesta sexta, dia 19 de julho, a partir das 20h.
INFO e Reservas: (65) 3365 4789 e 8116 8083:
A obra recente de JOÃO MANTEUFEL na CASA DO PARQUE, no que eu compreendi, investiga
o surgimento de culturas primeiras nestas regiões e identidades digitalmente construídas a partir de figuras
indígenas. Um emaranhado visual constrói índios monocromos, atingindo figuras de Warhol no final do
loop. Em sua videoinstalação na abertura de Batarra, o artista edita referências iconográficas,
personagens populares com nacionalismo exacerbado que firmaram características heroicas em nossa
atualidade. Um mosaico de edição com superimposições leva o espectador para uma reza doméstica,
Chapada dos Guimarães, tribos indígenas, Papai Noel bebendo Coca-Cola, Grande Otelo, Macunaíma
e Odorico Paraguaçu. É o índio pop? Se no dia a dia da construção de um Brasil as tribos lutam por terra,
por melhores condições físicas de saúde e respeito nacionalmente, o vídeo de Manteufel me parece brigar
por mais profundidade com a identidade indígena na representatividade da era digital. Sua luta contra o
pop raso de apenas 15 minutos de atenção e fama. Vivenciei o vídeo como se a imagem indígena, como
se toda essa cultura profunda de vários povos sofresse com a ausência de representatividade nas
telenovelas, nos filmes que produzimos no audiovisual nacional, e tudo virando pop, rápido e vazio. Como
uma camiseta colorida. Essa talvez seja a reclamação mais forte em que o vídeo me fez pensar. Ao misturar
personagens emblemáticos e textos documentários, Manteufel apresenta uma experiência visual muito
bonita e impactante neste período de enfraquecimento da cultura indígena diante da consumista. O que
fica são cores fortes sublinhando digitalmente a imagem e o áudio dos verdadeiros pioneiros, grandes
mantenedores desta região e a transformação deles hoje em rótulos meramente coloridos.
JOÃO MANTEUFEL tem formação
publicitária, com forte pegada em
animação digital, manipulação imagética
e trabalha na Produtora DONALOLA, no
Jardim Cuiabá. (65) 3054 4030
O projeto BATARRA segue na CASA DO
PARQUE, com artes plásticas de CLOVIS
IRIGARAY, ELIAS DE PAULA e fotografias
de JOSÉ MEDEIROS.
Na semana seguinte o CULTURA EMCIRCUITO apresenta um olhar focado na prática do fotógrafo JOSÉ MEDEIROS que também participa do projeto BATARRA,
com a colaboração literária da Professora Anna Maria Costa. A exposição BATARRA na CASA DO PARQUE tem entrada franca de segunda a sábado das 10h às
22h. Leve a família inteira para conferir a exposição e saboreie as delícias do Bistrô-Café no almoço e no jantar.
Anna Maria Costa
O evento Batarra reúne olhares diferenciados sobre povos
indígenas: são percepções múltiplas, em consonância com a
diversidade indígena que borda o tecido mato-grossense com
fios da seda dos buritizais.
O presente etnográfico em Mato Grosso possui 42 povos
indígenas que somam aproximadamente 30.000 índios,
habitantes de diferentes ecossistemas. Sua sociedade constrói-se
com histórias e morfologias sociais distintas que não rejeitam o
significado do espaço territorial na sua ordem societária, mas se
aparta das considerações acerca da supremacia quase exclusiva
dos fatores geográficos. Para além das circunstâncias territoriais,
proclamam os povos indígenas usos, costumes e modo de ser
como condições inerentes à organização social.
A discussão de cultura, concebida como inerente à
organização de grupos étnicos, é edificada em expressões
manifestas nos modos de viver de um povo, admitindo
mudanças no passar do tempo. A cultura é entendida mais
como uma implicação da etnicidade e percebida em um
contexto de interação étnica,
isto é, como produto de
relações sociais e históricas. A
noção de pertença, portanto,
constrói-se nos aspectos
simbólicos e em cosmovisões
singulares. Necessariamente,
as fronteiras de conteúdo
cultural e geográfico não são
coincidentes, pois o que
define um grupo é sua
fronteira étnica, enfatizada
por categorias atributivas de
alteridade e pertencimento.
Para entender o contato
dos indígenas com os não
índios é preciso aportar-se
em concepções teóricas das
Ciências Humanas. Dessa
MATO GROSSO INDÍGENA
maneira, percebe-se que as instituições indígenas e não
indígenas encontram-se intimamente engendradas e o contato
não pode ser entendido de forma reduzida, como uma relação
de dependência incontestável. Os agentes de contato conduzem
às sociedades indígenas, em proporções violentas, a uma
ressignificação imbuída de uma leitura simbólico-cultural que,
consequentemente, é introduzida aos novos padrões de
relacionamento que os levam à luta pela manutenção de sua
unidade social. Portanto, o que se estabelece durante o contato
não é visto somente como fator desintegrador das sociedades
indígenas. Índios e não índios são conduzidos à
interdependência e, por conseguinte, aos constantes
desajustamentos, em face dos quais buscam possibilidades de
convivência, ora pacífica ora conflituosa. Para uma discussão
acerca de território geográfico cultural, a noção de fronteira
entre índios e não índios é concebida com propósitos distintos e
caracterizada por um referencial geográfico eminentemente
cultural, representando um território que se sobrepõe ao oficial,
com interesses antagônicos. Pesquisas apontam que o povo
indígena Nambiquara, mesmo antes das pirâmides serem
construídas, já caminhava por este chão. Acredita que no
firmamento a lua é uma entidade masculina e o sol, feminina.
Em seu reino, a generosidade e a alegria são os pilares de sua
sociedade e a liderança, um encargo; não acumula, reparte.
Em seu encontro, nos Tristes Trópicos, assombrou um dos
maiores pensadores contemporâneos, pois este descobriu uma
sociedade constituída de apenas homens livres.
Como podem os índios resistir ao choque com uma
sociedade onde tudo que é sólido desmancha no ar? Uma
sociedade onde seus fundamentos acham-se cada vez mais
envoltos em tragédias e ambições sem fim. O parlamento
brasileiro, por pura matemática, não representa os índios. Não
têm como obterem votos suficientes para serem eleitos. O
número de habitantes indígenas é contabilizado para o Fundo
de Participação dos Municípios, mas não recebem nenhum
benefício. No ICMS-Ecológico, os municípios não reconhecem
os serviços ambientais que prestam os territórios indígenas.
A emersão dos inúmeros conflitos de terra presenciados nos
últimos anos obriga os povos indígenas a criarem e a recriarem
certas práticas como estratégias de sobrevivência. Núcleos
populacionais indígenas ainda sofrem as consequências do
avanço considerável do antropismo e do desflorestamento,
especialmente sob o ângulo do impacto das atividades
agropecuárias. Tal situação espelha-se também na falta de uma
estrutura do aparelho estatal adequada que empreenda
medidas direcionadas ao seu etnodesenvolvimento compatível
com o presente etnográfico de cada um dos povos indígenas,
ainda que haja ordenamentos jurídicos na legislação brasileira
que instituem normas específicas de gestão territorial e ambiental
às terras indígenas. Os meios de comunicação, com constância,
insistem em aditar às sociedades indígenas adjetivos
depreciativos ou vê-las como fontes inesgotáveis de exotismo e
primitivismo. Isso porque seus sistemas culturais não reproduzem
em seus componentes os moldes da sociedade ocidental, do
ocidentalismo, utilizando o termo-conceito do intelectual Edward
Said (1935-2003). Os índios ainda estão à espera da
consolidação das ações governamentais que propiciem a
regularização fundiária de
seus territórios tradicionais e,
ainda, de políticas públicas
que possam garantir sua
sobrevivência física e cultural
que assegurem a sua unidade
enquanto povos culturalmente
distintos.
Anna Maria Costa é
Doutora em História pela
Universidade Federal de
Pernambuco,
Pesquisadora do Centro
Cultural Ikuiapá/Museu
do Índio, Professora do
Univag – Centro
Universitário e Diretora
de Cultura Histórica da
Filatelia do Clube
Filatélico e Numismático de MT.
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