CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 30 DE MAIO A 5 DE JUNHO DE 2013
CULTURA EM CIRCUITO
PG 4
APENAS MAIS UM
CALDO CULTURAL
Por João Manteufel Jr
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João Carlos Manteufel,
mais conhecido como João
Gordo, é um dos publicitários
mais premiados de Cuiabá
EXISTE VIDA PÓS AIDS
ABCDEF....GLS
Por Menotti Griggi
M n i G i
G
Menotti Griggi é
geminiano, produtor
cultural e militante incansável da
comunidade LGBTT
Nesse último final de semana,
presenciei coisas que só um Luiz
Borges, maestro do nosso cinema,
consegue fazer. Em seu “Blues
Chapada”, Luiz colocou uma banda de
umbanda, a Maculelê, cantando uma
música gospel americana de 1901 com
a superdiva Deise, dentro da quase
tricentenária Igreja de Sant’Anna.
Protestos? Que nada. De mãos dadas,
todas as religiões saem em cortejo pela
cidade mais mística do Brasil.
– Papai, quem é aquele de preto?
– pergunta meu filho, no auge dos seus
5 anos.
– É o padre. Ele que fala o que
Papai do Céu quer que a gente faça.
Ele que fala o que Papai do Céu quer
que a gente respeite.
– E como que ele fala?
– Como? Como que ele fala?
– É. Como o homem de preto fala
com Papai do Céu?
– Ele fala com Deus pelas orações,
pela fé dele. Nas missas. Agora
mesmo, em silêncio, deve estar falando
com Ele.
– Mas depois? Ele manda a fé
pelo computador? E se não tiver
internet no céu?
– Não, Joãozinho. É só rezar
mesmo que vai pelo ar. É só ficar em
silêncio. Deus sempre escuta tudo.
– E escuta todo mundo?
– Escuta todos que acreditam.
O silêncio entre a gente quase
ensurdece. Deixa o cântico de escravos
tonitruante. Rapidamente penso no que
ele estava pensando naquele exato
momento.
– Papai! –
interrompe
meus
pensamentos
antropológicos.
– Oi
Joãozinho.
– Acabei de
pedir pro Papai
do Céu e ele
disse sim.
– Ah é,
filho?
– É. Eu pedi
pra que em vez
de ir na escola,
eu fosse para o
parque todos
os dias. E Ele
disse sim, o
senhor não
escutou?
Recebi esta semana um telefonema
de um leitor com um pedido: que eu
publicasse a história de vida dele em
convivência com a soropositividade.
Fiquei bem comovido com as palavras
ditas por ele. C. S. é estudante de
jornalismo. Segue aqui alguns trechos de
um exemplo de vida na plenitude de ter
sempre o “pensamento positivo”.
C. S. começa sua história assim:
Nesse um ano de soropositividade, minha
vida se transformou em dois grandes
desafios: um seria manter o meu estado de
saúde; o outro lutar contra o preconceito e
a discriminação da sociedade que ainda
confunde evitar o vírus com a evitar o
portador do HIV, como se pessoa e vírus
fossem a mesma coisa. Tive três grandes
momentos. O primeiro foi o dia, a hora
em que recebia meu exame positivo da
AIDS. O segundo, quando minha médica
me informava que, no dia seguinte, eu
começaria a tomar o coquetel. Chorei
muito. lembro que cheguei a casa, entrei
no banheiro e me encolhi de tanto chorar.
O terceiro momento foi o de buscar
solidariedade da parte de quem sempre
me amou, minha mãe. Não tinha como
esconder, afinal ela sempre foi minha
amiga na tristeza e na alegria. Pensei,
repensei, achei que ela fosse adoecer,
morrer e que teria uma reação negativa
tão comum, mas não tão humana por
parte dos familiares, e me preparei para
ser expulso de casa.
Para meu espanto, ela chorou e me
abraçou e numa explosão de emoções e
sentimentos disse que me amava e me
respeitava, e o que mudou foi minha
sorologia, não meu caráter, minha
identidade. Onze meses se passaram,
tenho uma nova vida, sei que é preciso
lutar, lutar pela vida, por um novo
conceito, que AIDS não é doença de gay
tão relacionada à perversão,
promiscuidade, prostituição e drogas. A
ideia que eu tinha dos efeitos colaterais
do remédio foi suprida com sonhos,
vontades e desejos de seguir mais
adiante; que os soropositivos eram
pessoas feias, tristes, rancorosas, foi
idealizado por uma expectativa, desejo,
solidariedade e muito mais; muita alegria
que vivemos um dia após o outro sorrindo
e com vontade de chegar aos 100 anos.
Neste momento da minha vida estou
trabalhando, fazendo a faculdade que
sempre sonhei fazer, e três vezes na
semana faço musculação. Minha vida
não parou, não estagnou. Estou
escrevendo em nome de milhares de
soropositivos de Cuiabá que lutam dia
após dia, em meio a espinhos e também
rosas, por dignidade, igualdade, por
liberdade. Não tenha medo de fazer o
exame, existe vida após a AIDS. A AIDS
nos obriga a olhar para tudo aquilo que
a sociedade brasileira finge não ver e
esconde: a desigualdade, o preconceito,
a hipocrisia, a falência do sistema de
saúde, a incoerência da Justiça, a
fragilidade das relações pessoais. A AIDS
nos convida a refletir sobre a vida e sobre
a morte, nos faz entender que sobreviver
não é sinônimo de viver. Percebemos que
a desigualdade, o preconceito, a
discriminação, o racismo, a diferença
entre ricos e pobres, a corrupção de
alguns políticos, a fome, a homofobia
também são doenças graves, piores do
que AIDS e ainda não têm tratamento.
Parabéns ao C. S. pela superação e
atitude!
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