CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 13 A 19 DE JUNHO DE 2013
CAPA
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CRIME NA SAÚDE
Mortes no SUS por suspeita de omissão do Estado devem virar Boletim de Ocorrência na Delegacia de Polícia.
Por: Rita Anibal. Fotos: Pedro Alves
Enquanto muitos
cidadãos morrem esperando
por uma cirurgia ou
remédios, outros agonizam
em corredores de hospitais
sem leitos disponíveis.
Enquanto mães choram por
atendimento para seus filhos,
o Estado não ouve esses
clamores e simplesmente
corta recursos dos municípios
da atenção básica de saúde
pela metade, com aval da
Assembleia Legislativa. Ou
repassa recursos milionários a
Organizações Sociais de
Saúde (OSSs) para gerirem
unidades públicas sem
resultados que atestem sua
eficiência. “Peço aos
pacientes e parentes de
pessoas que perderam a
vida por falta de assistência
médica ou falta de
medicamentos que façam
boletim de ocorrência numa
unidade de polícia e,
posteriormente, encaminhem
ao Ministério Público Estadual
(MPE) para que possamos
tomar medidas judiciais
contra esses que não tratam
a saúde do cidadão como
prioridade”, alerta o
promotor de Justiça e Defesa
da Cidadania, Alexandre
Guedes. Se confirmada a
omissão do Estado, o gestor
pode ir para a cadeia.
Sempre contundente, o
“A lógica das OSSs é não
atender tudo nem todos”
“Gestor que terceiriza assina
o atestado da incompetência”
Nadaf joga a culpa nos servidores
Uma das mazelas
impostas pelo Estado,
segundo a médica Eliana
Curvo, do MT
Hemocentro e integrante
do Comitê em Defesa da
Saúde Pública, é punir
apenas o servidor de
carreira em favor dos
gestores e funcionários
de cargos de confiança
(nomeados) que realizam
administração deficiente.
“O Estado, ao punir
servidores envolvidos em
falcatruas,
principalmente os
comissionados, divulga a
punição como se eles
fossem de carreira para
denegrir a classe”, revela
a médica. Eliana relata
que o desmonte da
saúde iniciou-se no
governo Blairo Maggi
(PR) e continuou no de
Silval Barbosa (PMDB),
culminando “com a
instalação do caos na
saúde pública”.
Na contramão do
pedido do promotor para
judicializar órgãos e
gestores, o secretário da
Casa Civil, Pedro Nadaf,
diz: “Só decidirei se vamos
rescindir o contrato com o
Ipas depois de recebermos
o relatório final feito pela
Auditoria Geral do Estado
(AGE)”. Nadaf também
tem posição questionada
por sindicalistas: “Não
descarto multar o Ipas
pelos problemas na
compra e falha de
distribuição dos remédios
de alto custo, mas se
houver participação
comprovada de servidores
nas irregularidades
cometidas, eles serão alvo
de processos
administrativos e passíveis
de perda de função e
cargo”.
Ela relata um
acontecimento da época
em que dirigia o Banco de
Sangue Público e que, por
falta de insumos e por não
poder atender à
demanda, elaborou um
Boletim de Ocorrência
(BO) na Polícia Civil. No
BO, a médica contava o
drama do Banco de
Sangue e que por esse
motivo se via obrigada a
fechá-lo por ser inviável o
atendimento. Comunicou
o fato ao MPE e um
procurador, ao visitar o
local, bradou: “Quero o
primeiro corpo para
criminalizá-la”. A médica
conta que recentemente
um funcionário do Samu
morreu por falta de
manutenção nas
ambulâncias. “O
promotor tinha o corpo,
mas não criminalizou
ninguém!”, diz.
Quando o paciente
tem um caso mais grave
como infarto ou câncer,
ele será atendido por
hospitais segmentados
pelo próprio governo: um,
gerido pelas OSSs e com
abundância de recursos;
outro, administrado pelos
Consórcios Intermunicipais
de Saúde, que sofrem
toda a sorte de recursos
minguados ou sem
repasse algum.
Essa diferenciação no
atendimento do cidadão é
exposta no contrato
Estado-OSSs, pelo qual as
organizações escolhem
quem e o que atender,
enquanto o resto das
pessoas é atendido
precariamente ou nem
chega às mãos de um
médico, pois morre antes.
“A lógica das OSSs é
não atender tudo nem
todos; não é atendimento
solidário”, relata Dr.
Carlos Eduardo Siqueira,
médico e professor-
associado da University of
Massachusetts, de Boston
(EUA). Siqueira conta que a
contratação de
Organizações de Saúde “é
ilusória e discriminatória”.
Ilusória porque podem
contratar mais rápido porque
têm mais dinheiro;
contraditória, porque
escolhem o tipo de paciente
que querem atender,
explica o professor.
Siqueira compara esses
atendimentos a um
avião: “As OSSs são a
classe executiva; o
Sistema Único de Saúde
é a classe econômica,
mas há aqueles que nem
avião têm”, dispara.
O Brasil está
insistindo em copiar o
modelo americano de
saúde, sendo que mais
de 50 milhões de
pessoas não têm acesso
ao sistema. “O que
interessa é a
universalização: ricos e
pobres sendo atendidos
com igualdade!”. A
população deve
defender o Sistema Único
de Saúde (SUS) “com
unhas e dentes”, pois é
ele quem comanda a
vacinação, os
hemocentros, atendendo
a tudo e a todos, afirma
Siqueira.
Há uma semana, o caso
dos medicamentos vencidos
colocou à prova a eficiência
do Instituto Pernambucano de
Saúde (Ipas), responsável
pelo setor. Além de não fazer
o repasse diário dos
medicamentos, como
denuncia Alzita Ormund, do
Sindicato dos Servidores da
Saúde e Meio Ambiente
(Sisma), “o Ipas não faz o
repasse mensal”. É ele, Ipas,
a Organização Social de
Saúde (OSS) contratada pelo
Estado para gerenciar
hospitais e o Centro Estadual
de Armazenamento e
distribuição de Insumos de
Saúde (Ceadis).
“Sempre fui contrário à
contratação das OSSs”,
reafirma o psiquiatra Julio
Müller, professor da
Universidade do Mato
Grosso (UFMT) e ex-
secretário de Estado de
Saúde. Ele justifica que a
saúde é uma atividade
finalística: “Gestor que
terceiriza assina o atestado da
incompetência”.
Müller explica que o
atendimento nas OSSs não é
equânime, isto é, não atende
a todos. O médico lembra
que para alguns gestores
públicos essa contratação é
mais econômica: “Ora, como
ser econômica se paga três
vezes mais que a tabela do
SUS? Como ser econômica
se o Estado arca com o
pagamento de 70% dos
servidores que foram para as
OSSs? Que princípio de
economia é esse?”, pergunta,
revoltado. O médico
continua: “Esse modelo é
precário e os políticos com
visão pequena o usam por
acharem que resolve o
problema, pensando apenas
no tempo do seu mandato.
Um estadista pensa na saúde
como política pública de
longo prazo”. Müller também
condena a falta de atenção
para com os servidores da
área: “Nos últimos dez anos
não foi formado nenhum
administrador hospitalar. O
investimento no profissional é
uma das condições para se
manter uma saúde decente
para o cidadão”.
promotor resume o
desmando que ocorre na
saúde pública em Mato
Grosso. “A prioridade é
resolver o problema do
paciente do SUS. E se uma
pessoa morre sob a suspeita
de não ter sido devidamente
socorrida pelo Estado, isso
deve constar no atestado de
óbito e no boletim de
ocorrência”, orienta o
promotor.
Quando o Estado
descumpre a sua função de
prevenir o surgimento de
doenças, é necessária então
a intervenção de médicos e
de remédios, para que o mal
possa ser remediado. Sendo
assim, o Estado se vê
obrigado a garantir à
população o direito à saúde
de qualidade, o que não
vem ocorrendo há muito
tempo em Mato Grosso. E,
neste caso, o acesso aos
serviços de saúde na rede
pública devem ser exigidos
na Justiça, com base no Art.
196 da Constituição Federal
de 1988, que também se
encontra no Art. 2° da Lei
8.080/90, que diz que a
saúde é um direito
‘judicializável’. Ou seja, se for
descumprido, pode ser objeto
de ação que assegure o
cumprimento do direito
fundamental eventualmente
posto em xeque pela
omissão dos órgãos
encarregados de sua
execução.
Em Mato Grosso, a
prevenção e o tratamento de
doenças mais comuns que
acometem os cidadãos,
como diabetes, pressão alta,
gripes ou um simples
resfriado, ficaram
comprometidos devido ao
corte de 50% nos recursos
repassados pelo Estado aos
municípios, corroborado pela
Assembleia Legislativa no
final do ano passado. Os
municípios também sofreram
um “calote” do Estado ao
longo de um ano. Não
receberam até hoje o total do
valor que deveria ser
repassado em 2012. E
muitas pessoas podem ter ido
a óbito em meio a esta crise
generalizada na saúde
pública e que tem se
agravado nos últimos 10
anos.
O agravamento do
estado da saúde pública
estadual vem sendo
denunciado ao longo de um
ano pelo
Circuito Mato
Grosso
, especialmente
quanto à contratação de
OSSs para assumir a gestão
de unidades hospitalares e
serviços essenciais, como é o
caso do setor de distribuição
de medicamentos de alto
custo, em que foi encontrada
grande quantidade de
remédios com prazos de
validade vencidos.
As OSSs passaram a ser
contratadas no governo Silval
Barbosa, ainda quando o
médico, empresário e
deputado federal Pedro
Henry (PP) era o titular da
Secretaria de Estado de
Saúde, como se fosse a
grande solução para reduzir
as filas de espera no SUS.
Caos pode levar gestores para a cadeia
O p r omo t o r A l e x and r e Guede s pede a j uda à
O
popu l a ç ão pa r a c r i m i na l i z a r o s r e s pon s á v e i s
Co r t e s e de s v i os de r ecu r sos na s aúde a t i ngem
d i r e t amen t e o u s uá r i o da a t enção bá s i ca e pode
de i x a r s eque l a s com a t end imen t o de f i c i en t e
D r. Ca r l o s Edua r do
S i qu e i r a , da
Un i v e r s i dad e d e
Ma s s a c h u s e t t s
Dr. J u l i o Mü l l e r con t e s t a a e conomi a de r e cu r s o s
ne s s e mode l o en t r e o pode r púb l i co e p r i vado
Ped r o Nada f, s e c r e t á r i o de E s t ado da Ca s a C i v i l ,
s ó f a l a em pun i ção pa r a o s e r v i do r púb l i co
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