CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 13 A 19 DE JUNHO DE 2013
POLÊMICA
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G
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Até religiosos desistem do Governo
Congregações religiosas que são conhecidas tradicionalmente por gerenciar instituições de saúde desistem do trabalho beneficente.
Por: Mayla Miranda. Fotos: Pedro Alves e Reprodução
SAÚDE
Sem condições de
trabalho por conta dos
atrasos dos repasses das
verbas públicas, membros
de congregações religiosas
com tradição na
administração hospitalar
abandonam a secular
missão de assistência
voluntária à saúde.
Em Diamantino,
as Irmãzinhas da Imaculada
Conceição deixaram a
gestão do Hospital São
João Batista, que atende 10
cidades da região Médio-
Norte, com mais de 200 mil
habitantes. A falta de
repasse dos últimos três
meses à instituição de saúde
já chega a R$1 milhão. Por
não ter condições de se
manter, o hospital teve as
Santa Casa faria o dobro
com mesmos recursos
Hospitais
migram
para a
iniciativa
privada
Além da
diminuição dos leitos
em 30% por conta de
uma reforma, hoje a
Santa casa de
Misericórdia só realiza
atendimentos pelo SUS
através da Central de
Regulação da Saúde.
Mais de nove
empresas particulares
também ocupam a
sede do hospital. Entre
as principais estão o
laboratório Carlos
Chagas, Clínica
Gastro Center e Ipas
Banco de Sangue,
entre outras.
O hospital, que
também mantém uma
UTI bem equipada –
comprada na época
com recursos da
Secretaria de Saúde
do Estado – divide os
atendimentos de
urgência dos 29 leitos
entre os pacientes
particulares e do SUS.
“Sem condições
de planejamento
financeiro, por conta
da irregularidade dos
repasses, a instituição
tem que tomar novos
caminhos. A tendência
hoje é atender mais
pacientes particulares”,
sintetiza o diretor,
revelando que houve
uma diminuição de
cerca de 30% nos
leitos da Santa Casa.
Copa é esperança para
construção de novo prédio
Outro hospital
conhecido por ser
tradicionalmente gerenciado
e apoiado por religiosos é a
Santa Casa de Misericórdia
de Cuiabá – fundada em
1815 – e que sofre um
processo de diminuição dos
atendimentos pelo Serviço
Único de Saúde (SUS) para
os atendimentos por
convênio ou particular.
Para o diretor-
superintendente da Santa
Casa, professor Duilio
Mayolino, os atrasos
constantes e a diminuição
nos valores pagos pelo
poder público inviabilizam o
atendimento gratuito da
população.
“Nós recebemos um
valor muito abaixo do que
as OSS (Organizações
Sociais de Saúde) e
realizamos um trabalho
muito melhor. Atendemos
pelo menos o dobro de
pacientes com a mesma
verba, mas se mesmo assim
o governo acredita que a
terceirização é a melhor
saída. Nós temos que
procurar outros métodos
para a nossa
sobrevivência”, alerta o
administrador ainda
lembrando que os repasses
do governo chegaram a
ficar mais de quatro meses
atrasados.
Todo este cenário
reflete o grande problema
nas políticas públicas de
atenção à saúde ou a falta
delas. Para o professor,
existe a impressão de que
as OSS de imediato
resolvem o problema da
população, mas não há
fiscalização das maneiras
que esses trabalhos estão
sendo realizados.
“Se você não investir no
ponto principal na área-fim
do hospital, também fica
difícil. Se não houver boas
condições de trabalho para
os profissionais, eles não
conseguem realizar os
atendimentos e se você for
depender exclusivamente do
SUS para ter estrutura, nem
irmã de caridade
permanece atendendo no
hospital”, pontua o diretor
em referência ao auxílio das
freiras que atendiam na
área de enfermagem no
hospital. As religiosas
deixaram as instituições de
saúde na Capital por falta
de condições de trabalho
na época e por conta da
idade avançada.
Para aumentar os
leitos e diminuir a
particularização da Santa
Casa De Misericórdia, a
gestão busca uma
parceria com a Secopa
(Secretaria Extraordinária
da Copa do Mundo) para
a construção da nova
sede, que ocupará todo o
terreno atrás do hospital.
O prédio, que está
previsto para ter seis
andares com 6 mil metros
de área construída,
poderá ter dois deles
prontos em 2014
trabalhando de portas
abertas para atender a
população e
principalmente os turistas
visitantes da cidade na
Copa do Mundo. Depois
de finalizado, o hospital
terá cerca de 170 leitos,
dos quais 60 de UTI e 10
preparados para a
cirurgia. Com a expansão,
a ala ocupada pelo
atendimento particular na
sede antiga será
remanejada para a nova
instalação, abrindo novas
vagas para o SUS na
Santa Casa. O custo da
obra está previsto em
R$12 milhões.
“Caso o Governo do
Estado realmente realize
esta parceira, nós
conseguiremos atender a
população que estiver na
cidade para o evento e
após ele. As negociações
ainda estão em
andamento, mas nós
estamos bastante
esperançosos que tudo
dará certo, porém ainda
não temos uma previsão
de início das obras”,
declara o professor Duilio
Mayolino. Caso a Secopa
não formalize o contrato,
toda a construção deverá
ser feita com recursos
próprios da instituição.
Neste caso, a nova ala
atenderá somente
pacientes particulares.
portas fechadas para a
população. De acordo com
a congregação, a falta de
possibilidade de melhoras
tanto de recebimento quanto
de condições de trabalho
levou à atitude radical.
“Em assembleia, as
irmãs avaliaram a história
delas aqui, as condições
humanas, a Congregação
delas decidiu pelo
encerramento das atividades.
Com muito pesar, com muita
resistência em tomar essa
decisão, mas elas não
tinham mais condições de
manter essa obra”, declarou
o administrador do hospital,
frei Tarcísio Marchiri, à
imprensa.
Esta é mais uma das
cidades que perdem
definitivamente este aporte
tão valioso: a saúde pública.
Um caso histórico é o
fechamento do Hospital
Santa Maria Bertila, em
Guiratinga (340 km de
Cuiabá). A instituição de
saúde movimentava toda a
economia do município,
abrigava 110 leitos. Com o
fechamento do hospital, ruas
inteiras foram abandonadas
por seus moradores, diversos
comércios fecharam as
portas e hoje a população
sofre com a lembrança do
então melhor hospital do
estado.
Para o construtor do
hospital e hoje proprietário
de um hotel na frente da
instituição, Arnaldo
Fernandes Figueiredo, 66
anos, ver um órgão tão
importante para toda a
população fechado e
totalmente abandonado é
muito triste e indignante.
“Eu construí este hospital
junto com meu pai na
década de 60, nós
colocamos cada tijolo que
faz esta estrutura grandiosa.
Já em 80 eu ajudei
novamente a fazer o último
pavilhão do hospital que
sozinho tem 280 metros de
área construída. E tenho a
certeza de dizer que tudo isto
foi possível por conta das
verbas arrecadas por Dom
Camilo (religioso idealizador
e financiador da instituição)”,
conta emocionado.
Ainda segundo
Arnaldo, as obras levaram
um bom tempo para ser
finalizadas já que não possui
nenhuma verba pública.
“Todo o dinheiro vinha das
obras de caridade e de
instituições internacionais
ligadas ao religioso”,
enfatiza.
Após a morte de Dom
Camilo, um segundo
arcebispo assumiu o
hospital, mas, sem tantos
contatos, não demorou para
a instituição começar a ficar
sem recursos. Mesmo
procurando o Governo do
Estado para a manutenção
do hospital que tinha uma
equipe completa de
atendimento, incluindo leitos
de semi-UTI e equipe
cirúrgica, não obteve
sucesso.
Segundo Arnaldo, o
então governador Blairo
Maggi comprou o hospital
por apenas R$700 mil.
Parte deste dinheiro foi
destinada ao pagamento
dos funcionários e o
restante nunca foi pago.
“Era uma tristeza só,
eu vi diversas vezes o
caminhão chegar aqui e
levar um monte de
equipamentos embora.
Quando o bispo vendeu,
a promessa é que
teríamos aqui no mesmo
local um hospital estadual,
depois um hospital
psiquiátrico, mas nada
disso foi feito, pelo
contrário, tudo foi sendo
sucateado. Eu ouvi dizer
que a maioria dos
equipamentos foi levada
para as comunidades
próximas às fazendas do
governador”, denuncia
Arnaldo.
A cidade, que hoje sofre
por falta de atendimento de
saúde, já que o hospital
mais próximo fica em
Rondonópolis (106 km de
Guiratinga), ainda teve cerca
de 80% das suas
microempresas fechadas por
conta da queda da
movimentação de pessoas
na cidade. Na cidade, as
oportunidades de emprego
também são escassas e os
jovens acabam migrando de
cidade.
Cerca de 200 mil pessoas vão ser prejudicadas com o fechamento do Hospital São João Batista, em Diamantino
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admi n i s t r a ç ão do s ho s p i t a i s e Gu i r a t i nga adoe c e
po r f a l t a de un i dade de s aúde
Com 198 anos de e x i s t ênc i a , a San t a Ca s a de Mi s e r i có r d i a i n s t a l ada em
Cu i abá so f r e com a f a l t a de comp r omi s so do gove r no com os r epas s e s
Pa r a o d i r e t o r s upe r i n t enden t e da San t a Ca s a ,
Du i l i o Ma y o l i no , n e nhum ho s p i t a l t em c ond i ç õe s
de sob r e v i v e r com a v e r ba de s t i nada ao SUS