CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 23 A 29 DE MAIO DE 2013
CAPA
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EDUCAÇÃO
Secretário adjunto de Educação é dono de empreiteira que atrasa reformas nas escolas. Por: Diego Fredericci. Fotos: Pedro Alves
Farra na Seduc carimba gestão do PT
Há seis anos a
empreiteira Poli Engenharia
e Comércio Ltda, que
pertence a Luiz Carlos Ióris,
vence licitações na Secretaria
de Estado de Educação
(Seduc). Detalhe: Luiz Carlos
é irmão de Antônio Carlos
Ióris, secretário adjunto da
Seduc, e sua empresa tem
sede em Juína (734 km de
Cuiabá), base eleitoral do
ex-prefeito, ex-deputado e
pela segunda vez secretário
de Educação de Mato
Grosso, Ságuas Moraes.
Num trabalho minucioso de
cruzamento de dados
publicados no Diário Oficial
do Estado e no sistema
Fiplan, o
Circuito Mato
Grosso
apurou que nesses
seis anos – mesmo período
em que Ságuas tem poderes
sobre a Seduc, a Poli
Engenharia faturou na Seduc
contratos que somam
R$19.257.689,10.
Enquanto isso, um
dossiê – documento
produzido pelos profissionais
da área em Mato Grosso –
revela mais do que uma
situação precária nas
escolas públicas. À frente da
Escola tem R$3.600 para
gastar o ano todo com reparos
Más condições de ensino
afetam autoestima da criança
A pesquisadora da
UFMT Gleyva Maria de
Oliveira elogiou o
trabalho de coleta de
informações promovido
pelos profissionais da
educação. Contudo,
ela alerta que apenas
o conhecimento desses
dados não é suficiente
para resolver os
problemas e que a
discussão precisa
Ságuas se defende
das denúncias
Questionado sobre o
conteúdo do dossiê, o
secretário Ságuas Moraes
explicou que, apesar dos
problemas estruturais
enfrentados por muitas
escolas, o governo vem
fazendo o possível para a
manutenção destes
espaços de
aprendizagem.
Segundo ele, Mato
Grosso possui 730 novas
escolas. Cada uma delas
tem, no mínimo, 30 anos
de utilidade do espaço.
Apesar de casos como a
Escola Estadual Antonio
Gatiboni, em Várzea
Grande, onde há 26 anos
não é feita nenhuma
reforma, o secretário se
defende: “Não dá para
fazer, num único governo,
todas as ações de
recuperação. Hoje, temos
apenas 80 escolas que
não foram reformadas;
dessas, 30 estão licitadas
e 10 em processo de
licitação. As outras 40
serão licitadas até o final
do ano. Temos 30 novas
escolas em licitação em
parceria com o governo
federal. Além disso,
rompemos contratos com
empresas que não
estavam cumprindo o
cronograma físico-
financeiro”.
Avaliação do dossiê deve
envolver comunidade escolar
também ser feita com
pais e alunos, de
preferência, no ambiente
escolar.
“De modo geral, as
pesquisas precisam ter
um impacto social.
Conhecer os problemas
que uma escola enfrenta
é primordial para achar
soluções. Mas esses
problemas também
precisam ser discutidos
fora dos ambientes
institucionais e
burocráticos do
Estado. Do meu ponto
de vista, uma
discussão dentro do
espaço físico da
escola, com os
demais agentes
políticos, como os
pais, alunos e
funcionários, seria o
ideal”.
Quando uma criança
chega num ambiente de
estudos e encontra uma
estrutura sucateada, isso
interfere diretamente em sua
autoestima. Essa é a opinião
de Gleyva Maria de
Oliveira, doutora do Instituto
de Educação da
Universidade Federal do
Mato Grosso (UFMT).
Ela fala que a criança
percebe as mensagens que
um ambiente degradado
emite, como a má estrutura
física. Segundo ela, quando
isso acontece no espaço
público, eles sentem que
aquele bem, sem
conservação ou condições
de uso, não pertence a
ninguém e, por isso, acham-
se no direito de possuí-lo
sem qualquer zelo ou
moderação em seu uso.
“A criança se depara
com algo em condições ruins
e pensa: ‘isso não me
pertence, então vou
esculhambar’. Não
podemos desconsiderar uma
estrutura física, pois se
alguém convive num
ambiente precário, cedo ou
tarde, ele também irá
concluir que faz parte
daquilo, minando toda a
sua autoestima. Um
ambiente ideal de ensino,
com equipamentos
conservados, passa a
mensagem de qualidade
educacional”, adverte ela.
Gleyva, que também é
diretora da Associação dos
Docentes da Universidade
Federal de Mato Grosso
(Adufmat), questiona o
discurso de que investimentos
em educação irão resolver
todos os problemas da
sociedade. “Os recursos não
podem ser totalmente
investidos em educação, pois
é injusto dizer que todos os
problemas políticos e sociais
de uma sociedade serão
resolvidos apenas com uma
educação de qualidade. O
investimento na área é
necessário, mas precisa
contemplar os outros pilares,
como saúde, moradia,
emprego etc.”, disse ela.
Engana-se quem pensa
que a situação precária das
escolas estaduais é uma
característica exclusiva do
interior do estado. A partir de
denúncias feitas por
moradores da região, o
Circuito Mato Grosso
visitou duas unidades de
Várzea Grande, na Região
Metropolitana de Cuiabá.
A primeira delas, a
Antônio Geraldo Gatiboni,
no bairro Ponte Nova, tem
muitos problemas. O
refeitório não foi instalado
adequadamente e sofre com
problemas de infiltração. O
colégio também não possui
escritura, além de a quadra
precisar de várias
adequações. Maria Adeilde
é diretora do Gatiboni.
Segundo ela, uma reforma
nunca foi realizada no
colégio, que já tem 26 anos
de existência. Ela reclama de
recursos escassos dizendo
que apenas a “prioridade
das prioridades” poder ser
contemplada, num ambiente
com tantos problemas.
“Precisamos de reparos
em tudo. No telhado, na
rede elétrica, na hidráulica
etc. A verba disponível para
pequenos reparos é de
apenas R$3.600,00. Se
pensarmos que um conserto
num bebedouro, algo
básico, chega a R$600,00,
então temos uma ideia de
como é difícil administrar este
espaço público”, lamenta
ela. A Sarita Baracat,
localizada na Cohab do
Cristo Rei, sofre com
problemas de climatização:
várias salas de aula não
possuem ar-condicionado.
Luxo à primeira vista para
algumas pessoas, Várzea
Grande registrou, em vários
momentos de 2012,
temperaturas acima dos 36
graus. Além disso, o imóvel
não é do Estado, que paga
aluguel para sua utilização.
Ana Auxiliadora
trabalha na escola há 16
anos. Hoje diretora, conhece
bem os pontos negativos e
positivos do colégio e
reconhece que, na medida
do possível, tenta fazer o
melhor pelas crianças e
adolescentes em formação,
mas lamenta a falta de
aparelhos de ar-
condicionado para deixar o
ambiente mais agradável,
como deve ser um ambiente
de estudos. “Talvez aqui o
maior problema seja mesmo
a falta de climatização das
salas. Ruim para os alunos e
também para os
professores”, afirma ela.
Secretaria de Educação de
Mato Grosso, Ságuas
Moraes parece não fazer jus
ao histórico do Partido dos
Trabalhadores (PT),
agremiação conhecida por
ter sua origem nas lutas
sociais, no ABC Paulista.
O documento, que
revela em detalhes a
situação de mais de 140
escolas, de norte a sul do
estado, tem em sua maioria
denúncias de problemas
relacionados a estrutura,
como instalações elétricas e
hidráulicas em más
condições, a ineficiente – ou
inexistente – climatização dos
ambientes, problemas de
pessoal, do corpo
administrativo ao docente,
entre outros. E no conforto
de seus gabinetes, Ságuas e
seus assessores de extrema
confiança blindam a gestão
já reprovada pelo Tribunal
de Contas do Estado:
Antônio Ióris, adjunto, Rosa
Neide Sandes de Almeida,
assessora especial, e Núccia
Maria Gomes Almeida
Santos. Por falta de recursos,
ou de vontade política, o
fato é que as famílias das
crianças e dos adolescentes,
que dependem do ensino
público, sofrem ao deixar
seus filhos e parentes em
condições insalubres de
estudo, aprendizagem e
convivência com colegas,
professores e funcionários. E
as situações mais graves
encontram-se no interior,
onde os recursos parecem
ser ainda mais escassos.
Com pouco mais de
8.800 habitantes, Ribeirão
Cascalheira é uma típica
cidade pequena, no
nordeste de Mato Grosso. A
baixa densidade
demográfica supõe um nível
menor de dificuldade na
administração de problemas,
coisa que, em municípios
maiores, demandaria muito
mais tempo e recursos, além
da vontade dos agentes
políticos envolvidos.
Expectativa que não se
confirma ao nos depararmos
com a realidade da escola
Coronel Ondino Rodrigues
Lima. Com mais de mil
alunos, a instituição tem
problemas estruturais graves,
como a falta de telhado na
parte administrativa e em
salas de aula. Segundo um
relatório interno da escola,
uma ampla reforma havia
sido prometida para março
de 2013, o que não
aconteceu. Em declarações
ao
Circuito Mato Grosso
,
Ságuas tem afirmado que as
melhorias propostas pelo
dossiê ou já estão sendo
realizadas, ou, pelo menos,
têm previsão para sair do
papel até o fim de 2014,
período eleitoral e último
ano da gestão do
governador Silval Barbosa.
O otimismo do atual
secretário de Educação, no
entanto, não parece
compartilhado pelo Tribunal
de Contas do Estado. O
órgão, que tem a
competência constitucional
de fiscalizar os gastos do
governo, rejeitou as contas
da Seduc do ano de 2011.
E os educadores de
Mato Grosso não são os
únicos descontentes com a
atuação do secretário.
Ságuas também é vítima de
fogo amigo, dentro do PT,
tendo em vista que
parlamentares do partido
defendem a saída da base
de sustentação do governo,
e a consequente queda do
titular da Seduc.
Entre os motivos
alegados está a má
administração de algumas
áreas, realizada pelo
governo de Silval Barbosa,
dentre elas a saúde e a
educação.
Algumas escolas se transformaram
em escombros à espera de reformas
Nem salas de aula nem quadras de esportes
em condições dignas de uso
Os cerca de 2 mil aparelhos de ar-condicionado
comprados pela Seduc ainda parados
Crianças brincam nos corredores tomados
pela água suja dos esgotos
Secretário Ságuas Moraes se perpetua na Seduc
mesmo com gestão reprovada pelo TCE