CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ,
4 A 10 DE SETEMBRO
DE 2014
POLÊMICA
P
G
7
ENFIM!
Arcaico, Lar da Criança será fechado
Instituição está sendo investigada por denúncias de maus-tratos, violação dos direitos da criança e inclusive morte
Beatriz Saturnino
Sandra Carvalho
Agora é definitivo: o
Lar da Criança será
fechado. O processo já
está em andamento para
que este modelo arcaico,
do século XIX, praticado
na instituição mantida
pela Secretaria de Estado
e Assistência Social
(Setas) seja abolido. A
confirmação partiu da
própria Setas e também
da Promotoria da Infância
e da Juventude.
O fechamento ocorre
após uma série de
denúncias que incluem
maus-tratos aos internos
– que são crianças até 12
anos vítimas de violência
doméstica ou abandono –,
superlotação, servidores
ou contratados não
capacitados para acolher
e cuidar de um público
com este perfil e
inclusive a morte de um
interno que está sendo
investigada em inquérito
policial.
A reportagem do
Circuito Mato Grosso
investiga o caso do Lar
da Criança há mais de um
ano, a partir do
depoimento de
O Grupo de Apoio
Especial contra o Crime
Organizado (Gaeco), do
MPE, também está
investigando contratos
milionários feitos com
dispensa de licitação pela
Setas para contratação de
mão de obra para o Lar da
Criança e também para
cursos e outros serviços.
Tudo isso durante a
gestão da primeira-dama
Roseli Barbosa na Setas.
A chamada ‘Operação
Arqueiro’ deflagrada pelo
Gaeco no dia 29 de abril
deixou totalmente
fragilizada a gestão da
primeira dama Roseli
Barbosa à frente da Setas.
As investigações
começaram em abril de
2013, quando uma
empresa contratada com
dispensa de licitação pela
Setas produziu apostilas
com erros grotescos
destinadas à capacitação
de alunos em cursos de
hotelaria e turismo. O
MPE também passou a
investigar a contratação
da empresa Seligel para o
fornecimento de mão de
obra destinada ao Lar da
Criança.
No total, de acordo
com o Sistema Integrado
de Planejamento,
Contabilidade e Finanças
(Fiplan) do Estado, essas
quatro empresas
contratadas com dispensa
de licitação já
conseguiram arrecadar do
Governo do Estado, desde
a posse do governador
Silval Barbosa e da
primeira-dama Roseli
Barbosa, mais de R$ 80
milhões.
Em 2013 a primeira-
dama Roseli Barbosa
tentou comprar 100 mil
enxovais com a
logomarca do governo
Silval Barbosa na
embalagem pelo valor de
R$ 10 milhões. O pregão
com dispensa de licitação
foi denunciado pelo
Circuito Mato Grosso
e
acabou sendo cancelado.
Também em 2013 a então
secretária da Setas iria
adquirir 100 mil colchões.
O edital foi cancelado
com suspeita de
direcionamento.
Gaeco investiga dispensas de licitação
Após denúncias, Cuiabá
ganhará uma Casa-Lar
Diante da série de
denúncias envolvendo o
Lar da Criança, a
Promotoria da Infância e
da Juventude
determinou que a
Prefeitura de Cuiabá
construísse em seis
meses pelo menos uma
Casa-Lar na Capital para
abrigar crianças vítimas
de abandono e violência
doméstica.
A inauguração da
“Casa da Criança
Cuiabana”, que a
princípio atenderá 20
delas, com a intenção
futura de permanecer
com apenas 10, deve ser
entregue no dia 12 de
outubro. O prédio está
localizado na Avenida
das Torres e deverá
contar com psicólogos,
cuidadores, assistentes
sociais e equipe de
apoio. Segundo o
promotor da Infância e
Juventude de Cuiabá,
José Antônio Borges
Pereira, o município
necessita de pelo
menos mais cinco
unidades.
“Elas não ficarão
presas. Terão que ir à
escola pública, no
posto de saúde, à
igreja, com toda uma
dinâmica de uma
criança que vive na
comunidade. Mercado
elas não vão, mas
poderão ir ao Centro
Comunitário e em
alguma festividade do
bairro”, informa o
promotor.
Ou seja, os
assistidos serão
socializados em
espaços de lazer
comunitários, conforme
determinações do
gerente da casa, que é
o guardião, e este não
terá que pedir
autorização ao juiz para
gerir o lugar de
acolhimento e suas
determinações.
O Lar da Criança
também já foi alvo de um
relatório feito por
profissionais que
trabalharam na
instituição e entregue às
autoridades competentes.
A denúncia apontou
violação de direitos
dessas crianças
acolhidas no Lar no que
tange a infraestrutura
física e espaços
privados, e preservação
e fortalecimento da
convivência comunitária.
O documento revela
que a instituição não
dispõe de espaços
individualizados. O
espaço físico está
distante do modelo de
“residência” e mais se
assemelha à estrutura de
um “orfanato”, com
prevalência de espaços
físicos coletivos:
refeitórios grandes,
Lar viola direitos das crianças acolhidas
quartos que acomodam
de 10 a 40 crianças,
banheiros coletivos,
quadra.
As crianças não
dispõem de armários
individuais, cabendo à
equipe técnica o
armazenamento dos
pertences de cada um.
Tudo é coletivo: roupas,
sapatos e até mesmo o
copo para tomar água.
Como não há armários
individuais, as
vestimentas ficam na
rouparia. Não há
possibilidade de escolher
roupa para vestir.
Por outro lado, o
documento relata que os
internos de até 4 anos
não saem da instituição a
não ser por uma
necessidade específica
de atendimento de saúde,
vacinação ou eventuais
passeios prioritariamente
em datas festivas.
Tudo isso estaria
inviabilizando uma
atenção adequada à
criança e conduzindo a
graves violações de
direitos, o que vem
ocorrendo com
frequência: violência
física, psicológica e
simbólica entre
cuidadores e crianças.
Esses aspectos, se
vivenciados por longos
períodos, de acordo com
a denúncia, representam
não apenas uma violação
de direitos mas deixam
marcas irreversíveis na
vida dessas crianças.
servidores, conselheiros
tutelares, documentos,
boletins de ocorrências e
confronto entre
publicações oficiais de
contratos feitos pela Setas
com dispensa de licitação
no Diário Oficial de Mato
Grosso. A sequência de
denúncias e fatos trouxe a
Cuiabá no dia 4 de agosto
uma equipe do Conselho
Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente
(Conanda), de Brasília,
para uma visita técnica no
Lar da Criança, que já foi
comparado a uma prisão
pela presidente da
Comissão de Direitos
Humanos da Ordem dos
Advogados do Brasil, em
Mato Grosso (OAB-MT),
Betsey Polistchuk de
Miranda.
“Quadras de esporte,
salas recreativas e demais
formas de lazer em lugar
confinado com grades não
substituem o ambiente e a
estrutura familiar”,
afirmou Betsey Miranda,
para quem uma criança
vítima de abandono ou
violência doméstica
precisa é de um lar, uma
figura materna ou
paterna, ou de ambos.
Desta forma, a
advogada é a favor de que
esses pequenos sejam
alojados em “casas-lares”,
em fase embrionária na
capital. Ou seja, um lugar
com a presença de uma
figura materna, pequeno
número de internos, com
vizinhança, que tenha
direito a escola, não
sendo dentro da unidade,
e possam circular na rua
no dia a dia.
“Eu sei que para
crescer bem você tem que
se sociabilizar. E o fato
de confinar por períodos
muito longos, quem quer
que seja, fere a qualquer
coisa, pois um adulto,
tudo bem, ele sabe que
errou, mas uma criança
não tem noção. No Lar da
Criança há bebês,
crianças de 3, 4 anos e é
extremamente cruel, pois
o desamor gera desamor.
É como se estivessem da
mesma maneira em
lugares socioeducativos.
Não são lugares
adequados. Há muito
tempo deveriam ter
descoberto uma maneira
para que isso não
ocorresse”, frisou a
representante dos Direitos
Humanos em Mato
Grosso.
O Lar da Criança, palco de inúmeras denúncias, é mantido pela
Secretaria de Estado de Trabalho e Assistência Social
Membros no Conanda vieram de Brasília exclusivamente
para vistoriar as condições da instituição
Menores usam as mesmas roupas e raramente saem do Lar
da Criança para atividades recreativas e de lazer
Contratos com dispensa de licitação feitos pela
Setas estão sendo alvo do Ministério Público