CIRCUITOMATOGROSSO
POLÊMICA
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CUIABÁ, 3 A 9 DE ABRIL DE 2014
EDUCAÇÃO
“Dossiê” ignorado por autoridades
Estudo de 270 páginas revelou a situação caótica de centenas de escolas públicas estaduais e péssimas condições de trabalho
Diego Frederici
Divulgado em
primeira mão pelo
Circuito MT
em maio de
2013
,
o dossiê da
educação no Estado de
Mato Grosso, estudo de
270 páginas produzido
pelos profissionais da
área e entregue às
autoridades, ajudou a
demonstrar a
precariedade do sistema
público educacional,
porém não foi suficiente
para mobilizar órgãos
públicos na resolução da
falta de estrutura física e
de recursos humanos.
Muitas escolas
continuam em condições
de extrema precariedade,
prejudicando fatalmente
o processo de ensino-
aprendizagem. O setor
encontra-se sob a gestão
do Partido dos
Trabalhadores há
praticamente 12 anos.
De acordo o
presidente do Sintep-
MT, Henrique Lopes do
Docentes também
são prejudicados
Ronnie Siqueira é
professor de língua
portuguesa há quase dez
anos e teve sua primeira
experiência na rede
pública de ensino numa
das escolas estaduais que
é modelo de referência
para outras instituições, a
E.E. Presidente Médici.
Ele afirma que lá são
oferecidos recursos
razoáveis de estrutura e
projetos pedagógicos aos
alunos, mas reconhece
que na periferia, ou nos
bairros, os estudantes se
encontram em situação
mais desfavorável do que
aquelas observadas nos
colégios centrais.
“Tenho colegas que
são professores e eles me
dizem que têm a mesma
capacidade que nós
temos. Porém, nas
escolas de bairro, temos
uma gama maior de
alunos que estão em
situação de
vulnerabilidade, como
abusos, uso de drogas e
álcool e outros
problemas”, aponta.
Alunos de bairros são mais vulneráveis
Mato Grosso é uma
unidade federativa que
conta hoje com pouco
mais de 3 milhões de
habitantes, de acordo com
o Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística
(IBGE). Desse total, mais
de 761 mil pessoas estão
em idade escolar, entre 4
e 17 anos. O universo
desses estudantes, no
entanto, é bem díspar, e a
realidade de cada um
deles muda sensivelmente
segundo sua origem e
classe social. Mas é na
periferira que
encontramos os jovens
em situação de maior
vulnerabilidade.
Vanessa dos Santos
Albuquerque frequenta a
Escola Estadual
Presidente Médici, em
Cuiabá. A jovem cursa o
terceiro ano do ensino
médio e sonha alto: quer
se formar engenheira pela
Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT), a
melhor instituição de
ensino superior do
Estado. Ela se diz
satisfeita com os recursos
que a escola que
frequenta dispõe. Mas
nem sempre foi assim.
Vanessa estudava na
Escola Estadual Prof.
Rafael Rueda, no bairro
Pedra 90, na perifeira da
capital, e aponta algumas
diferenças entre as duas
instituições.
“Algumas disciplinas
não tinham professores e
a falta deles era comum.
Hoje vejo a diferença
entre essas duas escolas.
Lá não aprendia quase
nada que eles passavam
na lousa”, diz a
adolescente.
Um estudo publicado
pela Universidade
Estadual de Campinas
(Unicamp) revela que um
dos grandes problemas
sentidos pelos
professores das escolas
das periferias dos centros
urbanos está justamente
em sua formação, que não
os prepara para os alunos
que irão encontrar nesses
locais, reflexo da
segregação social que há
entre as pessoas que
residem no centro e no
seu entorno e nos bairros
mais afastados.
Adriana Silva
Rodrigues, outra
estudante do ensino
médio da Escola Estadual
Presidente Médici,
também afirma que o
nível do colégio e dos
professores é “melhor do
que na outra escola”,
segundo ela, que
frequentou boa parte da
sua vida estudantil na
Escola Municipal de
Educação Básica
Floriano Bocheneki, no
Parque Atalaia, na
capital. Entretanto, ela
também não deixa de
apontar alguns
problemas que encontra
hoje.
“O ensino aqui é
melhor, mas ainda não
temos alguns professores,
então pelo menos agora
no início não temos
algumas aulas”, diz.
Professores estão a cada dia mais doentes
Investir na educação,
comprovadamente, é um
dos caminhos mais sólidos
para que nações consigam
prestar bons serviços
públicos, alémde garantir
melhor qualidade de vida
às pessoas. Um ensino de
alto nível faz cair a
criminalidade, ao passo
que promove melhor
distribuição de renda, ou
seja, diminui a distância
entre ricos e pobres. Parte
do elo dessa corrente, os
professores de Mato
Grosso pedem ajuda,
tendo em vista que metade
deles temalguma doença
relacionada ao trabalho, de
acordo com o Sindicato dos
Trabalhadores no Ensino
Público deMato Grosso
(Sintep-MT).
Henrique Lopes do
Nascimento, presidente da
entidade, relata que os
professores do Estado estão
submetidos a condições
insalubres de trabalho. Ele
aponta que o principal
problema para os
profissionais reside nas
múltiplas jornadas de
trabalho. Alguns deles,
afirma Henrique, têm três
empregos distintos, em
diferentes instituições,
fazendo com que trabalhem
até 80 horas por semana.
Desvalorização da carreira e
vencimentos pífios também
estariam entre os motivos
das enfermidades que
acometem os servidores.
“Os professores estão
expostos a condições
insalubres de trabalho.
Alguns deles atuam 80 horas
por semana, sem contar os
vencimentos que estão
defasados. Esses fatores
fazem com que metade dos
servidores, mais de 49%,
tenhamalgumproblema de
saúde relacionado a sua
atuação”, diz.
Dados do movimento da
sociedade civil Todos pela
Educação – instituição
apartidária que congrega
vários setores da sociedade e
tem como objetivo promover
a melhoria sistêmica da
educação no país – apontam
que apesar de Mato Grosso
prover uma cobertura
razoável no ensino
fundamental (98,5%dos
estudantes de 6 a 14 anos
estão na escola), seu
desempenho continuamuito
abaixo do esperado: apenas
12,8% dos alunos do 8º e do
9º ano tiveram resultados
satisfatórios emmatemática,
segundo o Instituto.
Outro dado que
preocupa e que se reflete
diretamente namotivação e
desempenho dos estudantes
é o deficit de professores no
Estado. Segundo o
presidente do Sintep, há hoje
uma carência de 908
docentes na rede estadual.
Alémda desvalorização da
carreira e problemas
encontrados no dia a dia do
trabalho, Henrique Lopes
aponta o alto índice de
contratos temporários, fator
que aumenta a rotatividade
dos profissionais,
prejudicando o projeto
pedagógico dessas
instituições.
TEMPORÁRIOS
“Um estudo do
Tribunal de Contas da
União aponta que 64,8%
dos professores emMato
Grosso são temporários.
Se eles são admitidos em
concursos municipais ou
mesmo de outros
Estados, pela estabilidade,
eles não pensam duas
vezes em rescindir os
contratos, prejudicando
assim o projeto
pedagógico proposto”,
afirma.
Nascimento, que em
seguida divulgou o
documento na Praça
Alencastro, centro de
Cuiabá, se houve
mudanças, elas foram
“muito pontuais”.
Ele afirma que levou
as denúncias a diferentes
órgãos e autoridades
públicas, como
Tribunal de Contas do
Estado, Ministério
Público Estadual,
Assembleia Legislativa
e outros. No entanto,
ele lamenta que, a
despeito da importância
de expor problemas já
conhecidos que as
escolas públicas
enfrentam, os resultados
ficaram abaixo do
esperado.
O sindicalista afirma
ainda que os recursos
destinados à educação são
utilizados em outras áreas
do Estado, e que a
estrutura do ensino em
Mato Grosso vai além dos
recursos físicos
disponíveis – coisa que,
em sua opinião, teve pouca
repercussão na sociedade.
“Não se percebeu
nenhum movimento no
sentido de aumentar as
receitas para a educação,
a relação de
transparência nos gastos
e o fato de tirar dinheiro
da área para os
aposentados. Vemos
algumas situações bem
pontuais, mas elas não
foram suficientes para
mudar o quadro”.
Questionado esta
semana se o Sintep-MT
pretende fazer outro
dossiê, o líder sindical
responde que “sim” e o
que o novo levantamento
está em fase de
“elaboração”.
“Este dossiê mostra
a realidade das escolas
públicas no nosso
Estado, revelando como
nosso trabalho é
desvalorizado, diferente
da propaganda
institucional. Em
Ribeirão Cascalheira, por
exemplo, o teto desabou
em 2011 e até agora não
consertaram”, completa.
Fotos: Mary Juruna
Dossiê da educação, que expunha a falta de estrutura das escolas estaduais, não foi levado a
sério por autoridades. Na foto o Caic do Jardim Eldorado, em Cuiabá
Henrique Lopes do
Nascimento, presidente do
Sintep-MT, afirma que não
houve aumento de receitas
ou melhoria na
transparência de gastos na
educação
Alunos de instituições do centro da capital, como a Escola Estadual
Presidente Médici, têm mais recursos de aprendizagem
Ronnie Siqueira, professor de Língua Portuguesa há mais
de dez anos, afirma que nos bairros a incidência de alunos
em situação de vulnerabilidade é maior