EDIÇÃO IMPRESSA - 466 - page 6

CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 14 A 20 DE NOVEMBRO DE 2013
POLÊMICA
P
G
6
SUIÁ-MISSÚ
Revolta, devastação e tragédias...
Quase um ano após a desintrusão, o Governo ainda não abrigou agricultores que agora vivem situação de miséria no Araguaia.
Por Camila Ribeiro. Fotos: Mary Juruna e Reprodução
Passados onze meses
desde que o Ministério da
Justiça determinou a
desocupação da Gleba
Suiá-Missú, na região do
Araguaia, produtores rurais
continuam sem um lar e
sem vislumbrar uma ação
do Governo Federal ou
Estadual no sentido de
providenciar habitação ou
a inclusão das famílias em
programas de
assentamento. São milhares
de pessoas que em
dezembro do ano passado
foram retiradas de uma
área considerada terra
indígena Xavante e hoje
vivem situação de extrema
miséria e desprovidos de
“A inoperância do
Governo Federal obriga
outros poderes a procurar
soluções para amenizar o
sofrimento destas famílias,
mas infelizmente, sozinhos,
os municípios não têm
condições financeiras de
bancar esse custo social”,
alega Sebastião Prado.
O presidente da
Associação diz que
munícipes, prefeitos de
cidades do Araguaia e
pequenos empresários
locais fazem o que podem
para ajudar os produtores
que perderam seus bens e
foram colocados nas ruas
“Estes produtores foram
transformados em
indigentes sociais, sem
direito sequer a bolsa
alimentação do governo.
As pessoas acabam
realizando festas, as
prefeituras entregam
cestas básicas, enfim,
medidas que são tomadas
para tentar ajudar os
produtores rurais”.
O prefeito Leuzipe
Gonçalves alega,
contudo, que muitos
chegam a chorar,
Municípios tentam estancar
miséria
envergonhados com a
situação de dependência
à qual foram submetidos.
“Quando vamos, por
exemplo, entregar cestas
básicas, as pessoas
choram de vergonha,
porque eram pessoas que
não precisavam, que
tinham um assentamento
modelo, uma vida
independente e hoje
precisam de todo tipo de
ajuda”.
E Sebastião Prado
completa: “É uma
vergonha um país onde o
slogan do Governo é
“País rico é país sem
pobreza”, um povo
próspero – que eram os
produtores de Suiá-Missú
– ter sido transformado em
indigente”, completa.
Este é o desabafo de
João Antonio Costa, que
aos 64 anos de idade,
olhos marejados e a voz
embargada, relatou à
reportagem o sofrimento
que tem vivido desde que
sua propriedade rural lhe
“Antes eu tinha minha terra;
hoje sou um sem-teto”
foi “tirada das mãos”.
O produtor conta que
chegou à região
conhecida como Posto da
Mata ainda adolescente,
quando tinha 14 anos. De
lá pra cá trabalhou,
comprou uma área onde
criava vacas leiteiras e
garantia o sustento da
família. “Naquele
pedacinho de terra eu
constituí família, estava
criando meus netos e tudo
isso me foi arrancado”,
afirma João.
Ele lamenta o
processo de desintrusão e
relata que depois do
ocorrido chegou a morar
com a família em um
barracão de lona. Hoje
ele e a família moram em
uma casa cujo aluguel é
pago com o que João
recebe como ajudante de
pedreiro. Com a saúde
debilitada, mas sem
alternativa, este foi o jeito
que o produtor encontrou
para conseguir alimentar a
família.
“É uma covardia e
uma falta de sensibilidade
o que fizeram com a
gente. Tinha teto para
morar e hoje sou um sem-
terra. Sempre achei que
trabalharia quando novo
para aproveitar a velhice,
mas infelizmente não é
isso o que está
acontecendo”, lamentou.
L e u z i p e
Gon ç a l v e s d i z
qu e f am í l i a s
c on t am c om
apo i o da
popu l a ç ão do
A r agua i a pa r a
c o n t i n u a r
s o b r e v i v e n d o
O p r odu t o r João Cos t a d i z que pe r deu s ua
p r op r i edade r u r a l e ho j e t r aba l ha como
s e r v en t e pa r a ga r an t i r o s u s t en t o
Desestrutura familiar e 25 mortes após expulsão
O aumento no
número de homicídios e
também dos casos de
suicídios na região é
mais uma das
consequências deste
processo que violou os
direitos humanos, fato
inclusive reconhecido
pelo Governo Federal,
por meio da Ouvidoria
Nacional dos Direitos
Humanos, que é
subordinada à
Secretaria de Direitos
Humanos da
Presidência da
República.
qualquer assistência por
parte dos entes públicos.
Uma área de 165 mil
hectares, que antes do
processo de desintrusão era
sinônimo de produtividade,
agora é um cenário de
abandono. Ainda podem
ser encontrados na região
vestígios do que eram
casas, escolas,
propriedades rurais,
comércios, entre outras
tantas construções que
foram “varridas” do
território demarcado como
reserva indígena
Maraiwatsede.
A área abandonada e
que está sendo vigiada
pela Força Nacional e pela
Polícia Federal já foi
responsável, inclusive, por
73% da produção agrícola
do município de Alto Boa
Vista (1.109 km de
Cuiabá). “Perdemos 72%
de nossa área”, relata o
prefeito Leuzipe Domingues
Gonçalves (PMDB), ao
lembrar que a região era
detentora de um alto
potencial agrícola e
pecuário.
À reportagem do
Circuito Mato Grosso,
Gonçalves alegou que boa
parte dos produtores que
perderam suas terras no
processo de desintrusão foi
para os municípios do
Araguaia que não
possuíam estrutura
adequada para receber o
alto número de
‘desabrigados’. Como
consequência deste ato,
que ele classifica como
equivocado, o prefeito
ressalta que especialmente
as áreas da saúde e
educação ficaram
sobrecarregadas,
aumentando ainda mais o
drama vivido por essas
famílias. “As crianças foram
amontoadas em escolas, e
as unidades estão
‘entupidas’ de gente. A
cidade não suportou a
demanda”, afirmou
Gonçalves.
O prefeito diz que a
região de onde os
produtores rurais foram
retirados “parece ter sido
atingida por um tsunami.
Demoliram tudo e o povo
está aguardando uma
solução”. Gonçalves
lembra que a comunidade
era sede, por exemplo, de
um laticínio que gerava R$
120 mil mensais de Imposto
Sobre Serviço (ISS) para o
município e que atualmente
encontra-se desativado.
“Um laticínio que
processava 140 mil litros
leite por dia, uma
beneficiadora de arroz que
beneficiava 10 mil sacos/
mês. Tudo isso sumiu num
passe de mágica”,
lamenta.
Além das empresas
instaladas, Suiá-Missú
ainda contava com 89
comércios regularizados,
com inscrição estadual e
que contribuíam para
geração de renda e
emprego à comunidade.
“Grande parcela dos
produtores hoje não tem
emprego, muito menos
renda. Se fôssemos nós
(Prefeitura) que deixasse o
pessoal daquele jeito,
imediatamente seríamos
denunciados pelo Ministério
Público, Ministério do
Trabalho. Acontece que o
Governo Federal fez o que
fez e nada acontece”,
lamenta o prefeito de Alto
Boa Vista. Os prejuízos
econômicos para a região
do Araguaia, segundo
relato do prefeito Leuzipe,
são incalculáveis. “As terras
ficaram desvalorizadas,
tínhamos 300 mil cabeças
de gado, éramos um polo
produtor de soja. Tudo foi
destruído, grande parte do
gado vendido a preço de
banana, naquela época
apareceu aproveitador de
tudo que é lado. Muitos
produtores venderam e não
receberam. O prejuízo foi
tremendo, 21 municípios
afetados. O Baixo
Araguaia perdeu, o Brasil
perdeu”.
Já foram registradas
pelo menos 25 mortes em
decorrência de depressão,
alcoolismo ou assassinatos
após a desintrusão das
famílias da gleba Suiá-
Missú. “Temos casos de
pessoas cometendo
suicídio, ou que mataram
uns aos outros, por não
suportar a situação em
que estão vivendo”,
admite o presidente da
Associação dos Produtores
de Suiá-Missù (Aprossum),
Sebastião Prado.
No mês passado, por
exemplo, um senhor de 68
anos de idade, conhecido
como ‘Boquinha’, faleceu
em decorrência de um
ataque cardíaco, instantes
após passar pela região
do Posto da Mata, onde
ele tinha duas
propriedades rurais, que
foram destruídas na ação
de desintrusão
comandada pela Força
Nacional de Segurança.
Existem relatos ainda
dando conta de que ao
menos oito suicídios – a
maioria por enforcamento
– ocorreram após a
desocupação de Suiá-
Missú. O presidente da
Aprossum conta, ainda,
que é preocupante não
somente o número de
óbitos registrados nos
municípios afetados com a
desintrusão como também
os relatos de
desestabilização das
famílias. “Há casos de
marido e mulher se
separando, pais de
família abandonando
suas casas, famílias
completamente
desestruturadas por conta
deste drama que estão
vivenciando”.
De s amp a r a d a ,
popu l a ç ão qu e
v i v i a na G l e ba
S u i á - M i s s ú
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do Go v e r no
F e d e r a l
Re t r a t o é de abandono ; r e s t os de casas e
con s t r u çõe s a i nda s ão en con t r ado s na á r ea
S e b a s t i ão
P r ado c on t a
qu e f am í l i a s
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desestruturadas
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