CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 17 A 23 DE OUTUBRO DE 2013
CAPA
P
G
8
Há categorias com 70% dos servidores devendo para financeiras, pagando juros altíssimos e parcelas a perder de vista.
Por: Diego Frederici. Fotos: Mary Juruna
CONSIGNADOS
Servidores estão atolados em dívidas
O empréstimo
consignado – modalidade
de crédito em que o
pagamento da dívida ocorre
compulsoriamente na folha
de pagamento do
trabalhador – é uma prática
que, à primeira vista, pode
ser vista como vantagem,
sobretudo ao servidor
público, uma vez que as
O que seria facilidade transformou-se em pesadelo
Nas palavras do
presidente do Sindicato
dos Trabalhadores da
Assistência Técnica,
Extensão Rural e
Pesquisa Pública de
Mato Grosso (Sinterp),
Gilmar Brunetto, a luta
contra o abuso dos
créditos consignados é
uma bandeira antiga
dos sindicatos. Citando
o exemplo da Empresa
Mato-grossense de
Pesquisa, Assistência e
Extensão Rural (Empaer)–
onde, segundo ele, dos
519 funcionários, 433 têm
empréstimos descontados
em folha –, o sindicalista
afirma que o recurso que
poderia aliviar a situação
financeira das pessoas se
transformou num
pesadelo.
“Logo que o
secretário de
Administração, Francisco
Faiad, tomou posse,
temos tentado negociar a
taxa de juros, que na
época era muito alta para
os padrões de crédito
consignado, tendo em
vista que ultrapassa os
4,5%. Hoje, dos 519
funcionários da Empaer,
433 têm desconto na
folha de pagamento. O
que seria uma facilidade
para essas pessoas se
tornou um pesadelo”, diz
ele. Na opinião de
Brunetto, o governo
também facilitou esse
endividamento, pois juros
altos, aliados a “salários
defasados”, criaram uma
situação que pressionou os
servidores, à revelia da
administração pública. Ele
diz também que os
compromissos financeiros
e sociais das famílias
estão obrigando-as a
tomar medidas drásticas,
como a opção de se
conseguir dinheiro de
maneira ilícita, colocando
a própria vida dos
dependentes e familiares
em risco, e os
aposentados e
pensionistas também
sofrem com a situação.
“Os baixos salários
dos servidores, com a
facilidade de crédito,
culminaram com uma
situação na qual os
colaboradores veem
sua renda
comprometida. E o
governo não se atentou
a isso, permitindo esse
comprometimento. E
nem mesmo os
aposentados e
pensionistas escapam
da situação, pois 70%
dos ativos e inativos
têm empréstimos
consignados”, afirma
ele.
Sem poder de compra,
professores se endividam
Professora há mais de
30 anos da rede pública
estadual, Maria do
Carmo da Silva é uma
típica servidora que faz
empréstimos para cobrir
despesas no final do mês.
Tem empréstimos
consignados em três
bancos mais um Contrato
de Abertura de Crédito
Rotativo (CDC)
Automático, também
descontado diretamente
na folha de pagamento.
“Precisei fazer esses
empréstimos por
necessidade porque meu
salário não dava para
cobrir minhas despesas”,
explicou Maria do
Carmo. Empréstimos que
ultrapassam o limite
regulamentado por lei é
uma constante entre os
servidores públicos
estaduais, com anuência
da Secretaria de Estado
de Administração (SAD),
que faz os descontos sem
alertar o servidor. Nessa
situação está a professora
Maria do Espírito Santo,
que recorreu a um
empréstimo consignado,
cuja prestação ultrapassa
50% do seu salário: “É um
mal necessário. Precisei
contrair o empréstimo que
amenizou
momentaneamente, agora
Poder público expõe dados
sigilosos de servidores
Dados pessoais, da
esfera particular dos
servidores, são utilizados
por instituições financeiras
conveniadas com o poder
público para vender
empréstimos aos
servidores, muitas vezes,
de maneira insistente,
“forçando a barra”. É o
que diz o conselheiro do
Conselho Regional de
Economia de Mato Grosso
(Corecon-MT), Edisantos
Santana Amorin, em
entrevista ao
Circuito
Mato Grosso
.
De acordo com
Amorim, o empréstimo
consignado é uma
modalidade relativamente
nova no mercado
financeiro, que só ganhou
destaque nos últimos dez
anos no país e que hoje
possui um aporte maior
do que empréstimos
convencionais para
pessoas físicas, pois, só
em 2013, tem uma
previsão de
movimentação de
recursos da ordem de R$
160 bilhões, em todo o
Brasil. Ele critica, no
entanto, o acesso
privilegiado à informação
que o poder público
oferece a empresas
conveniadas.
“O empréstimo
estou passando aperto
para pagá-lo”.
Henrique Alves,
presidente do Sindicato
dos Trabalhadores no
Ensino Público (Sintep),
reconhece que a maioria
da classe recorre aos
empréstimos bancários:
“O salário, muitas vezes,
não dá para cobrir as
despesas e o professor
acaba comprometendo
parte da renda para fazer
frente a esses
empréstimos”.
O presidente explica
que as facilidades para
adquirir bens de consumo
também fazem parte do
universo dos professores,
pois muitos têm carro
financiado por um
período muito longo,
prestação alta e sem
alteração salarial, fazendo
com que passem
‘apertado’ durante o mês.
(Co l aborou R i t a
An i ba l ) .
consignado é destinado a
pessoas físicas, e hoje é a
principal modalidade de
crédito para esse
segmento da população,
com previsão de
crescimento de 38% em
2013, alcançando um
aporte de R$ 160 bilhões.
Vejo com preocupação,
no entanto, a troca de
informações entre
instituições financeiras e o
poder público. Qualquer
banco que tenha convênio
com o Estado tem acesso
a dados sigilosos de
servidores e clientes. Essas
empresas usam esse
recurso para forçar a
barra, na hora de vender
um produto”, diz ele.
taxas de juros são menores
do que aquelas praticadas
no mercado. Porém, eles
podem representar um
perigo para as finanças de
uma família, e os sindicatos
que organizam a classe de
trabalhadores públicos, em
Mato Grosso, estão
preocupados com a
situação.
Para o diretor financeiro
do Sindicato dos Servidores
do Departamento Estadual
de Trânsito do Estado de
Mato Grosso (Sinetran-MT),
Leandro Brito, o próprio
governo incentiva a prática
do empréstimo consignado,
levando ao endividamento,
pois, segundo ele, a
Secretaria de Administração
(SAD), por meio da gerência
de consignação, permite
créditos que ultrapassam o
limite fixado pelo governo,
que é de 30% do salário.
“A própria Agência de
Fomento do Estado de Mato
Grosso [MT Fomento], entre
seus serviços, oferece a
possibilidade de
empréstimos consignados.
Então o próprio governo dá
essa possibilidade aos
servidores. Além disso,
percebemos que o limite
estabelecido pela
administração, de desconto
no salário de no máximo
30%, não é respeitado.
Temos vários casos aqui no
Detran de colaboradores
que ultrapassam a margem
de 50%. Um deles, inclusive,
tem todo seu salário
consumido por essas
dívidas”, afirma ele.
De acordo com o
Decreto Estadual nº 1306,
de 28 de abril de 2008, as
consignações não podem
ultrapassar 30% do salário
do colaborador, salvo se
utilizadas para financiamento
habitacional ou aquelas
realizadas pelas instituições
de ensino, que podem
utilizar 50% e 45%,
respectivamente. As
entidades administradoras
de cartão de crédito também
têm um teto maior, podendo
chegar a 40%.
Uma diretora do
Sindicato dos Servidores da
Saúde e Meio Ambiente de
Mato Grosso (Sisma), que
preferiu não se identificar,
conta que grande parte dos
servidores está devendo a
financeiras, principalmente
os aposentados. Ela lembra
que quando iniciaram as
ofertas desse tipo de crédito,
servidores chegaram a
comprometer 100% da
renda para pagar as
prestações. Depois da
regulamentação, cujo limite
é de 30%, ainda existem
aqueles que fazem dívidas
acima do teto, por
necessidade devido ao
baixo salário: “Vira uma
bola de neve, as despesas
aumentam, mas não
aumenta o salário”,
informou a servidora.
Se r v i do r e s comp r ome t em qua l i dade de v i da da f amí l i a com
emp r é s t imo s con s i gnado s que chegam a du r a r qua s e de z ano s
Pa r a o d i r e t o r
f i nan c e i r o do S i n e t r an -
MT, Leand r o B r i t o ,
go v e r no i n c e n t i v a
s e r v i do r e s a s e
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A p r o f e s s o r a Ma r i a do
E s p í r i t o San t o t em
qua s e 50% do s a l á r i o
c omp r ome t i do c om
emp r é s t i mo s
O e conomi s t a Ed i s an t o s Amo r im, do Co r e con -MT,
c r i t i c a a d i s pon i b i l i z a ç ão de i n f o rma ç õe s s i g i l o s a s
de s e r v i do r e s po r pa r t e do pode r púb l i co
Ma r i a do Ca rmo
l u t a pa r a paga r
emp r é s t imo s em
qua t r o ban c o s