CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 17 A 23 DE OUTUBRO DE 2013
POLÊMICA
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G
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Sociólogo classifica a corrupção como uma prática recorrente, antidemocrática, antiética e contrária à construção da cidadania.
Por Camila Ribeiro. Fotos: Mary Juruna
CORRUPÇÃO
Dobra número de condenações
Balanço da Auditoria de
Gestão da Primeira Instância,
vinculada à Corregedoria-
Geral da Justiça de Mato
Grosso, aponta significativo
crescimento no número de
julgados em ações de
improbidade administrativa e
ações penais relacionadas a
crimes contra a
administração pública no
mês de setembro, em
comparação ao mês
anterior. Foram sentenciados
43 processos relacionados à
improbidade, o que
representa aumento de
“Prática é recorrente,
antidemocrática e antiética”
O sociólogo Naldon
Ramos classifica a
corrupção como “uma
prática recorrente e que é
antidemocrática, antiética
e contrária à construção
da cidadania”. Ele
acredita que,
historicamente, os
governantes partem do
princípio de que o recurso
público deve servir
primeiro a eles e aos
interesses das elites, em
detrimento das
necessidades do povo.
“Aqueles que têm o poder
de liberar recursos
acabam tendo, em muitos
casos, um comportamento
antirrepublicano. Parte
desses recursos acaba
sendo desviada em
proveito próprio ou de
grupos de interesses”.
Para Naldson, a
questão cultural, os
valores impregnados na
política e uma legislação
falha acabam abrindo
margem para que a
corrupção aconteça. Não
fosse o bastante, Ramos
cita a impunidade como
outro grande fator para a
recorrência de práticas
consideradas corruptas. “A
impunidade contra
corruptos e corruptores no
Brasil é um fato que tem
contribuído para a
recorrência da corrupção
no país. Dificilmente se
alcança os autores do ato
ilícito e consegue-se
responsabilizá-los. Temos
alguns casos em algum
momento, em que a coisa
se torna pública e o MPE
(Ministério Público) acaba
atuando, de forma que
algumas pessoas são
punidas. Mas eu diria que
isso não chega a 10% dos
casos que ocorrem de
corrupção no Brasil. Existe
muita dificuldade em punir
e reaver os recursos que
foram subtraídos”.
O sociólogo alega
ainda que a corrupção
não é uma coisa
ideológica, mas sim “uma
questão de completa falta
de ética, falta de
transparência e falta de
compromisso com a coisa
pública”. O sociólogo
defende que o controle da
corrupção pode ser feito
com uma maior
participação dos setores
organizados da
sociedade, como o
Ministério Público, a
Ordem dos Advogados, a
imprensa, as
Controladorias, os
Tribunais de Conta, que
segundo ele, tem uma
responsabilidade muito
grande quanto à
fiscalização, quanto à
punição e à identificação
dessas pessoas que atuam
retirando milhões dos
recursos públicos.
“A democracia se faz
com a mobilização e a
participação direta da
sociedade, mas ela se
instrumentaliza por meio dos
partidos, da disputa legal e
legítima. Só assim é possível
materializar uma vontade
popular”, alega o sociólogo
ao argumentar que também
é necessário que os partidos
políticos assumam o papel
fiscalizador.
Ramos admite, no
entanto, que uma
mudança na postura da
sociedade e da classe
política não é algo
passível de acontecer no
curto prazo. “Não tem
como se renovar cultura,
valores e práticas da noite
para o dia. A saída é o
cidadão acreditar que o
voto dele é importante e
que a participação dele é
importante pra que ele
tenha mais saúde, mais
escola, mais transporte,
mais moradia e mais
salário”.
O sociólogo pontua,
ainda, que “não há como
avançar a democracia,
sem ‘sujar as mãos’ com a
política, sujar no sentido
de pôr a mão na massa,
avaliar, cobrar de seus
representantes aquilo que
eles prometeram. Se a
política é ruim e a
democracia não é
perfeita, sem a política e
sem a democracia, a
situação fica pior.
Nenhuma saída autoritária
vai resolver nossos
problemas e aí a
importância da
mobilização da sociedade
em continuar cobrando,
denunciando e
participando da
construção da
democracia”.
Impunidade é a
‘sementinha’ da corrupção
O analista político
Alfredo da Mota Menezes
assegura que a
impunidade é a principal
causadora dos crimes de
corrupção cometidos por
agentes políticos. “Em 92,
por exemplo, tivemos a
questão do Collor (ex-
presidente Fernando
Collor de Mello) que
causou toda uma
indignação no Brasil e que
acarretou o impeachment
do presidente. Imaginava-
se que depois disso a
democracia seria discutida
de fato no Congresso,
tudo não passou de
‘conversa fiada’ e a
impunidade continua a
ocorrer da mesma forma”,
disse.
Menezes lembra que
mesmo diante de tantos
escândalos e esquemas de
corrupção descobertos,
apenas este ano o Brasil
viu um político ser preso
por um crime desta
natureza, o deputado
Natan Donadon (PMDB-
RO). “A gente percebe
que na grande maioria
Ao contrário daqueles
crimes que são praticados
na rua, a corrupção é
algo mais silencioso, “um
crime que se opera dentro
das salas de reuniões,
com dinheiro em bolsas,
enfim, algo que acontece
de forma clandestina”,
alega o secretário-geral
adjunto da OAB-MT,
Ulisses Rabaneda.
Um dos grandes
problemas, segundo ele, é
o fato de que a corrupção
se tornou uma questão
cultural no Brasil. “A gente
chegou num estágio em
que a corrupção se
embrenhou de forma tão
intensa nos poderes
constituídos que ninguém
consegue mais imaginar
que não haja mais
corrupção em algum
lugar, quando a regra
deveria ser completamente
inversa”.
Rabaneda defende
que para coibir a
Corruptos ‘atuam’
na clandestinidade
corrupção não basta que
ela seja tipificada como
crime hediondo, é preciso,
segundo ele, combater a
prática de maneira
efetiva. “É necessário
melhorar o sistema
prisional, melhorar o
sistema de investigação e
estruturar a polícia para
que a impunidade
diminua”. Para o
advogado, colocar a
corrupção no rol de crimes
ninguém vai para a
cadeia. Você imagina, por
exemplo, algum
parlamentar aqui do
Estado vestido como um
prisioneiro lá no
Carumbé?”, questiona o
analista. Segundo ele,
uma cena dessas sequer
passa pela cabeça das
pessoas, já que a questão
da impunidade está
‘impregnada’ na mente
da população.
Ele ressalta ainda o
escândalo do Mensalão e
o julgamento do Supremo
Tribunal Federal (STF)
como uma prova da
impunidade. “Como
explicar esse julgamento
que nunca termina? O STF
decide uma vez, depois
resolve decidir de novo,
isso é lamentável”,
declara o analista.
hediondos “é uma
iniciativa louvável, mas
acho que se atuou onde
não teremos resultado,
que é simplesmente
aumentar penas, enrijecer.
Acredito que gente precisa
atacar a raiz do
problema, a corrupção
como um câncer, não
adianta simplesmente
remediar já no final, ela
precisa ser atacada já no
início”, alertou.
86,9% em relação a agosto,
quando 23 processos foram
julgados. Em relação às
ações penais, a evolução
atingiu a marca de 34,1%,
pois 55 processos foram
sentenciados. No mês
anterior foram contabilizadas
41 sentenças. Segundo a
analista judiciária Doralice
Mendonça Faust, que atua
na Auditoria de Gestão com
outros seis servidores, o
resultado obtido no último
mês é resultado das
notificações feitas aos juízes
das 79 comarcas do Estado.
“Trabalhamos diariamente
em cima dos processos
relacionados à Meta 18.
Primeiro fazemos notificação
via SIAP (Sistema de
Inspeção e
Acompanhamento de
Produção). Esperamos o
prazo e, caso não seja
cumprido, fazemos nova
notificação via Malote
Digital”, salienta.
Dependendo da quantidade
de processos, o prazo
concedido varia de cinco a
20 dias para que uma nova
notificação seja feita.
Como geralmente
envolvem processos
complexos e bastante
volumosos, e considerando a
necessidade de se observar
o devido trâmite processual,
muitos magistrados solicitam
a prorrogação do prazo
para analisar o processo.
“Se o prazo pedido for
pequeno, pelo próprio
sistema podemos conceder a
prorrogação. Mas prazos
maiores são analisados pelo
corregedor-geral, caso a
caso. Nós estamos
trabalhando, assim como os
magistrados e servidores,
para que a meta seja
cumprida. Todos estão
bastante empenhados”,
ressalta Doralice.
Desde o início do ano
foram julgados 273 ações
penais administrativas e 128
processos relacionados à
improbidade em todo o
Estado. Tendo em vista a
complexidade das causas,
esse número representa um
grande avanço, segundo o
corregedor-geral da Justiça,
desembargador Sebastião
de Moraes Filho.
“Esse resultado é
bastante positivo e
demonstra que estamos
empenhados em alcançar o
cumprimento da Meta 18,
apesar das dificuldades
enfrentadas por conta do
reduzido número de
servidores, da complexidade
dos processos, bastante
volumosos e do elevado
número de réus em muitos
casos, além dos múltiplos
recursos usados pelas partes,
que têm direito à ampla
defesa”, avalia o
desembargador.
U l i s s e s Raban e da
de f ende que co r r up ç ão
s e j a ‘ i mp e d i da ’
de s de o i n í c i o , não
s ome n t e c om
pun i ç õe s s e v e r a s
Soc i ó l ogo d i z que l eg i s l ação f a l ha ab r e b r e cha s
pa r a que o c r ime de co r r upção acon t e ça
Pa r a A l f r edo da Mo t a Mene z e s , j u l gamen t o do
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