EDIÇÃO IMPRESSA - 459 - page 8

CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 26 DE SETEMBRO A 2 DE OUTUBRO DE 2013
CAPA
P
G
8
Antes da obra, Secopa havia garantido permanência das famílias e volta atrás, após erro constatado
Por: Rita Anibal. Fotos: Mary Juruna
BARRANCO CONDENADO
Famílias serão retiradas “na marra”
A denúncia feita com
exclusividade pelo
Circuito Mato Grosso
apontando risco iminente
de deslizamento do
barraco localizado ao
lado do viaduto do
Despraiado, colocando
em risco as vidas de
dezenas de famílias, caiu
como bomba sobre a
Secretaria Extraordinária
da Copa do Mundo
(Secopa) e alertou os
órgãos fiscalizadores da
gestão pública. O
Ministério Público Estadual
(MPE) requereu todas as
informações sobre a área
em caráter de urgência e
uma equipe formada por
técnicos da Defesa Civil
do Estado e da Prefeitura
de Cuiabá fez um
mapeamento do local a
pedido da Secopa. A
única solução para o
impasse seria a
desapropriação porque,
segundo a Secopa, “fica
mais barato desapropriar
do que construir um muro
de arrimo para consertar
a falha”.
Como o muro de
arrimo não foi construído
antes de a obra ser
iniciada, intervenções no
local durante a edificação
da trincheira acabaram
provocando pequenos
deslizamentos que podem
se intensificar com a
chegada do período
chuvoso. Ocorre que a
própria Secopa já havia
avisado os moradores
que ninguém seria
retirado do local por
conta da obra. Porém
como não foi feito o muro
de arrimo, agora a
“Não podemos pagar pelo erro no corte do barranco”
Os moradores do
alto da encosta do
barranco desmentiram a
versão do secretário-
adjunto da Secopa,
Alysson Sander, sobre a
proibição da entrada de
técnicos da secretaria em
suas residências. De
acordo com eles, vários
funcionários da Secopa,
da Defesa Civil,
Conselho Regional de
Arquitetura e Agronomia
(Crea) e assistentes
sociais visitaram suas
casas pesquisando,
colhendo informações e
fotografando os quintais
que beiram a encosta.
Para a moradora
Lenize Pereira o governo
tem que preservar a vida
das pessoas sem tirá-las do
local onde vivem. “Se
podemos ficar aqui, mesmo
com o alto custo de
construção do muro, é isso
que deveria ser feito. Não
podemos pagar pelo erro
do corte do barranco”.
Situação semelhante
vive a moradora há mais
de 30 anos no mesmo
local, Nilda de Oliveira
Gomes, que disse que não
Secopa culpa moradores
e admite desapropriação
Procurado pela reportagem, o secretário-adjunto de
Infraestrutura da Secopa, Alysson Sander, disse num primeiro
momento – durante visita de deputados à trincheira Jurumirim –
que as casas atingidas pelo corte do barranco seriam
desapropriadas e que o risco de desabamento seria culpa dos
moradores que fizeram construção irregular de esgoto, o que
estaria contribuindo para descamar as placas da encosta.
Sander também afirmou que as famílias cuiabanas são
muito apegadas às casas, “não deixam a gente entrar para
fazer a medição para posterior desapropriação” e que já havia
comunicado o fato à Defesa Civil e ao Ministério Público.
O secretário-adjunto ainda disse que quando começar o
período chuvoso será interditada a área e removidas as famílias,
em parceria com a Secretaria de Trabalho e Assistência Social
(Setas), que vai disponibilizar um local para que sejam
alocadas. Responsável pelas desapropriações e indenizações
por parte do Estado, o procurador geral do Estado, Jenz
Prochnow Júnior, relatou ao
Circuito Mato Grosso
que já
havia encaminhado à Secopa pedido de “documentos e dados
para a desapropriação da área visando o interesse público e
integridade do trecho abaixo”. Essa declaração do procurador
confirma que a desapropriação é o projeto da Secopa para
sanar a falha provocada pelo corte da encosta. O procurador
também disse que está aguardando os documentos e laudos
requisitados junto à Secopa.
Vivendo momentos
de pânico com o
possível deslizamento
do barranco, um grupo
de moradores foi até a
Secopa cobrar respostas
e esclarecimentos. Eles
se reuniram a portas
fechadas com o
secretário-adjunto de
Infraestrutura, Alysson
Sander. Durante a
conversa, o discurso de
culpar os moradores
sobre o solapamento da
encosta pelas ligações
clandestinas de esgoto
foi substituído pelo
reconhecimento da
ameaça de
desmoronamento
provocada pelo corte
do barranco para a
construção do viaduto.
Sander esclareceu
Em pânico, famílias cobram solução
dorme à noite de
preocupação. Nilda diz
estar à base de remédios e
com o corpo todo dolorido
‘de nervoso’: “Ninguém
fala nada com a gente e
estamos vivendo de diz-
que-diz. O pessoal que
vem aqui não fala nada de
concreto nem esclarece a
gente. Tenho medo da
minha casa deslizar
barranco abaixo com toda
a minha família”.
Evani Zanetti também
diz que não está vivendo
em paz: “Aqui está tudo o
que eu consegui na minha
vida que é minha casa.
Esse governo não está
tendo responsabilidade
com a gente”, reclamou a
moradora, que continuou
dizendo: “A Secopa sabe
do perigo que corremos,
mas não dá nenhuma
definição por escrito.
Agora, depois da reunião,
quero só ver o que vai
acontecer e se vamos ser
indenizados com justiça,
porque o secretário
[Alysson] falou que vamos
ter de sair mesmo!”
que quer evitar “100% a
perda de vidas” e
comunicou aos
moradores que a
desapropriação é
necessária, pois a
construção de um muro
de arrimo, preservando
as casas lá existentes,
seria de altíssimo custo e
o Estado não poderia
arcar com essa despesa.
Sander, no entanto,
aceitou a proposta das
famílias para estudar a
permanência delas,
fixando um prazo de 30
dias para o corpo
técnico da Secopa
analisar o pedido, mas
sem oferecer proteção
caso ocorram chuvas
nesse período ou
qualquer outro fenômeno
natural.
mesma secretaria terá que
retirar as famílias a fim de
evitar inclusive uma
tragédia.
Essa insegurança
gerada pela falha na
condução da obra do
viaduto do Despraiado
levou um grupo de
moradores a protocolar
junto ao Ministério Público
Estadual (MPE) pedido de
esclarecimentos acerca da
situação das famílias da
área atingida em 30 de
agosto de 2013. No
documento, relataram que
estavam vivendo incertezas
há mais de dois meses,
sem repostas concretas da
Secopa.
Com base na
denúncia e no pedido dos
moradores, o promotor
Clóvis de Almeida Júnior,
da 36ª Promotoria de
Justiça de Defesa do
Patrimônio Público,
começou a investigar o
caso. A primeira medida
foi pedir que a Secopa
entregasse com urgência
um relatório sobre a
situação da encosta, o
que não havia ocorrido
até o fechamento desta
edição.
A pedido do
Circuito
Mato Grosso
, o geólogo
Mário Cavalcanti de
Albuquerque, do corpo
técnico do Conselho
Regional de Engenharia e
Agronomia (Crea), visitou
o local informalmente e
constatou que a encosta
pode desabar por ação
de fenômenos naturais,
levando casas e podendo
ocorrer mortes no local.
Essa constatação foi
corroborada pelo
presidente do Crea-MT,
José Samaniego, ao dizer
que “aquilo vai cair se
não fizer o muro de
contenção. Vai deslizar
tudo!”. André Schuring,
chefe de fiscalização do
Crea, por outro lado,
alegou estar esperando
que o Ministério Público
envie solicitação de
fiscalização preventiva e
integrada para realizar um
trabalho mais profundo
sobre a encosta que está
em risco por conta da
ausência do muro de
arrimo.
Curiosamente, os
moradores relataram que
na Prefeitura Municipal de
Cuiabá há registro de
construção de muro de
contenção há mais de 15
anos, na época da
implantação da Avenida
Miguel Sutil, justamente a
encosta que foi cortada
pela construtora para a
viabilização do viaduto e
que teria provocado toda
a instabilidade.
A r r imo de v e r i a t e r s i do con s t r u í do an t e s da ob r a do v i adu t o
e ago r a a so l ução s e r i a a r e t i r ada u r gen t e da s f amí l i a s
P r omo t o r C l ó v i s de A lme i da ped i u
i n f o rmaçõe s em ca r á t e r eme r genc i a l s ob r e ob r a
Famí l i a s s e s en t em enganada s pe l a Se copa po r que
ha v i am r e c eb i do ga r an t i a de pe rmanên c i a
Mo r ado r a l amen t a de s ca s o do
go v e r no ao o l ha r r i ban c e i r a aba i x o
A relatora especial da ONU para a
Moradia Adequada, Raquel Rolnik, acusou,
nesta terça-feira, 22 de setembro, as
autoridades de várias cidades-sede da Copa
do Mundo de praticar desalojamentos e
deslocamentos forçados que poderiam
constituir violações dos direitos humanos.
“Estou particularmente preocupada com o que
parece ser um padrão de atuação, de falta de
transparência e de consulta, de falta de
diálogo, de falta de negociação justa e de
participação das comunidades afetadas em
processos de desalojamentos executados ou
planejados em conexão com a Copa”, avaliou,
referindo-se também às Olimpíadas de 2016.
Além disso, a relatora solicitou ao Governo
Federal que adote um “Plano de Legado” para
garantir que os eventos esportivos tenham um
impacto social e ambiental positivo e que
sejam evitadas as violações dos direitos
humanos, incluindo o direito a um alojamento
d i gno.
ONU CRITICA DESALOJAMENTOS FORÇADOS
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