CIRCUITOMATOGROSSO
PANORAMA
P
G
3
CUIABÁ, 19 A 25 DE SETEMBRO DE 2013
CAMINHONEIROS
Consumo de entorpecente nas estradas é alarmante e sindicato da categoria diz que empresas são coniventes.
Por Camila Ribeiro. Fotos: Mary Juruna
“Empresas incentivam uso de rebites”
Muitas horas ao
volante e pouco tempo
no travesseiro. As longas
jornadas percorridas nas
estradas do país fazem
com que caminhoneiros
adotem uma prática
perigosa: o uso de
drogas para se
manterem acordados na
direção. Não bastassem
as péssimas condições
de boa parte da malha
viária brasileira, o
consumo exacerbado de
entorpecentes na boleia
dos caminhões parece
ter se tornado a nova
“epidemia” das estradas.
Muitos caminhoneiros
revelam que são
“aliciados” pelas
empresas às quais
prestam serviços para
fazerem o uso de
drogas. Eles pontuam
que o “incentivo” visa
sempre um maior
rendimento do trabalho
e, consequentemente,
maior lucratividade para
as transportadoras.
“Não é dizer que a
culpa é 100% da
empresa, mas
geralmente elas insistem
e o trabalhador acaba
usando a droga. A
empresa faz a cabeça
do motorista e ele faz
‘besteira’”, declara o
caminhoneiro Paulo
Sérgio Nala, 54.
O Sindicato dos
Motoristas Profissionais e
Trabalhadores em
Empresas de Transporte
Terrestre de Cuiabá e
Região (STETT/CR)
reafirma que, em muitos
Um em cada três motoristas
consome drogas ao volante
Dados da
Confederação Nacional
dos Trabalhadores em
Transporte Terrestre
(CNTTT) apontam que um,
em cada três motoristas,
consome drogas enquanto
está dirigindo, prática que
põe em risco não somente
a vida dos profissionais
como a daqueles que
dividem as estradas com
eles. Ainda de acordo
com a CNTTT, três em
cada quatro acidentes são
causados por falha
humana, fato que inclusive
é estampado diariamente
nos noticiários. Casos que
ocorreram sem um motivo
aparente podem ser
indícios de que o motorista
Uso de drogas aumenta em
95% risco de acidentes
Pesquisas da
Faculdade de Ciências
Médicas de São Paulo
demonstram que ao
fazerem o uso de
“rebites”, os motoristas
que, num primeiro
momento ficam mais
“acesos”, acabam
perdendo seus reflexos
quando o efeito da
droga passa. O fato
pode aumentar em até
95% o risco de
acidentes, quando
comparado a
motoristas que não
fizeram uso de
entorpecentes.
O que também
causa preocupação é o
fato de que, nos últimos
anos, vem ocorrendo
uma “migração” do uso
Caminhoneiros
passam mais
de 24 horas
ao volante
É comum encontrar, também, caminhoneiros que ‘abandonam’ os serviços
prestados às empresas para trabalhar por conta própria. É o caso do
senhor Paulo Nala, por exemplo, que hoje tem seu caminhão próprio e
presta serviços “dentro do seu tempo”, como ele mesmo gosta de dizer.
“Tenho esposa, dois filhos, dois netos, essa é uma profissão difícil.
Francisco Lara Rosa, de 53 anos e que há dez anos trabalha
com transporte de açúcar e sal mineral, argumenta que a
cobrança por parte de algumas empresas, no sentido de
garantir rapidez no transporte, faz com que os profissionais se
sintam pressionados e acabem recorrendo ao uso de drogas.
dormiu ao volante, o que
muitas vezes pode ter sido
ocasionado em
decorrência do uso de
drogas.
Caminhoneiros são
unânimes ao afirmar que o
consumo de entorpecentes
ou estimulantes passou a
fazer parte da rotina dos
profissionais. A
anfetamina, por exemplo,
popularmente conhecida
como ‘rebite’, é um
estimulante do sistema
nervoso central, que faz o
cérebro trabalhar mais
depressa, sendo capaz de
inibir o sono e o apetite.
Em consequência disso,
seu uso se popularizou
entre os profissionais que
tentam driblar as barreiras
da sonolência, do cansaço
e da fome.
“O uso de drogas é
muito comum na nossa
profissão, muitos
companheiros ‘ficam
turbinados’ pra poder ficar
mais tempo acordados,
trabalhar mais e conseguir
um pouquinho mais de
dinheiro ao final do mês.
O que facilita isso é que é
muito fácil conseguir a
droga: você encosta num
posto de gasolina, por
exemplo, e dali a pouco já
vem gente oferecendo
pequenas quantidades da
droga”, alegou o motorista
Acir Pereira, de 55 anos de
idade.
da droga sintética para
drogas mais pesadas e
com maior poder de
destruição, como a
cocaína e o crack.
“Antigamente a
gente só ouvia falar do
rebite; hoje em dia a
coisa mudou, o que a
gente mais vê é motorista
usando maconha,
cocaína e até crack”,
revela o hoje comerciante
Pedro Vargas, que
carrega na “bagagem” a
experiência de 33 anos
na boleia do caminhão.
“Geralmente o
profissional vive naquela
loucura de carregar e
descarregar e por isso
vemos centenas de
acidentes nas estradas”,
completa.
Mato Grosso tem
hoje
aproximadamente 8
mil caminhoneiros,
segundo dados do
sindicato da
categoria. Muitos
desses profissionais
atuam no setor do
agronegócio, que
segundo Ledevino da
Conceição é o
responsável por uma
grande parcela das
jornadas de trabalho
consideradas
desumanas. Ele
explica que isto
ocorre porque os
profissionais que
atuam neste setor
acabam tendo um
fluxo maior de serviço
durante o período de
safra: “As empresas
têm pressa de escoar
a produção e, por
isso, as exigências
quanto a prazos são
maiores”, alertou.
“Liguei o veículo
ontem por volta das
11 da manhã e estou
parando agora ao
meio-dia; são mais
de 24 horas na
estrada”, relatou à
reportagem o
caminhoneiro
Anderson Bonadio,
35 anos. Ele, que é
natural do Paraná,
revela que trabalha
com o transporte de
produtos perecíveis e,
daí, a necessidade de
prolongar a jornada.
casos, as empresas
incentivam o uso de
entorpecentes entre os
trabalhadores. “A droga
está inserida em todos os
segmentos e no ramo do
transporte não é
diferente. Aliás, o
transporte rodoviário é
considerado um ótimo
‘mercado’ para os
traficantes. O problema
é que recebemos
denúncias dando conta
que o patrão incentiva o
consumo de drogas”,
assegurou o presidente
do STETT/CR, Ledevino
da Conceição.
Ainda segundo o
sindicalista, é comum
que os motoristas, por
meio do rádio de seus
caminhões, troquem
informações sobre
pontos onde a droga
pode ser facilmente
adquirida. “Temos
dados que comprovam
que mais de 50% dos
acidentes nas estradas
de Mato Grosso são
causados por uso de
drogas ou álcool, além
das excessivas jornadas
de trabalho”, afirma.
Outro fato destacado
pelos profissionais que
atuam na área é que está
cada vez mais frequente
encontrar jovens dirigindo
caminhões nas estradas.
“Hoje em dia a gente
encontra muito moleque
em cima do volante.
Talvez pelo fato de eles
aguentarem mais o
‘pique’ e serem
convencidos de forma
mais fácil sobre uso de
droga”, observou Pedro
Vargas.
OUTRO LADO
A reportagem entrou
em contato com o
Sindicato das
Transportadoras de
Mato Grosso (Sindmat)
que alegou, por meio de
assessoria de imprensa,
que não irá se
pronunciar quanto às
alegações dos motoristas
e do sindicato da
categoria. O Sindmat
declarou somente que as
empresas são
comprometidas com a
saúde e a segurança dos
profissionais.
LE I DOS
CAM I NHONE I ROS
Em julho deste ano,
foi aprovado na
Comissão Especial da
Câmara dos Deputados
o projeto de lei do
deputado Valdir Colatto
(PMDB-SC) que revoga
a Lei 12.619/2012
e amplia a jornada de
trabalho dos
motoristas. Desde que
foi criada, em abril de
2012, a referida lei
culminou em uma série
de questionamentos.
Caminhoneiros,
empresários e
transportadoras
contestavam os impactos
e as dificuldades para o
cumprimento da
legislação. Falta de
infraestrutura nas
estradas, ausência de
locais adequados e com
segurança para
descanso e o aumento
nos custos com o
transporte foram
algumas das
dificuldades enfrentadas
pelos profissionais do
setor no primeiro ano de
vigência da lei.
Se j a à be i r a das e s t r adas ou em pos t os de combu s t í ve i s , é
mu i t o c omum en c on t r a r pe s s oa s c ome r c i a l i z ando d r oga s
P r e s i d e n t e do
S i nd i c a t o da c a t e go r i a ,
L ede v i no da Con c e i ç ão
apon t a que emp r e s a s
c hegam a i n c en t i v a r o
u s o de ‘r eb i t e s ’ en t r e
o s c am i n hon e i r o s
Ped r o Va r ga s a l ega
c om p r eo c upa ç ão , qu e
a c o s t umado s c om o
“r e b i t e ” , mo t o r i s t a s
pa s s am a c on s um i r
d r oga s ma i s pe s ada s
como a maconha e a
c o c a í n a
O c am i n hon e i r o Ac i r
Pe r e i r a d i z que quando
c am i n hon e i r o s pa r am
em pos t os de
c ombu s t í v e i s s ão l ogo
abo r dado s po r pe s s oa s
v endendo r eb i t e ou
c o c a í n a .