CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 11 A 17 DE JULHO DE 2013
CAPA
P
G
8
LAR DA CRIANÇA
Instituição comandada pela primeira-dama Roseli Barbosa realiza contrato milionário sem licitar cuja finalidade não é explicada e,
enquanto isto, crianças dormem em colchonetes e sofrem com maus-tratos. Por: Sandra Carvalho e Mayla Miranda
Descaso, superlotação e maus-tratos
A Secretaria de Estado de Administração (SAD)
dispensou licitação para contratar, por R$ 5,2
milhões, a empresa de pequeno porte (EPP) Elza
Ferreira dos Santos Serviços – Seligel para atender o
Lar da Criança, instituição responsável por receber
vítimas de abandono ou quaisquer formas de
violência na família, e que está sob a gestão da
primeira-dama e secretária de Trabalho e Ação
Social, Roseli Barbosa. Esse valor milionário será
pago para que a empresa realize em seis meses, de
acordo com publicação no Diário Oficial, “serviços
de mão de obra de natureza contínua visando
à implementação das ações para o
atendimento das demandas do Lar da
Criança”. Detalhe: a Setas não anunciou nenhum
grande investimento na instituição nos últimos três
anos e muito menos que envolva essa soma vultosa.
Enquanto isso, o
local é alvo de
denúncias de
superlotação, maus-
tratos e falta de
funcionários. O abrigo é
praticamente a única
referência no estado
para o acolhimento de
crianças e adolescentes
em situação de
vulnerabilidade social.
Instalado num prédio
simples na Rua Manoel
Ferreira de Mendonça,
bairro Bandeirantes, em
Cuiabá, o Lar da
Criança tem sido alvo de
denúncias de
superlotação, falta de
funcionários, fugas
constantes e inclusive de
maus-tratos contra os
internos nos últimos
meses. Neste primeiro
semestre, 20 fugas foram
registradas em 30 dias.
A superlotação
chega a ser gritante a
ponto de os funcionários
terem recusado o
recebimento de uma
criança encaminhada
pelo Conselho Tutelar. O
conselheiro chegou a
registrar um Boletim de
Ocorrência e a
encaminhar o caso para
o Juizado da Infância e
da Juventude
denunciando o caso. Em
algumas situações, a
criança é recebida
mediante ordem judicial.
Há ainda
reclamações dando
conta de crianças
dormindo em colchões
no chão por conta da
pequena estrutura física
do lar, para onde são
levadas crianças até 12
anos de ambos os sexos,
de Cuiabá Várzea
Grande e inclusive de
outros municípios.
O
Ci r cu i t o Ma t o
Grosso
tentou apurar,
sem sucesso, a real
finalidade do contrato e
de sua urgência. A
reportagem ligou para a
Assessoria de Imprensa
que pediu o envio dos
questionamentos por e-
mail. Orientou apenas
para procurar a assessoria
da SAD. Em contato com
o gabinete da secretaria
adjunta, a reportagem
foi orientada a procurar
a direção do Lar da
Criança, que negou com
veemência passar
quaisquer informações
sobre a instituição.
Segundo a diretora do
Lar da Criança, Eloina
Okazake Rotheghere,
todas as informações
sobre a instituição
deveriam ser passadas
pela SETAS, incluindo a
quantidade de crianças
no local. “Não posso
fornecer nenhum dado,
somente a secretaria”,
enfatizou a diretora,
encerrando a ligação
rapidamente.
O Conselho Tutelar
também não se
manifestou sobre as
condições do Lar da
Criança. A única
informação é de que
fará uma fiscalização
ainda neste mês de julho
na instituição.
Recentemente, no
entanto, um conselheiro
registrou boletim de
ocorrência na polícia
porque funcionários do
lar se recusaram a
receber uma criança. E
por isso teria sofrido
retaliações da direção
do Lar.
NOTA DA SAD
No início da noite
desta quarta-feira (10) a
Conselho Estadual semantém
na defensiva sobre o Lar
Mau acolhimento vitimiza a criança
Criança teria sido
enforcada por funcionária
A Se l i ge l e s t á enquad r ada como Emp r e s a de Pequeno Po r t e ( EPP ) e
l oca l i z ada num s imp l e s s ob r ado no ba i r r o Bo s que da Saúde . E l a j á
p r e s t a s e r v i ços pa r a a SETAS de quem r ecebeu em t or no de R$700 mi l em
2013 . Ago r a , pe l os me smos 6 me s e s , va i r ecebe r R$5 , 2 mi l hõe s .
Procurado pelo
Circuito Mato Grosso
,
o presidente do Conselho
Estadual dos Direitos da
Criança e do Adolescente
de Mato Grosso (Cedca-
MT), Dirceu Belarmino
Pereira, afirmou ter se
reunido recentemente com
o Governo do Estado que,
na oportunidade, teria
garantido realização de
novos investimentos, mas
sem estipular nenhuma
data para o início das
ações.
Sobre a superlotação,
o conselheiro relatou que
já teria entrado em
negociações com o Estado
para a construção de uma
nova casa de acolhimento
para o cumprimento da lei.
Questionado acerca de
qual lei se tratava e quais
eram as novas condições
oferecidas pelo governo,
Dirceu acusou a
reportagem de ser
maldosa e irresponsável.
“Nós estamos fazendo
as solicitações necessárias,
mas ainda não temos uma
data, e não vou falar mais
nada para vocês, porque
estas perguntas estão
sendo feitas em um tom de
maldade e me recuso a
responder”, declarou.
Em um tom mais
ameno, mas ainda com
informações superficiais,
Sueli Levina da Silva,
presidente do Conselho
Municipal dos Direitos da
Criança e do Adolescente,
confirmou que as
condições do Lar da
Criança estão
inadequadas para a
realização dos
atendimentos. “Nós
estivemos lá com o
Conselho Tutelar, um juiz e
o promotor de justiça há
cerca de 15 dias e
realmente há problemas
de fuga, denúncias de
maus-tratos a crianças e
superlotação, mas não sei
falar mais nada. Foi o
promotor e a juíza que
fizeram as perguntas”,
resumiu a conselheira.
Superlotação, falta de
estrutura básica e
profissionais adequadas
para o atendimento de
crianças em estado de
vulnerabilidade são ainda
mais prejudiciais dos que
os traumas já sofridos por
elas. De acordo com o
sociólogo e professor
doutor da Universidade
Federal de Mato Grosso
(UFMT) Naldson Ramos,
no momento do
acolhimento cria-se um
desgaste para a criança
que deve ser superado
posteriormente pela
instituição, garantindo
condições adequadas de
vida para estas crianças.
“Estas crianças, que já
apresentam tantos
problemas a serem
superados, são vitimizadas
e violentadas pela
segunda vez ao chegar a
um local inadequado
para o seu recebimento.
Desta forma, fica ainda
mais difícil garantir que
possam depois ter boas
condições para se
tornarem adultos
saudáveis”, destaca o
sociólogo.
Para um bom
atendimento no Lar da
Criança seria necessário,
além de melhor estrutura,
profissionais capacitados
para atender estas
crianças, como
psicólogos, assistentes
sociais, atendentes e
pessoas comprometidas
que possam dar um bom
acolhimento, “e
principalmente carinho”,
lembra o professor.
Já sobre a
superlotação, Naldson é
categórico ao afirmar que
os poderes públicos
municipais, estaduais e
federais têm que se unir e
olhar definitivamente para
o problema, caso
contrário a situação pode
chegar ainda a níveis
extremamente alarmantes.
“O acolhimento
adequado é obrigação do
poder público. Caso este
atendimento não seja feito
de forma adequada, estas
crianças podem acabar
nas ruas ou adotadas pelo
crime”, sintetiza.
Em 2012 o Conselho
Tutelar de Cuiabá denunciou
ao Ministério Público de Mato
Grosso um caso de maus-
tratos que teria acontecido
contra uma criança de 10
anos, no Lar da Criança. No
local, segundo o conselho, a
menina seria enforcada por
funcionárias da instituição.
A garota estudava na
Escola Estadual Senador
Azeredo. No horário de saída
da aula, ao invés de retornar
ao Lar da Criança, onde está
abrigada, ela decidiu fugir.
Foi encontrada numa rua do
bairro Goiabeiras por um
orientador social que acionou
o Conselho Tutelar.
“Ela estava muito
abatida, com olheiras e
chorando muito e pedindo
para não voltar para o Lar
porque a tia batia muito. Eu
fiquei chocado com isso
porque lá é um lugar para as
crianças ficarem bem e não
serem espancadas”, afirmou
Patrick Siqueira.
Um boletim de
ocorrência foi registrado e nele
a menina afirmou que sofreu
agressões de alguns
funcionários da instituição e,
por isso, decidiu fugir. Diante
da denúncia, o Conselho
Tutelar encaminhou a queixa
ao Ministério Público.
assessoria de imprensa da
SAD informou que a
dispensa de licitação de
R$ 5,2 milhões seria para
contratar 150 funcionários
para trabalhar no Lar da
Criança durante seis
meses.
O Lar da Criança trabalha atualmente em condições precárias de infraestrutura
e é alvo de diversas denúncias, incluindo maus-tratos e superlotação
A Secretaria de Estado e Assistência Social, que é
dirigida pela primeira-dama do Estado, Roseli Barbosa,
é a responsável pelo administração do Lar da Criança
O pode r
púb l i c o , qu e
d e v e r i a
ga r an t i r o
a t e n d i me n t o
a d e q u a d o
d e s t a s
c r i an ç a s , a s
v i t i m i z a
n o v ame n t e
n o v ame n t e
c om o
d e s c a s o ,
a l e r t a o
s o c i ó l o g o
N a l d s o n
R a m o s