CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 25 DE ABRIL A 2 DE MAIO DE 2013
POLÍTICA
P
G
4
DROGAS
Ser feliz ou, ao menos, parecer estar completamente feliz no seu círculo social tornou-se extremamente necessário.
Por: Mayla Miranda. Fotos: Pedro Alves
Influência da mídia favorece consumo
A “indústria da
obrigatoriedade” da
felicidade promovida pelas
mídias atuais, como novelas,
redes sociais, propagandas
24 horas tem levado cada
vez mais cedo os jovens à
descoberta das drogas.
Todo esse conjunto de
informações incitando as
pessoas à felicidade e à
cultura do prazer imediato, e
vendendo para o indivíduo
uma realidade inalcançável
pode ser a grande
responsável por esse
comportamento, de acordo
com a psicóloga Mara
Cristina Tondin. “Na
verdade não são as drogas
que têm se mostrado tão
mais interessantes assim. Os
processos sociais de
consumo imediato
promovidos pela mídia, a
desigualdade social e
principalmente a
necessidade da felicidade a
qualquer preço têm levado
os jovens a conhecer os
entorpecentes cada vez mais
cedo”, pontua.
As redes sociais,
principalmente, mostram-se
diretamente ligadas a esta
condição. Pessoas felizes
postando fotos de viagens,
Influência dentro da própria família
Sem auxílio no tratamento
Atualmente o
atendimento a
dependentes químicos
na capital é
considerado bastante
deficitário. Com
apenas três Cras
(Centros de Referência
de Assistência Social) e
o baixo número de
profissionais que gera
uma sobrecarga no
trabalhador e até
mesmo falta de mão
de obra para o
cumprimento das
escalas, nem mesmo o
atendimento ao público
é considerado
satisfatório. Outro
grande problema é a
precariedade do
Hospital Psiquiátrico
Adauto Botelho, que
deveria servir de
referência, por ser o
único hospital
psiquiátrico público do
estado.
Depois de dias
tentando entrar em
contato com os
responsáveis por essas
instituições, a
reportagem não obteve
respostas ou retorno
das solicitações. O
mesmo tratamento foi
dispensado pelos os
Cras. Relatos de
funcionários dessas
instituições dão conta
que o contato com a
imprensa pode gerar
retaliações do Governo
do Estado aos
funcionários. Desta
maneira a reportagem
foi informada que
ninguém estaria
autorizado a conceder
qualquer tipo de
informação.
Com esta situação
de falta de atendimento
e descaso com o
problema apresentado
pelo poder público, a
psicóloga Mara Cristina
Tondin ressalta que a
prevenção dentro de
casa é a melhor saída
para evitar o
envolvimento dos jovens
com o mundo das
drogas. Além de ficar
atentos às atitudes do
filho e às mudanças
comportamentais
apresentadas por eles,
os pais precisam ter
bastante cuidado no
método de abordagem
do assunto. A melhor
saída, de acordo com a
profissional, é ter muita
paciência, ter uma boa
conversa, sincera, direta
e, principalmente,
calma.
“A abordagem do
problema é o ponto
principal, é preciso
conversar com muito
carinho e atenção com
o filho, sem dar
broncas para não
afastá-lo ainda mais e
entregá-lo de mão-
beijada às drogas. E
principalmente afastar
qualquer discurso de
ofensa ou de culpa”,
garante.
Para o mecânico
Antônio Iramilson, o
envolvimento com as
drogas começou tão cedo
que é bastante difícil se
lembrar com exatidão de
uma data. Com o pai e
irmãos consumindo
drogas em casa
diariamente, não foi difícil
conseguir o produto para
experimentar.
“O meu pai não me
dava drogas, mas
também não me impedia
e nem me repreendia pelo
consumo. Na verdade,
não me parecia muito
errado viver daquela
forma. Afinal, com o
tempo, ficávamos todos
juntos consumindo drogas.
Nós também
trabalhávamos juntos
vendendo joias, então era
normal”, conta o
mecânico que, após 20
anos de idas e vindas de
consumo de drogas, se
considera limpo há mais
de três anos.
Ainda segundo
Antônio, ele sempre
conseguiu controlar o
consumo de drogas e
quase nunca perdia
compromissos por conta do
uso. Sempre que sentia a
necessidade, interrompia
completamente o consumo.
Retornava muitas vezes por
alguma dificuldade
emocional ou até mesmo
por alegria. Mas para os
seus irmãos a situação não
parecia tão fácil.
“Eu nunca perdi um
compromisso por conta
das drogas. Depois de um
tempo me cansei um
pouco de tudo o que
acontecia e decidi ir
trabalhar em outro lugar.
Mas eu vejo até hoje o
quanto é difícil para o
meu irmão mais novo se
controlar”, relata.
Para o irmão, José
Iramilson, 32 anos, a luta
contra o vício continua.
“Na verdade, a vontade
de consumir drogas vem
com muita força. Isso
mexe mesmo com o
psicológico das pessoas.
Mas eu estou lutando ao
máximo para controlar
este vício”, pontua ele,
afirmando ainda que a
fase de maior consumo
para a maioria é entre 18
e 25 anos.
En t r e i das e v i ndas , o mecân i co An t ôn i o I r ami l son
l embra das d i f i cu l dades em se man t e r f ora do v í c i o
Ainda na busca de se libertar do vício, o mecânico
José Iramilson tenta focar as suas energias no trabalho
Fábio, 13 anos,
moreno, estatura mediana
para a sua idade,
tranquilo, estudioso.
Seduzido pelas drogas na
porta da escola. Oito
anos depois, assassinado
pelo tráfico. Esta é história
dele, mas poderia ser a
sua ou de alguém da sua
família. Este cenário, que
está cada vez mais
explícito na sociedade e
com o tempo já vem sendo
tratado como algo
corriqueiro, continua sendo
tratado em segundo plano
pelos governos. Não são
poucos os casos de
famílias dilaceradas pela
perda de seus filhos, jovens
que se tornam adultos
viciados, chegando a
morar nas ruas e, muitas
vezes, cometendo crimes
Jovem assassinado começou na escola
violentos para sustentar o
vício.
Os adolescentes
passam a ser seduzidos
pelo vício nos seus
ambientes mais próximos,
e aparentemente
improváveis. Como no
caso de Fábio, que
pertence a uma família
que sequer faz o consumo
de bebidas alcoólicas e
encontrou as drogas na
escola. De acordo com a
mãe de Fábio, a dona de
casa Rita Xavier, e o pai, o
marceneiro José Xavier, foi
muito complicado
identificar o problema do
filho, já que não
conheciam nenhum tipo de
drogas e suas reações.
“Na verdade ele
começou a chegar em
casa bastante sonolento e
um pouco mais calado.
Nós só fomos perceber
que tinha algo de errado
quando alguns pertences
de casa começaram a
sumir. Foi bastante difícil
aceitar isso, já que temos
mais dois filhos que
estudavam em escolas
próximas a ele e não
passaram por este
problema. Nós tentamos
de tudo para salvá-lo, mas
infelizmente não
conseguimos”, relata
emocionada a dona de
casa. Ela ainda faz
questão de ressaltar que a
família sofre muito mais
com o problema do que o
filho em si.
Ainda segundo a mãe,
na tentativa de salvar o
filho, toda a família
passava as madrugadas
nas ruas tentando
encontrá-lo. Por diversas
vezes todos ficavam
bastante assustados com
os locais onde o jovem era
encontrado.
“Sempre tive medo de
não encontrá-lo ou de
receber a notícia de que
ele estava morto. E
infelizmente foi o que
aconteceu. Foi como se
tirassem um pedaço de
mim, nunca vou superar”,
relatou a mãe,
emocionada.
Fábio Xavier Ferreira
foi assassinado a tiros
aos 21 anos, próximo à
sua residência. Segundo a
família, o assassino de
Fábio foi morto meses
depois também por acerto
de contas do tráfico de
drogas.
baladas, roupas de moda e
visual impecável estão diante
dos olhos e atingem
diretamente a autoestima.
Na idade de descobertas e
necessidade de aceitação,
esta combinação pode
influenciar muito os jovens.
“As drogas têm se
tornado o grande bode
expiatório da sociedade
quando, na verdade, a
discussão deveria ser sobre
um processo educacional de
qualidade, o melhoramento
da cultura e ações sociais
efetivas para o verdadeiro
envolvimento dos jovens.
Hoje, a droga é um sintoma
da sociedade, não a
doença”, garante. Ainda
segundo a psicóloga, a
droga já faz parte da
sociedade e tentar negá-la é
um erro, quando na verdade
a saída seria um movimento
educacional contrário à
midiatização da pessoa.
Para Naldson Ramos,
sociólogo e professor da
Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT), o
aumento assustador e
gradativo do envolvimento
dos jovens com o mundo
das drogas está diretamente
relacionado com o ambiente
onde ele vive, independente
de classes sociais. Onde os
adolescentes se deparam
com drogas lícitas como
bebidas alcoólicas e cigarros
e as drogas consideradas
ilícitas, dentro da sua própria
residência.
”Outro caminho
bastante frequente para o
ingresso nas drogas é por
meio de relacionamentos e
convívio social,
principalmente nas escolas
ou na rua”, destaca o
sociólogo, lembrando ainda
que na fase da adolescência
o indivíduo necessita ainda
mais de pertencer a um
grupo, ou até mesmo liderá-
lo, o que pode facilitar o
início do uso dessas
substâncias simplesmente por
autoafirmação.
O sociólogo ainda
aponta a falta de diálogo
familiar como um dos
principais fomentadores do
aumento do problema. A
falta de políticas públicas de
atenção às drogas e o
método do tratamento do
assunto nas escolas
embasam o cenário
escabroso.
“Primeiro, no âmbito
da família, se conversa
pouco acerca dos riscos
sobre a saúde e a
segurança. Na maioria das
vezes os pais vão descobrir
o problema quando o
adolescente já apresenta
grandes sintomas de
dependência crítica,
dificultando as chances de
recuperação. A escola trata
o assunto de maneira
totalmente
descontextualizada. Dentro
do grupo social, o jovem
continua vulnerável, desta
forma as expectativas são
ruins”, pontua Naldson,
lembrando ainda que
pesquisas recentes revelam
que 60% dos usuários de
drogas tiveram início em
casa, na escola ou na rua
onde moram.
Cada v e z ma i s cedo o s j ov en s acabam en t r ando no
v í c i o da s d r oga s , mu i t a s v e z e s de f o rma de f i n i t i va
Pa r a a p s i có l oga Ma r a Cr i s t i na Tond i n ,
a i ndú s t r i a do p r a z e r imed i a t o f omen t a
o i ng r e s s o do s j ov en s na s d r oga s