CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 28 DE AGOSTO A 3 DE SETEMBRODE 2014
CAPA
P
G
8
FAPEMAT
Farra na concessão dos benefícios
Enquanto isso, estudantes de mestrado e doutorado sofrem para desenvolver sua produção científica dentro de Mato Grosso
Diego Frederici
A Fundação de
Amparo à Pesquisa do
Estado de Mato Grosso
(Fapemat), entidade
ligada diretamente à
Secretaria de Estado de
Ciência e Tecnologia
(Secitec), tem uma das
propostas mais
relevantes dentro da
sociedade: o incentivo à
pesquisa e à inovação.
Entretanto, como todo
órgão público, ela não
escapa dos interesses
políticos e econômicos
de pessoas influentes
que utilizam recursos
que deveriam auxiliar o
desenvolvimento de Mato
Grosso para ganhos
próprios.
O
Circuito Mato
Grosso
recebeu a
denúncia de que vários
servidores públicos
estariam se beneficiando
de bolsas de incentivo a
projetos, mas que na
prática não estariam
sendo desenvolvidas.
Enquanto isso, dezenas
de profissionais
interessados
efetivamente na
especialização não teriam
acesso a este
instrumento.
Ângela*
é uma
jovem que tem familiares
importantes em Mato
A necessidade de
avanços num país com
altos índices de
desigualdade social como
o Brasil motiva os
cientistas a fazerem sua
parte. Segundo o portal
SCImago
– que reúne
informações da
Scopus
, a
maior base de dados de
citações e resumos do
mundo –, nosso país
ocupou o 13º lugar em
2013 no ranking de
publicações do gênero, à
frente de países como
Holanda, Rússia, Israel e
Argentina. E se os
alunos que se dedicam à
produção do
conhecimento tivessem
incentivos, poderíamos
ser um modelo de
inovação para qualquer
outra nação.
Roberta*,
que pediu
para ter seu nome
preservado por medo de
retaliações, cursa um
programa de mestrado
em Cuiabá. No entanto,
concluir uma dissertação
de mestrado não é fácil,
afinal, debruçar-se sobre
outros textos
acadêmicos para
produzir um trabalho o
mais original possível, e
que tenha relevância
social, carece de
disciplina e
comprometimento
superior à de tarefas que
desenvolvemos em
ambientes de trabalho
que visam apenas lucro.
E as dificuldades
também atingem o bolso
daqueles que se dedicam
aos estudos.
“Inscrevi meu
projeto na Fapemat, mas
os avaliadores não o
consideraram relevante
para obtenção de bolsa.
Se para mim, que sou de
Mato Grosso, fica difícil
cobrir os custos, posso
imaginar como deve ser
para quem é de fora”,
disse.
A ciência é uma
ferramenta importante
para a humanidade, pois
nos ajuda a compreender
o mundo em que
vivemos. É por meio do
trabalho de homens e
mulheres cientistas que,
não raro, dedicam uma
vida inteira aos estudos,
que podemos analisar os
problemas e desenvolver
artigos, dissertações e
teses que ajudam a
solucionar questões
intrínsecas à sociedade.
Recentemente, o Brasil
teve uma grande vitória
na área com a conquista
da Medalha
Fields
,
considerada o “Nobel da
Matemática”, pelo
pesquisador Arthur Ávila
Cordeiro de Melo.
Júlia*,
outra
estudante que teme
represálias e por isso
pediu para não ser
identificada, também faz
parte de um programa de
mestrado em Cuiabá.
Distante da cidade onde
nasceu e cresceu, ela
precisa administrar
emocionalmente a
distância que a separa da
família para contribuir
com a produção de
conhecimento dentro do
seu estado de origem,
Mato Grosso. Mas a
saudade que sente de
parente e amigos não são
as únicas dificuldades
sentidas por ela nesse
relevante serviço à
sociedade.
“Também não obtive
bolsa e conto as moedas
para conseguir me
manter em Cuiabá. Além
do dinheiro do aluguel,
quando precisamos
expor nosso trabalho em
congressos – que é um
requisito para quem faz
mestrado –, temos que
arcar com estadia e
alimentação”, diz ela.
Júlia afirma que o
programa da
universidade tem ajuda
de custo para passagens
terrestres, mas que
algumas viagens são
inviáveis.
Esquema prejudica estudantes
que precisam de apoio
Em investigação
realizada pela equipe do
Circuito,
constatou-se
que há pelo menos um
problema na transparência
na divulgação dos
resultados daqueles que
recebem as bolsas da
modalidade bdt: no Diário
Oficial não é publicado o
nome do orientador e nem
o título do projeto de
pesquisa, que deveriam
obrigatoriamente estar
vinculados às pessoas que
recebem o benefício –
além das relações
suspeitas de parentesco e
amizade com políticos e
pessoas que ocupam
cargos de confiança na
esfera pública.
O presidente da
Fapemat, Flávio Teles
Carvalho da Silva,
afirmou que, apesar de a
Fundação verificar a
documentação e autorizar,
por meio de seu Conselho
Curador, a relevância e o
impacto econômico das
parcerias firmadas entre o
órgão de fomento à
pesquisa e as Instituições
de Ciência e Tecnologia
(ICTs) – que enviam as
demandas, bem como o
número de bolsas
pretendidas ao órgão
subordinado à Secitec –,
os relatórios de trabalho
são de responsabilidade
destes últimos, que
apresentam apenas um
relatório anual.
“O órgão que firma
parceria com a Fapemat é
responsável por nos
mandar os trabalhos
desenvolvidos
anualmente, por meio de
relatórios. Nesse órgão há
um orientador que
desenvolve um trabalho
com os bolsistas”.
Nome do orientador não é
publicado no Diário Oficial
Justificativa da Secitec
se contradiz com a prática
Respondendo aos
questionamentos do
Circuito Mato Grosso
, a
Secitec limitou-se a dizer
que as bolsas de
desenvolvimento
tecnológico são acessíveis,
dentre outras formas, por
meio de “editais públicos
de bolsas, termos de
cooperação técnica entre
Fapemat e instituições de
ciência e tecnologia e
bolsas previstas em
projetos de pesquisas
aprovadas em editais
[Universal, Pronex e
Pronem]”.
Se elas são acessíveis
por meio de editais, eles
não estão disponíveis para
consulta no site da Secitec
ou da Fapemat – muito
menos as pessoas
contempladas e os tipos de
trabalho que justificam o
uso desses recursos.
Grosso. Mesmo não
sendo funcionária efetiva
da secretaria, ela recebe
uma bolsa de
desenvolvimento
tecnológico no valor de
R$ 3.170,00, com
vigência de 01/7/2014 a
01/7/2015. Mesmo que a
jovem tenha boas
intenções, pesa contra
ela a falta de
transparência nos
negócios firmados entre
a Fapemat e o órgão que
solicitou a cooperação
com o instituto, nesse
caso a Secitec.
Coincidência ou não,
Ângela*
tem um parente
bem próximo que ocupa
um alto cargo na
Superintendência de
Desenvolvimento
Científico, Tecnológico
e de Inovação da Secitec
– além de ser sobrinha
de um candidato a
governador que está com
problemas na justiça.
Camila*
é prima de
Ângela*
, ou seja, ambas
têm como parente a
mesma pessoa que ocupa
um alto posto na
Superintendência de
Desenvolvimento
Científico da Secitec.
Ela, porém, é servidora
efetiva do Detran de
Mato Grosso e recebe
por mês R$ 2.453,78 do
órgão. Acontece que
Camila
* também foi
“agraciada” com uma
bolsa de
desenvolvimento
tecnológico, com
vigência de 01/7/2014 a
01/7/2015, período no
qual receberá R$
1.308,00 da fundação de
amparo à pesquisa.
Suzana*
parece não
ter nenhum parentesco
com pessoas dentro da
Secitec, mas é esposa de
um servidor de status na
Secretaria de Estado
Justiça (Sesp-MT) e tem
amizade com gente
importante na própria
Fapemat. Funcionária
efetiva da Secitec, com
salário de R$ 4.580,14
mensais, ela recebe uma
bolsa, publicada no Diário
Oficial do dia 16 de julho
de 2014, no valor de R$
1.902,00 – benefício
previsto até julho de 2015.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Mato Grosso carece de mais
transparência na distribuição de bolsas de apoio a pesquisadores
Sevocê temumparenteocupandoumcargo importantenaSecitec,
entãovocêpodeganharumabolsamais caraqueadaLouisVuitton
Flávio Teles, presidente da
Fapemat, afirma que
responsabilidade dos
projetos da bolsa de
desenvolvimento
tecnológico é dos institutos
parceiros
Apesar da falta de transparência, critérios justos e politicagem,
Brasil ocupa posição de destaque na pesquisa mundial