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CIRCUITOMATOGROSSO
POLÊMICA
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CUIABÁ, 28 DE AGOSTO A 3 DE SETEMBRODE 2014
RESSOCIALIZAÇÃO?
“Depósitos humanos” e exclusão
Juiz mato-grossense é contra o uso do termo “ressocialização” e defende promoção da cidadania
Sandra Carvalho
A situação nos
presídios brasileiros, onde
se incluem as unidades
prisionais de Mato Grosso,
é caótica, eles não atendem
às finalidades essenciais da
pena: punir e recuperar. Por
isso mesmo, sair da cadeia
e continuar fora dela não é
uma tarefa fácil para a
maioria dos ex-detentos,
resultado de uma triste
realidade dentro dos
presídios: apenas 20% dos
cerca de 600 mil presos no
país trabalham e 8,6%
estudam, números que
provavelmente levam a
outra estatística: 85%
voltam a praticar crimes
após deixar a prisão.
Os problemas estão aí
e se tornam cada vez
maiores. Existem as ideias
do que possa ser feito para
que possa ser transformada
a situação, as leis estão à
disposição de todos, mas
não bastam apenas normas
CNJ constata superlotação
e más condições de higiene
Em vistoria ao
Centro de
Ressocialização de
Cuiabá, o antigo
Carumbé, e ao Presídio
Feminino Ana Maria do
Couto, o juiz titular da 2ª
Vara de Execução Penal
de Campo Grande (MS)
e representante
designado pelo CNJ para
exercer a função de juiz-
coordenador do mutirão
em Mato Grosso, Albino
Coimbra Neto,
reconheceu que é muito
difícil que haja
recuperação dos presos
na situação em que os
presídios se encontram.
A Penitenciária Central
do Estado, antigo
Carumbé, é um deles:
abriga cerca de 2 mil
presos, embora sua
Reincidência de 80% é chocante
O juiz auxiliar da
Corregedoria-Geral da
Justiça de Mato Grosso
e responsável pelo
Grupo de
Monitoramento e
Fiscalização do Sistema
Penitenciário no Estado
(GMF), Jorge Luiz
Tadeu Rodrigues, disse
esta semana que pelo
menos 80% dos
cidadãos que deixam a
cadeia após cumprir a
pena voltam a cometer
crimes.
Diante desse dado,
considerado chocante
pelo juiz criminal Abel
Balbino, o magistrado
defendeu a necessidade
de investimento no setor
penitenciário mato-
grossense.
“Precisamos ser
inteligentes e trazer
esses cidadãos para o
lado do bem para que
eles não voltem a sair e
se voltar contra a
sociedade. Não
defendemos regalia aos
presos, mas é
fundamental tratá-los
como seres humanos,
para que eles sejam
reinseridos
socialmente”, pontuou.
se elas não são cumpridas
como devem, é necessário
colocar em prática de
maneira efetiva as normas
existentes em nosso
ordenamento, bem como a
Lei de Execuções Penais
(LEP) que se tem como
uma normatização
específica a respeito do
assunto e que este ano
completa 30 anos.
O juiz criminal Abel
Balbino Guimarães tem um
posicionamento firme sobre
o sistema prisional e se
recusa a pronunciar a
palavra ressocialização.
“Esses termos recuperação,
reeducação, ressocialização
vêm do pós-guerra. Temos
que falar em promover a
cidadania da pessoa que
praticou um crime. Se ela
praticou um crime, deve
ser retirada do convívio
social, porém ter o direito e
condições para retomar a
vida com dignidade após
cumprir a pena”, pondera o
magistrado.
Ele defende que o
sistema prisional deve ser
humanizado. Não basta
simplesmente colocar um
ser humano em uma
unidade penitenciária como
se fosse um tijolo, um saco
de cimento, um objeto. “A
gente tem que lutar
exatamente contra essa
história de depósito. É um
ser humano que foi
colocado lá e deve retornar
ao convívio social como
ser humano”.
E quando se fala em
socialização Abel Balbino
diz que é preciso remeter
imediatamente à inclusão,
lembrar que é preciso
incluir os presos na
sociedade. E observa, por
outro lado, que ‘aqui fora’
tem muita gente que se
sente excluída. “Ou será
que no Brasil não existem
os excluídos? A pessoa tem
escola, tem saúde, tem
acesso aos direitos mais
básicos como saneamento e
moradia? Em tese, ela está
livre, mas não está incluída.
É a mesma coisa da pessoa
que está presa. Muitos
excluídos aqui foram ficam
excluídos lá dentro. E
muitos incluídos aqui fora
passam à condição de
excluídos lá dentro”.
De forma direta e
indireta, essa condição de
exclusão na sociedade livre,
na análise do juiz, favorece
a prática criminosa. “O
fenômeno crime é um
fenômeno da humanidade.
Temos que trabalhar com
esse crime de maneira que
uma unidade penitenciária
não se torne um tipo de
escola para a prática
delituosa, mas de resgate da
cidadania”, detalhe Abel
Balbino, ressaltando que, no
entanto, para que isto
ocorra é preciso o
envolvimento efetivo não
apenas da gestão pública e
da Justiça, porém de todos
os setores da sociedade.
“As famílias, as
escolas e as igrejas têm
papel fundamental neste
processo, e depois é que
vêm propriamente os
poderes Legislativo,
Executivo e Judiciário.
Tudo isso faz parte desse
conjunto para que a gente
mantenha acesa a
sociabilidade tanto de quem
está aqui fora quanto de
quem ingressa em uma
unidade prisional. Temos
que colocar a pessoa lá e
uma vez presa ela deve ter
plenas condições de sair
melhor”.
CHAMA DA
CIDADANIA
O juiz Abel Balbino
ainda falou ao
Circuito
Mato Grosso
sobre a
importância de a sociedade
como um todo não desistir
de uma pessoa que cometeu
um crime. “Se prende
porque é necessário
prender. Prende porque
ofendeu a vida, a dignidade
sexual, o patrimônio, então
ela fica cerceada da
liberdade e nesse período é
preciso humanizar o
acolhimento o máximo
possível, manter acesa a
chama de cidadania. Essa é
a palavra correta. Em que
pese ele estar com essa
cidadania restrita até certo
ponto, mas a gente não
pode desistir do ser
humano porque ele continua
sendo um cidadão”.
Juiz criminal Abel
Balbino diz que a
exclusão ocorre dentro
e fora dos presídios
Para o juiz
Jorge Luiz
Tadeu, presos
não devem ter
regalias, mas
serem tratados
como seres
humanos
JuizAlbino Coimbra, de
CampoGrande (MS),
vistoriou presídios emMato
Grosso comomembro do CNJ
capacidade seja para 890
pessoas.
“Mato Grosso não
foge à regra do resto dos
presídios do país. Ainda
há muita coisa a se
fazer. Falta oferta de
trabalho e cursos de
qualificação aos
recuperandos, rotinas no
interior das unidades,
condições adequadas de
higiene, sem contar com
o problema alarmante da
superlotação”, afirmou
Albino.
O magistrado falou
ainda da necessidade de
conscientizar a população
sobre o investimento no
setor prisional. “Investir
em presídio não é dar
conforto ao preso, mas
dar condições para que
ele saia daqui melhor e
não volte a cometer
novos delitos. A
reinserção social do
reeducando contribui
com a diminuição da
violência urbana”,
explicou.
Secretário garante que 50%
dos presos estudam e trabalham
O secretário de
Estado de Justiça e
Direitos Humanos, Luiz
Antônio Possas de
Carvalho, informou esta
semana, durante evento
sobre ressocialização, que
mais de 50% da população
de reeducandos encontra-
se em processo amplo de
estudo e trabalho.
“Esse índice é
incentivador e espero
terminar o ano com o
envolvimento de 100% da
população carcerário com
o trabalho e o estudo.
Pelo menos os que
querem terão a
oportunidade”, declarou o
secretário.
Ele ainda defendeu a
necessidade cada vez
maior de mostrar à
sociedade que o papel
fundamental do Estado
não é acautelar seres
humanos, mas recuperá-
los. “E através da
ressocialização que você
recupera quem está dentro
do sistema, você o tira
melhor do que entrou”.
Luiz Antônio Possas
de Carvalho também
destacou a importância da
abolição da revista
vexatória nas unidades
prisionais de Mato Grosso,
lembrando que
anteriormente 99%
estavam voltados para o
que chamou de “prática
medieval”.
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