EDIÇÃO IMPRESSA - 503 - page 6

CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 28 DE AGOSTO A 3 DE SETEMBRODE 2014
POLÊMICA
P
G
6
POLÍTICA
Judicialização preocupa Mendes
Com a judicialização, a participação popular, a busca de solução de conflitos é substituída por métodos tipicamente judiciais em
disputas cuja natureza originária é tipicamente política
Sandra Carvalho
A judicialização da
política no Brasil, que
ganhou força com a
promulgação da
Constituição de 1988, tem
levado cada vez mais à
expansão da área de
atuação das cortes judiciais
com a transferência de
decisões políticas aos
tribunais. E as pilhas de
processos triplicam durante
o período eleitoral.
Diariamente são noticiadas
ações contra este ou aquele
candidato, movidas
principalmente pela vontade
de tornar o adversário
inelegível, influenciando
diretamente no resultado
das eleições.
Para o ministro do
Supremo Tribunal Federal
(STF) Gilmar Mendes, o
chamado “fenômeno da
judicialização da política” –
Um verdadeiro
tiroteiro. É esta a
análise política do
professor aposentado
da Universidade
Federal de Mato
Grosso, Alfredo da
Mota Menezes, quanto
a esse jogo dos
candidatos ao
governo, neste
processo de
judicialização. Ou seja,
de utilizar dos meios
judiciais para
inviabilizar o processo
eleitoral, ao invés de
seguir o curso natural
do resultado das
urnas, expondo
propostas ao eleitor.
“Não tem jeito de
ser diferente. Olha o
absurdo que estou
dizendo. Antigamente
tinham várias
coordenações de
campanha e hoje só
tem duas: é a jurídica
e a de marqueteiro”,
continua Alfredo da
Mota.
Ele avalia que por
mais que um candidato
não queira se
judicializar, o outro
lado “vai bater nele”,
vai buscar coisas na
justiça e etecetera para
impedir isso e aquilo.
“Então todo mundo se
arma e vira um tiroteiro.
No fundo se não tiver
uma reforma política e
eleitoral não vai acabar
isso nunca. Não tem para
onde fugir. A regra é
essa”.
Ele avalia que uma
das saídas para atenuar
esta estratégia é acabar
com a quantidade de
partidos.
Para o analista
político João Edison, este
cenário político há um
mês e meio para o voto,
causa uma insegurança
para o eleitor. “E a
indecisão nos tribunais
aumenta esta relação de
insegurança, de votar ou
eleger alguém que não vai
assumir depois. Isso é
ruim para o eleitorado,
para a democracia. É
ruim para o eleitor”, frisa
o analista política.
Para ele as ações
jurídicas estão
interferindo
excessivamente na
política e explica que o
que se prevê na
constituição são os três
poderes (o Judiciário,
Executivo e Legislativo)
independentes, mas
harmônicos, hoje já são
dependentes um do
outro, de uma maneira
que assim como a politica
está para o judiciário, o
judiciário está para a
política.
“E há essa troca de
favores, mais utilização
instrumental de um poder
ou outro. Esta prática se
tornou mais incidente nos
últimos anos, a partir de
2010. As operações da
Ararath, por exemplo,
estão interferindo de
forma direta na política,
no discurso, no debate,
na forma de
convencimento do eleitor,
para o resultado das
eleições”, explica ele.
O maior reflexo desta
eleição é o crescente
desinteresse da população
pela politica, onde o
número de pessoas que
irão votar em branco
subiu, o que na
verdade prejudica, pois
é quase uma abstenção.
A diferença do voto
nulo para branco é que
no primeiro caso o
eleitor está dizendo que
não concorda com o
modelo eletivo. “É um
cenário onde as
pessoas estão tendo
uma indigestão política
com os políticos. Há
um afastamento do
processo eleitoral. O
número de indecisos é
bem superior do que o
número de pessoas que
já escolheram seus
candidatos. Isto porque
não enxergam na
política a pureza que
ela deveria ter.
Ninguém quis a política
inocente, mas sim com
menos falcatrua e
menos interferência
dos outros poderes.
Bem como as
coligações, mais as
maracutaias fazem as
pessoas se afastarem
cada vez mais da vida
cidadã. E promessa, o
que eles estão fazendo,
é diferente de
propostas”, sinaliza
João Edison.
C
humbo trocado durante processos eleitorais
A filósofa Maria Luiza Quaresma Tonelli, ao defender
sua tese de doutorado pela Universidade de São Paulo,
analisa a judicialização da política e a soberania popular e
expõe sua preocupação com a redução da democracia ao
Estado de Direito.
Para ela, isso significa que a soberania popular passa a
ser tutelada pelo Poder Judiciário, cristalizando a ideia de
que a legitimidade da democracia está sujeita às decisões
dos tribunais constitucionais. “Os cidadãos são
desresponsabilizados de uma participação maior na vida
política do país; nesse contexto, estabelece-se o
desequilíbrio entre os poderes e generaliza-se uma
percepção negativa da política e até a sua criminalização”,
alerta. “Ora, decisões judiciais e decisões políticas são
formas distintas de solução de conflitos. Por isso o tema da
judicialização da política remete à tensão entre a democracia
e o Estado de Direito”, observa a especialista.
Ela pondera ainda que a judicialização da política reduz
a democracia ao Estado de Direito, e estamos percebendo
que alcançou patamares inimagináveis. “Nesse contexto, em
que vigora a ideia conservadora de que a democracia emana
do Direito e não da soberania popular, a criminalização da
política é consequência da judicialização. Isso é
extremamente preocupante, pois se generaliza uma ideia
negativa da política”, conclui.
Para Pedro Benedito
Maciel Neto, advogado,
professor universitário,
especialista em Direito
Processual Civil e
Filosofia Social,
a judicialização da política
se contrapõe às ações e
práticas necessárias e
típicas da
sociedade civil
,
pois na judicialização a
participação popular, as
ações políticas, o debate, a
busca de solução
negociada dos conflitos
são substituídos por
métodos tipicamente
judiciais em disputas cuja
natureza originária é
tipicamente política. E este
fenômeno estaria
enfraquecendo a sociedade
civil.
“Quando me refiro
à judicialização, falo sobre
o fenômeno de expansão
Judicialização leva
à criminalização
Fenômeno enfraquece a sociedade civil
do Poder Judiciário na
vida política do país, um
fato que a rigor não é
novo, pois desde há muito
tempo muitos países
ocidentais e democráticos
passaram a adotar o
Tribunal Constitucional
como mecanismo de
controle dos demais
poderes”. Em outras
palavras, Pedro Benedito
diz que passou a haver um
sistema que obriga que o
Poder Executivo a
negociar seu plano de ação
política com o Parlamento
e a preocupar-se em não
infringir a Constituição.
E esse efeito imediato
da inércia dos demais
poderes é a efetiva
participação do Poder
Judiciário nos processos
decisórios de natureza
política, o que, segundo o
especialista, parece a
princípio muito positivo,
pois o Judiciário ocupa
função estratégica no
controle dos demais e teria
independência e
imparcialidade
necessárias.
que ele considera muito
preocupante por acabar
direcionando a escolha do
cidadão na hora do voto –
ocorre porque existe um
controle de
constitucionalidade muito
grande, tanto das normas
como da omissão. E assim
os conflitos políticos
acabam se transformando
em conflitos jurídicos.
E o cidadão se vê
novamente no meio deste
fogo cruzado quando, por
divergências políticas,
agentes acabam sendo
cassados, tornando sua
gestão instável, com
reflexos diretos na
população.
“Acredito que a Justiça
Eleitoral deve agir no
sentido de prevenir os
abusos para evitar o
ajuizamento de centenas de
ações, causando uma
superlotação de processos
no Poder Judiciário e,
consequentemente,
insegurança jurídica e
orçamentária nas cidades,
estados ou até mesmo no
parlamento com a cassação
de mandatos de políticos.
Com o excesso de
judicialização, segundo o
ministro Gilmar Mendes, a
Justiça Eleitoral tem
adotado parâmetros mais
severos, inclusive com a
cassação de mandato de
prefeitos, vereadores e
deputados.
“A maioria das ações
refere-se a abuso do poder
econômico. E isto se dá
quando o sujeito já está no
meio do mandato e aí
ocorrem as liminares que
levam à cassação do
mandato de um político que
foi eleito pelo povo e que
acaba sendo substituído por
outro. Assim, a população
fica observando esse jogo
de empurra e sofrendo as
consequências da
instabilidade da gestão”.
Para o ministro, há
falta de capacidade dos
segmentos políticos de
produzir consenso sobre
questões básicas. “Daí a
submissão ao Judiciário em
temas como fidelidade
partidária ou trancamento
de pauta por causa de
medidas provisórias. Não
há no âmbito político
instância para solução de
conflitos”.
Mendes considera o
tema bastante delicado no
âmbito da discussão até
pelo fato de já terem sido
cassados mais políticos na
democracia do que durante
a ditadura. “O excesso de
cassação é preocupante e
como uma afronta ao
processo democrático.
Apesar da comoção
midiática com as ações de
cassação, é preciso ficar
atento”.
E conclui: “Esse
fenômeno não encontra
paradigma nas democracias
maduras, chega-se ao
absurdo de minorias
derrotadas majoritariamente
na arena política buscarem
na Justiça revogar ou
desqualificar as decisões da
maioria”.
O ministro do STJ Gilmar Mendes falou
sobre o tema durante evento em Cuiabá
Especialista Pedro Benedito Maricel Neto fala na inércia dos
demais poderes e que acaba sobrecarregando o Judiciário
Importância da assessoria jurídica na campanha atesta
judicialização da política, na opinião deAlfredo daMotaMenezes
Ataques e excesso de ações de um candidato contra o outro
provocam indigestão no eleitor segundo João Edisom
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