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POLÊMICA
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CUIABÁ, 21 A 27 DE AGOSTODE 2014
SUS
Falta de médicos se agrava em MT
Ainda faltam médicos para atender os 100 municípios carentes de profissionais da rede pública de saúde. Mais Médicos
dispõem de 200 e já houve desistência
Beatriz Saturnino
“Caos” já virou uma
palavra clichê para
definir as condições da
infraestrutura e do
atendimento oferecido
pelo Sistema Único de
Saúde (SUS) à população
mato-grossense. Faltam
profissionais que queiram
embarcar na empreitada!
Pacientes e médicos
vivem um verdadeiro
rastejo, onde o problema
varia desde a falta de
leitos, medicamentos
básicos, como
analgésicos e
antibióticos, também
esparadrapos, agulhas,
soro, à demora em
conseguir consultas
médicas, exames e
profissionais para
realizarem o próprio
atendimento.
São 2,6 milhões que
dependem
exclusivamente do SUS
em Mato Grosso, ou
seja, 81,25% da
população, apontam os
dados da Agência
Nacional de Saúde
Suplementar (ANS).
Levando em conta que há
em torno de 4,7 mil
médicos ativos no
Estado, estando metade
em Cuiabá e Várzea
Não bastasse a falta de
médicos em diversas
especialidades, a lentidão
no atendimento a saúde no
Estado de Mato Grosso é
outro fator revoltante à
população, que demora
meses para conseguir uma
consulta, até ano para
fazer os exames, e quando
retornam o problema está
agravado, ou mesmo,
aparecem outros. Há casos
de óbitos sem se quer
conhecer o diagnóstico.
“Nossa saúde está
péssima. Você precisa de
um médico a consulta é
para daqui a quatro ou seis
meses. Depois, para fazer
o exame fiquei um ano
esperando. E agora vou
entregar para quem? O
médico que eu faço
tratamento, que é
cardiologista, vai se
aposentar e terei que
esperar a Central de
Regulação em Cuiabá me
encaminhar para outro.
Acontecem de pessoas
morrerem esperando para
fazer o exame, como o
meu pai”, disse indignada a
trabalhadora em serviços
gerais, Maria José da Silva,
de 45 anos, que está
aposentada por um AVC
(Acidente Vascular
Cerebral). Na visão dela, a
falta de médicos advém da
ausência de investimento
em salários compatíveis,
bem como condições
inadequadas nos serviços
da saúde pública pelo
Governo. “Nós pagamos
impostos, então é nosso
direito ter médicos e sem
precisar solicitar de fora
do país. E hoje tudo o que
for fazer é cobrado
imposto, até na garrafa de
água que estou bebendo
agora. Eu acho que nosso
país tem médicos”, cobra a
aposentada assistida pelo
INSS (Instituto Nacional
do Seguro Social), que
reside em Várzea Grande.
Outro caso é da dona
de casa Cilsa Rosana dos
Santos, de 39 anos, que
reside no município de
Juína, a 731 km de Cuiabá,
e está a espera do colete
para desvio de coluna ao
filho com deficiência, por
má formação no cérebro.
No mês de março foi
diagnosticado o problema e
pela urgência os pais
resolveram pagar pelo
colete, no valor de R$
1.115,00, pois pelo
Sistema Único de Saúde
(SUS) não tinha previsão
para conseguir o benefício.
Pacientes ficam sem saída
A triste situação da
recusa de médicos a
trabalhar no interior muita
das vezes ocorre, pois
segundo constata Conselho
Regional deMedicina de
Mato Grosso (CRM/MT),
Gabriel Felsky dos Anjos,
normalmente eles são
ludibriados com altos
salários, que por fim, ficam
a mercê de atrasos,
inadimplência, até a quebra
de contrato por falta do
recurso pretendido.
Sendo assim, ainda
desprovidos de lazer, com o
desconforto da distância,
entre outros fatores, estes
preferem estudar para a
residência, concurso público
ou saem do Estado em
busca de melhores
condições de trabalho.
São tantos os
problemas e tamanha é a
discrepância, quando se fala
em saúde pública, que
desanima até mesmo a
classe médica que,
conforme informações do
representante do CRM,
médicos da rede pública
local recebem em torno de
R$ 3 mil emMato Grosso e
o programa do governo
Federal, que oportuniza
tambémmédicos
Profissionais recusam
trabalhar no interior
estrangeiros, paga R$ 10 mil
mensal. “No ano passado
tivemos muita dificuldade
em conseguir médicos para
o município, onde não havia
nenhum, por causa da
logística da cidade, estrada
de chão, onde os municípios
mais perto de Colniza ficam
a 150 quilômetros (Km),
que é tanto Aripuanã ou
Cotriguaçu. Eles não se
adaptam e em poucos meses
vão embora. Hoje o salário
do médico vai até R$ 23 mil,
para oito horas por dia”,
salientou o prefeito de
Colniza, Assis Raupp.
Município este
localizado há 1.160 km de
Cuiabá, e que possui apenas
um hospital com quatro mil
atendimentos, para quatro
clínicos gerais e um
ortopedista, contratados de
Rondônia, São Paulo e
Cuiabá.
Participando do
programa Mais Médicos,
com seis cubanos, as
necessidades de Colniza
seguem com a falta de
equipamentos, como de
tomografia e ressonância
magnética, onde o paciente
precisa se deslocar até o
município de Juína, a 320
km de distância.
Grande, o resultado
matemático torna-se
ainda mais preocupante.
Ou seja, a realidade é
a falta de médicos
generalizada, sinaliza o
tutor que acompanha e
planeja a supervisão dos
médicos do programa
Federal “Mais Médicos”,
Reinaldo Mota, onde
observa que dos 141
municípios, 100 não
possuíam atendimento
médico até o ano
passado. E agora passam
por uma readequação por
meio do recrutamento de
200 médicos, dentre
estrangeiros, em sua
maioria de Cuba, e outros
provenientes da
República Dominicana,
Honduras, Espanha,
México, Panamá e
Venezuela. Apenas três
deles são brasileiros.
“Ainda existe uma
demanda grande. Os
municípios do interior
nos pedem mais médicos.
Tem algumas cidades que
não tiveram o tempo
suficiente para fazer a
adesão, ou que tinham
médico na época e
deixaram de ter após”,
continua o tutor, também
professor do curso de
Medicina da Universidade
Federal de Mato Grosso,
Reinaldo Mota.
No Mais Médicos os
profissionais tem a
missão de atender a
saúde da família, para
fortalecer a atenção
básica nos municípios,
desenvolvendo ações de
prevenção, promoção e
atenção à saúde da
população nas Estratégias
de Saúde da Família,
antes Programa da Saúde
da Família (PSF).
A situação atual é
que três deles já
desistiram do programa
em Mato Grosso, que
segundo informa a
coordenadora do
programa Mais Médicos
no Estado, Gilce Gattas,
“por opção ou problemas
particulares”. Também
disse que alguns
municípios, mesmo
estando com necessidade
de profissionais, não
foram contemplados por
diversos motivos, a
exemplo, acesso e
finalização da adesão no
sistema. Já em Cuiabá,
conforme informações do
presidente do Conselho
Regional de Medicina de
Mato Grosso (CRM/MT),
Gabriel Felsky dos Anjos,
para a reportagem do
jornal Circuito Mato
Grosso, há médicos que
chegam a atender 80
pacientes em um dia,
num plantão de 12 horas,
no Pronto Socorro
Municipal de Cuiabá,
local que acaba
acolhendo toda a
demanda do Estado.
“E para você ver o
absurdo: falta
esparadrapo, num
hospital como um Pronto
Socorro. Faltam médicos
também, porque para
trabalhar numa estrutura
falida como essa, onde
não tem leito para se
deitar o paciente, não tem
exame, nem
medicamentos, você
acaba indispondo o
paciente, que quer que
você resolva o problema
dele e não tem como
resolver. Então o médico
no mínimo quer receber
bem”, salienta Gabriel
dos Anjos. E mesmo com
a oferta de R$ 10 mil por
mês no Mais Médicos,
profissionais brasileiros
ficaram resistentes em
participar deste
concurso, uma vez que o
programa é válido por
três anos.
Professor de Medicina da UFMT, Reinaldo Mota
aponta áreas onde faltam médicos em Mato Grosso
O prefeito de Colniza, Assis Raupp, reclama da dificuldade
para convencer médicos a atuar no interior
Pacientes vêm para a Capital em busca de assistência
médica depois de peregrinar pelo interior
Fotos: Beatriz Saturnino