EDIÇÃO IMPRESSA - 479 - page 4

CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 13 A 19 DEMARÇO DE 2014
CIDADES
P
G
4
CONTRASTE
Ouro no campo, caos na cidade...
Saúde, segurança e educação deixam a desejar num Estado que parece não saber partilhar a riqueza que produz na terra
Diego Frederici
A riqueza gerada por
Mato Grosso, principal
produtor de grãos do
país, parece não refletir
na melhoria de áreas tidas
como essenciais. Uma
recente pesquisa realizada
pela Confederação
Nacional das Indústrias
(CNI) e pelo Ibope
apontou as principais
demandas da população
em relação a serviços
prestados por órgãos
públicos. Nela, estão
expressos que melhorar a
saúde é prioridade para
quase metade dos
brasileiros (49%). Em
seguida, o combate à
violência e uma educação
de qualidade são
preferências para 31% e
28% respectivamente.
No entanto, na
opinião de alguns
especialistas ouvidos pelo
Circuito Mato Grosso
,
problemas podem
atrapalhar o
desenvolvimento do
Estado, tendo em vista
que a gestão de recursos
e demandas de cada uma
dessas áreas é deficiente.
Para o professor e
coordenador do Núcleo
de Pesquisa sobre
Violência na Universidade
Federal de Mato Grosso
(UFMT), Naldson Costa,
há problemas no combate
à violência, começando
pelo foco, que é a
repressão. Ele afirma que
o item mais eficiente para
medir a segurança de
determinada sociedade é
o índice de homicídios,
pois é o tipo de crime que
mais preocupa a
sociedade em razão de
ser “irreparável”. Nesse
cenário, os números de
Mato Grosso são
ENQUETE
Ozéas de Matos,
aposentado, Lixeira
“Aqui nós não temos saúde,
educação e muito menos
segurança. No final do ano
passado entraram na minha
casa, levaram meu carro e
fizeram a mudança, ainda
me prenderam junto com a
minha família, e a polícia
fez o quê? Nada, nem
mesmo foi até a minha casa
registrar a ocorrência.
Nós estamos abandonados,
à mercê da vontade de
qualquer um.”
Diomar Botelho, dona de
casa, moradora do bairro
Tijucal
“Nós não temos saúde,
segurança e muito menos
educação.Minha filha, por
exemplo, está na quinta série,
mas não sabe nada. Eles só
vão passando a criança de
classe em classe sem fazer
nada por ela. Só somos
lembrados nas eleições.
Daqui a pouco estarão nas
nossas casas pedindo votos,
mas, assim como nosso
governador, depois de eleito
não se lembrarão de nós.”
Márcia Machado,
trabalhadora de serviços
gerais, Rosário Oeste.
“Eu estou grávida e tenho
que vir à capital para
fazer o pré-natal porque
na minha cidade não tem
a mínima condição. Agora
veja só: eu estou no oitavo
mês de gestação e tenho
que enfrentar estrada,
tudo porque o governador
só lembra que tem
moradores na capital, o
interior está totalmente
abandonado.”
Último concurso do SUS foi em 2002
Principal demanda da
população, segundo a
pesquisa da CNI e do
Ibope, a saúde pede
socorro em Mato Grosso,
sobretudo no interior.
Além da falta de estrutura
para atendimento básico,
há déficit de pessoal para
preencher as vagas que
demandam profissionais,
tendo em vista que o
último concurso público
da Secretaria de Estado
de Saúde para
atendimento no Sistema
Único de Saúde (SUS)
ocorreu há doze anos, em
2002, e vigorou por
quatro anos, ainda na
gestão do governador
Blairo Maggi.
A informação é da
presidente do Sindicato
dos Servidores Públicos
da Saúde e do Meio
Ambiente do Estado de
Mato Grosso (Sisma/
MT), Alzita Ormond
Oliveira. Uma das
principais queixas da
sindicalista é a gestão por
meio de Organizações de
Saúde (OSSs). Desde que
o ex-secretário de Saúde
do Estado Pedro Henry
implantou essas
“parcerias” com empresas
privadas, prefeitos de
municípios do interior
fazem verdadeiras
romarias em busca de
recursos para a Saúde de
seus municípios,
enquanto essas entidades
gozam de recursos
polpudos.
“Estávamos à frente
na saúde. O Hemocentro
as Escolas de Saúde,
todos eram referência.
Mas quando se injeta
dinheiro nas OSSs,
indiretamente se prejudica
esses serviços públicos,
pois tira-se recursos deles
para investir nessas
empresas privadas”, diz.
Alzita afirma que,
apesar de terem
recebidos incentivos do
Governo Federal, por
meio do Ministério da
Saúde, durante a
implantação das OSSs, os
seguidos aditivos de
contrato que cada uma
delas recebeu não têm
recursos da União,
apenas do Estado. Os
aditivos são verbas a
mais injetadas nessas
empresas para cobrir
despesas que, na teoria,
não estavam nos planos
na assinatura do
contrato.
Além da falta de
dinheiro e gestão
precipitada, a líder
sindical chama a atenção
para a falta de concursos
públicos na área: “O
último concurso público
que tivemos para
profissionais do SUS que
a secretaria promoveu foi
em 2002. Estamos há 12
A educação é uma
das ferramentas mais
poderosas na
transformação de uma
sociedade. Relatório da
Organização das Nações
Unidas para a Educação, a
Ciência e a Cultura
(Unesco) aponta que o
ensino pode ajudar a
combater a pobreza e
capacitar as pessoas com
o conhecimento,
habilidades e a confiança
que precisam para
construir um futuro
melhor. Infelizmente no
Brasil, e também emMato
Grosso, jovens se sentem
desestimulados a serem
profissionais na área,
sobretudo professores, e
ajudar na formação de
outros cidadãos.
O presidente do
Sindicato dos
Trabalhadores no Ensino
Público de Mato Grosso
(Sintep-MT), Henrique
Lopes do Nascimento,
lamenta que “apenas a
população” tem o
entendimento de que a
educação deveria ser
tratada como prioridade,
dizendo que a
desvalorização salarial,
condições insalubres de
trabalho e problemas na
estrutura física e
curricular do ensino
público desestimulam as
pessoas a seguirem uma
carreira na área,
apontando para um
possível déficit,
principalmente entre os
jovens em formação.
“É uma pena que só a
população tenha o
entendimento de que a
educação é prioridade
numa sociedade e que os
políticos usem dessa
retórica apenas nas
eleições. O profissional
continua desvalorizado e
ninguémmais quer
trabalhar na educação,
sobretudo os jovens”, diz.
Uma pesquisa
realizada em 2013 pela
Faculdade de Educação
da Universidade de São
Paulo (USP) mostra que
metade dos alunos
graduandos dos cursos
de Matemática, Física e
Química – mesmo sendo
da modalidade
licenciatura – não
pretendem encarar uma
sala de aula. Um outro
levantamento, feito pela
Fundação Carlos Chagas
em 2009, concluiu que
apenas 2% dos
estudantes desejavam
fazer o magistério.
O presidente do
Sintep afirma que o caso
de Mato Grosso
preocupa, entre outros
motivos, pelo fato de o
próprio governo não
seguir a legislação que, na
Constituição Estadual,
obriga o poder público a
destinar 35% do Produto
Interno Bruto (PIB) para a
área. Segundo ele, a
legislação garante o
respaldo jurídico, mas
falta vontade política dos
governantes.
“Não há
transparência na aplicação
de recursos nem
concursos públicos. As
bases já estão instaladas,
como a gestão
democrática das escolas e
a farta legislação
existente”, diz.
Educação ainda
não é prioridade
Henrique do Nascimento,
presidente do SINTEP-
MT, afirma que
profissional continua
desvalorizado e que o
jovem não quer trabalhar
na educação
anos sem esses
processos. Profissionais
são contratados, os mais
antigos se aposentam e
não há servidores efetivos
para substituí-los”.
Gestão ineficiente e falta de pessoal prejudicam
saúde em Mato Grosso, um Estado que entregou
essa área essencial a empresas privadas
desalentadores.
“A vida é o bem
maior que a sociedade
possui. Em 2003 foram
604 crimes de homicídio
em todo o Estado. Em
2012 esse número passou
para 908. Os dados são
da Secretaria de
Segurança e por certo em
2013 mantém-se a
tendência”, diz.
Dados do Mapa da
Violência 2012: Os novos
padrões da Violência
Homicida no Brasil,
produzido pelo Instituto
Sangari, levantaram o
histórico desse tipo de
ação criminosa nos
últimos 30 anos, em Mato
Grosso e os compararam
à média nacional. Apesar
de o número total de
assassinatos ter caído ao
longo de dez anos (de
39,8 em 2000 para 31,7
em 2010, para cada 100
mil habitantes), o Estado
ainda supera a média
brasileira, que pouco
mudou nesse mesmo
período (26,7 no início da
década passada e 26,2 no
último ano).
Naldson sublinha que
os números preocupam,
afirmando que de acordo
com resolução da ONU,
Para o professor e
pesquisador da UFMT
Naldson Ramos, apenas
repressão não resolve
problema da segurança
pública
Em nove anos, índice de homicídios subiu 50% no Estado,
passando de 604 em 2003 para 908 em 2012
uma sociedade que possui
uma taxa de homicídio a
partir de 10 mortes para
cada grupo de 100 mil
pessoas é muito
preocupante. Entre 10 e
20 é considerado grave e
acima desses patamares o
professor pontua que se
trata de locais com
problemas “gravíssimos”
de segurança pública.
Ele também chama a
atenção para a forma
como a violência é
combatida, afirmando que
“só repressão” não
resolverá o problema:
“Nenhuma conduta
humana legal ou ilegal
pode ser mudada por meio
de um decreto. Repressão
possui seu grau de
eficiência. Mas uma
mudança de
comportamento depende
de outros fatores, como
acesso a qualidade de
vida, por meio de saúde,
educação emprego etc.”.
Fotos: Mary Juruna
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