CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 23 A 29 DE JANEIRO DE 2014
POLÊMICA
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REVELIA
Silval ignora Lei Anticorrupção
A regulamentação da Lei 12.846 (Lei Anticorrupção), que entra em vigor dia 29 de janeiro, ainda é uma interrogação em MT
Rita Anibal
A Lei Anticorrupção
entrará em vigor no
próximo dia 29 e o Governo
de Mato Grosso ainda
engatinha na elaboração de
projeto para regulamentar o
dispositivo. Com a validade
da lei a partir deste dia 29
de janeiro, empresas que
subornarem agentes
públicos ou fraudarem
licitações poderão ser
multadas em até 20% do
seu faturamento bruto
anual. A punição é pesada e
tenta mudar a percepção de
que no Brasil só os
corruptos aparecem,
jogando holofote nos
corruptores, com a criação
do Cadastro Nacional de
Empresas Punidas (CNEP),
que reunirá e dará
publicidade da pena.
O Estado de Mato
Grosso só começou a
esboçar um projeto para a
regulamentação da lei pelo
governador Silval Barbosa
(PMDB) após reunião em
Brasília na segunda-feira
20/01, convocada pela CGU
e Conselho Nacional de
Controle Interno (Conaci).
Cristiane Laura de
Licitação do VLT poderia ser enquadrada na nova lei
Caso recente e
amplamente divulgado foi
a licitação para definir o
consórcio construtor do
Veículo Leve Sobre
Trilhos (VLT) de Cuiabá,
atualmente orçado em R$
1,47 bilhão, que tinha o
vencedor conhecido pelo
menos um mês antes da
entrega das propostas
dos consórcios
concorrentes e da
abertura dos envelopes.
À época, Rowles
Magalhães Pereira da
Silva, assessor especial
do vice-governador
Chico Daltro, adiantou
que o consórcio VLT
Cuiabá venceria a
licitação e que integrantes
do governo estadual
receberam uma propina
da ordem de R$ 80
milhões para viabilizar o
negócio. O caso ganhou
repercussão nacional e
Rowles foi demitido.
Caso a Lei
Anticorrupção estivesse
em vigor, o consórcio
poderia ter sido punido
com multas
estratosféricas
(calculadas sobre o
faturamento bruto de
cada empresa) e a
punição teria sido
publicada em mídias de
repercussão nacional. Os
integrantes do governo
deveriam ser submetidos
às sanções segundo o
Código Penal e da Lei do
Funcionalismo Público.
Outro exemplo que
poderia ser enquadrado
na nova lei seria a
gravação-denúncia do
vereador e ex-presidente
da Câmara de Cuiabá
João Emanuel (PSD). No
vídeo, o vereador propõe
um detalhe no processo
licitatório (uma máquina
de impressão) para que a
empresa vencesse o
certame e garantisse a
propina.
Se a empresa
houvesse sido declarada
vencedora da licitação,
estaria enquadrada na
nova Lei Anticorrupção e
sofreria multas e teria o
nome incluso no
Cadastro Nacional de
Empresas Punidas
(CNEP). João Emanuel
foi destituído do cargo e
aguarda posicionamento
da Justiça e da Comissão
de Ética da Câmara
Municipal de Cuiabá.
Licitação do VLT, com denúncias de pagamento de propinas,
puniria as empresas do consórcio com altas multas
Outros estados já
estão se preparando
Das 27 entidades federativas, três devem
regulamentar a lei nos próximos dias e apenas um –
Tocantins – já a regulamentou. Outros 18 ainda
elaboram projetos ou discutem sua elaboração,
inclusive o Estado de Mato Grosso.
Amapá, Paraná e Rio Grande do Sul devem
regulamentar a lei nas próximas semanas. Espírito
Santo, Distrito Federal, Minas Gerais, Mato Grosso do
Sul, Pará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo
discutem projetos nesse sentido. Os outros estados
não têm projeto ou ele ainda está em elaboração.
Para que surta efeito significativo no Brasil todo, é
importante a regulamentação da lei em todos os
estados, segundo o secretário-executivo da CGU,
Carlos Higino. Em entrevista ao UOL, ele diz que o
governo federal não pode obrigá-los a regulamentar o
dispositivo, mas quem não fizer isso afugentará
investidores. “As empresas têm que ter clareza do que
vai acontecer em casos de corrupção”, diz.
Muito embora a nova lei anticorrupção ainda tenha
suas deficiências, sua entrada em vigor será uma
iniciativa importante para que o país passe a ocupar
uma melhor posição no cenário mundial, especialmente
considerando que, de acordo com o índice de
percepção da corrupção (Corruption Perception
Index), o Brasil ainda ocupa a 72ª posição, atrás de
países como Namíbia, Gana e Kuwait.
A busca de formas para combater o problema da
corrupção interessa ao cidadão comum e à sociedade
como um todo que, infelizmente, não tem na classe
política um bom exemplo.
João Edison de
Souza, analista
político, é enfático
ao dizer: “O
governador não tem
interesse nenhum
em regulamentar a
lei, principalmente
em final de mandato
e com tantas
demandas que ainda
tem o estado”.
Souza lembra
que muitos casos
acontecidos no
governo de Silval
Barbosa poderiam
ter sido enquadrados
na nova lei, caso
houvesse lisura nas
contratações das
empresas e na
elaboração dos
editais.
O analista
acredita que o
governo sempre
encontrará
‘brechas’ para
auferir alguma
vantagem e
beneficiar
‘empresas-amigas’ e
alerta sobre uma
“Lei não interessa ao governador”
possível ‘cultura de
presentes’, mimos que
poderão ser entregues
a agentes públicos
saindo de contas
pessoais de
empresários, o que
não seria
caracterizado como
corrupção.
“O corruptor é
tão hediondo quanto
o corruptível”,
sintetiza o
professor-doutor
Alfredo da Mota
Menezes, sobre a
lei que pune
também o setor
empresarial.
Menezes relata que
os agentes e
servidores públicos
(corruptíveis) eram
os que sofriam
sanções quando
descoberta a
falcatrua e, com a
nova lei, o
empresariado
(corruptor) agora
também terá severa
punição.
O professor
adverte que um
governo corrupto
pode apresentar um
processo licitatório
feito dentro da
normalidade e
“usarem os aditivos
para eventuais
pagamentos de
propina”.
Souza, secretária-adjunta da
Corregedoria Geral do
Estado, participou da
reunião em Brasília e
confirmou que estão
elaborando o projeto a
partir da reunião com a
CGU, alinhando-se com os
demais estados da
Federação. A secretária-
adjunta prevê prazo de 30
dias para finalizar o projeto
e entregar ao governador
para que ele regulamente a
lei em Mato Grosso.
Existem duas
estratégias da lei de
combate à corrupção
empresarial: uma de
repressão e outra de
investigação. No
front
repressivo, aplicam-se
multas pesadas às
companhias que oferecem
ou pagam propina a
servidores e fraudam
licitações e as obrigam a
publicar a sentença em
veículos de comunicação.
No
front
investigativo, são
oferecidos benefícios para
empresas que admitem os
ilícitos e colaboram com
delações ou provas – por
meio dos acordos de
leniência, que reduzem a
multa em até dois terços. A
punição é administrativa,
aplicada diretamente pelos
governos, sem passar pelo
congestionado Poder
Judiciário. No Código Penal
brasileiro já se pune a
prática de corrupção ativa,
corrupção passiva,
peculato, prevaricação,
concussão etc. Nesses
casos, quem responde pela
sanção penal é a pessoa
física, ou seja, o ser
humano que for condenado
por um desses crimes
contra a administração
pública. Com a nova lei, a
responsabilização
administrativa e civil de
pessoas jurídicas por atos
de corrupção, como, por
exemplo, fraudar, mediante
ajuste, o caráter
competitivo de um
procedimento licitatório
público.
Essa normatização
levará empresas a se
preocuparem em criar
novas estruturas de
políticas de controle, uma
vez que a existência de
“compliance” (controle
ético e de obediência às
leis) poderá servir como
atenuante e assim terem
suas multas reduzidas.
O governador Silval Barbosa tem o poder de acelerar a regulamentação da Lei Anticorrpção
ProfessorAlfredo daMotaMenezes aponta ‘brechas’na nova lei
Fotos: Mary Juruna