CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 5 A 11 DE SETEMBRO DE 2013
POLÊMICA
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REVOLTA
Negligência e descaso na educação
Com desvios de finalidade e falta de fiscalização dos recursos públicos, a educação é penalizada.
Por: Rita Anibal. Fotos: Mary Juruna
Baixa qualidade,
desmotivação de professores
e alunos, salários que mal
chegam a proporcionar o
mínimo de sobrevivência,
abandono do cargo e alto
índice de licenças médicas,
infraestrutura deficiente,
acomodação do gestor no
cargo, clientelismo,
fisiologismo... É longa a lista
que coloca a educação de
Mato Grosso sem
perspectivas de avanço, por
mais que os profissionais da
área lutem para ser ouvidos e
atendidos em suas
reivindicações, nem que seja
por medida extrema como a
greve. A insensibilidade
política com a classe sempre
é traduzida com a já
conhecida frase: “Não há
dinheiro em caixa!”.
O governo, que se utiliza
dessa artimanha para não
conceder aumentos reais e
atender às demandas sérias e
imediatas de infraestrutura
Realidade da educação
tira professor da carreira
O primeiro contato com
a realidade da escola
pública mato-grossense foi
marcante na vida da
professora de educação
física Dulcinei Campos
Gomes Serra, ou
simplesmente professora
Dulce. Ela ministrava aulas
no cascalho, sem quadra
apropriada, material
esportivo em escassez e
precisando usar a
criatividade com sucatas
para confeccionar suportes
para aulas recreativas e
esportivas; relembra com
saudade dessa época não
pelo sofrimento, mas pelo
despertar da criação pela
necessidade. Integrante do
Projeto Rondon, Dulce
trabalhava de segunda a
segunda, num
entrelaçamento de áreas
para minimizar o
padecimento dos alunos do
bairro Planalto,
anteriormente uma região
muito precária de assistência
pública. Diante dos
Candidatos cada vez mais
desiludidos com magistério
O professor faz uma
analogia: “O Estado
[unidade da Federação]
que mantém um quadro
estável de profissionais
na educação tem alta
colocação no Índice de
Desenvolvimento da
Educação Básica (Ideb)”,
fator que não se aplica a
Mato Grosso, pois o
Estado tem um número
exacerbado de
professores contratados,
gerando uma
rotatividade prejudicial
ao desenvolvimento da
educação. Itens como
dupla/tripla jornada de
trabalho devido aos
salários muito baixos são
outro fator
preponderante para a
baixa qualidade de
ensino.
Some-se a esses
aspectos negativos a
diminuição drástica de
alunos no ensino
Maquiagem de números e
desvios de finalidade
Falta de fiscalização
provoca desperdício
superior para formação
de professores. O último
Censo da Educação
Superior do Instituto
Nacional de Estudos e
Pesquisas Educacionais
(Inep) do Ministério da
Educação (MEC) mostra
que em 2005 eram 103
mil alunos, caindo para
menos da metade em
2009. Atualmente, não
alcança a marca de 50
mil matriculados,
mostrando uma tendência
decrescente e apontando
uma escassez de
professores num futuro
muito próximo.
O pesquisador
destaca que, no ensino
público, existem duas
classes distintas: aquela
que atua nos Institutos
Federais de Educação,
com professores
contratados em período
integral, salários
condizentes e
possibilidade de se
atualizarem
constantemente; e a
classe das escolas
públicas que oferecem
os ensinos regulares
para a maioria dos
estudantes, com
salários baixos e
aquém da necessidade
de sobrevivência.
Casos de escolas
públicas que se tornam
“ilhas de excelência”
não se dão por
atuação do poder
público e, sim, pela
abnegação e
compromisso de
professores e alunos,
destaca o mestre. “A
consciência cidadã
deve ser fortalecida.
Afinal, temos boas leis
educacionais; o que
prejudica é o abismo
formado entre as leis e
a realidade”, sintetiza
o professor da UFMT.
obstáculos colocados pela
rede pública estadual de
educação e salários que não
contemplavam as
necessidades básicas
decorrentes de uma família,
como morar, vestir e comer,
a desilusão a fez migrar
para a rede privada.
“Precisei tomar uma
decisão que determinou meu
futuro como professora:
abandonar a sala de aula
pública para poder exercer a
paixão que tenho pela
educação física de forma mais
eficiente”, relata a professora,
que montou sua própria
academia, onde atende uma
clientela muito grande, mas
com atenção especial às
crianças e à terceira idade.
Júlio César Viana
observa, por outro lado,
que existe lei que fixa em
60% os gastos da Seduc
em salários, o que
provoca as reações: se
não atinge esse limite, o
salário diminui; se ocorre
aumento substancial de
contratações, o rateio fica
menor significando
salários mais baixos.
Caso a arrecadação do
Estado diminua, diminui-
se, também, o montante
gasto na educação; se as
concessões de incentivos
e renúncias fiscais
aumentam, obviamente a
educação é atingida com
menos injeção de
dinheiro. O professor
lembra: “O Estado de
Mato Grosso vem num
crescente de
arrecadação, mantendo
uma média de 15% ao
ano. Descontado a
inflação, mantém 7% de
aumento real de
numerários, mesmo
considerando as
evasões”. Esse processo
de crescimento da
economia reflete
diretamente no
crescimento da
arrecadação.
O sindicalista conclui
fazendo uma análise
negativa do momento
educacional mato-
grossense ao informar
que, na Lei Orçamentária
Anual (LOA), os gestores
usam métodos
subestimados de
projeção, pois se há
superávit o governo pode
alocar os recursos onde
bem lhe aprouver,
caracterizando desvio de
finalidade. A Secretaria
de Estado de Fazenda
(Sefaz) muda a
metodologia
constantemente por conta
do espaço temporal:
quanto maior, mais
distorções. O PIB cresce
entre 12 e 15%. O
cenário econômico não
aponta estagnação e,
sim, expansão. As
expectativas estão cada
vez mais otimistas. E o
quadro educacional,
cada vez mais pessimista.
Bartolomeu José
Ribeiro de Sousa, mestre
em Educação, professor e
pesquisador da
Universidade Federal de
Mato Grosso (UFMT), é
um crítico ferrenho das
atuais políticas públicas
que, segundo ele, dos 5%
do Produto Interno Bruto
(PIB) investidos em
educação, 1% é desviado,
não chegando à sala de
aula. “Não que o Brasil
seja o país mais corrupto,
o que falta é controle.
Onde existem recursos
públicos, o controle tem
que ser aprimorado
constantemente”, sugere o
mestre.
O Estado de Mato
Grosso recebia R$
859.289.803,22, em
2007 e passou a receber,
em 2012, o montante de
R$ 1.742.118.147,21,
duplicando-se, portanto,
os repasses da União,
mas a educação continua
em estado lastimável. Por
isso, o professor cobra
uma rígida fiscalização
para que os recursos não
se percam.
Sousa relata que
existem vários mecanismos
de fiscalização. Para
aumentar a participação
popular, ele diz que o
poder público deve abrir o
orçamento anual através
de audiências públicas, no
Plano Plurianual (PPA) e
Lei Orçamentária Anual
(LOA), para a
participação do cidadão,
pois é no orçamento que
se confirma a prioridade
política dos gestores.
das escolas, é o mesmo que
concede renúncias e
incentivos fiscais de forma
obscura e sem critérios aos
olhos do cidadão mato-
grossense. Segundo os
relatórios quadrimestrais
apresentados pelo governo
estadual, da arrecadação
total do Imposto sobre
Circulação de Mercadorias
(ICMS), apenas 62% são
computados para o cálculo
do montante destinado à
educação.
Professor e Secretário de
Articulação Sindical do
Sindicato dos Trabalhadores
na Educação (Sintep), Júlio
César Viana é um estudioso e
pesquisador das verbas
educacionais que “vão para
o ralo” por desvios de
finalidade e permissividade
do governo estadual.
Segundo o sindicalista, a
Secretaria de Estado de
Educação (Seduc) tem duas
frentes de trabalho: a oferta
da educação efetiva com a
manutenção e
desenvolvimento educacional;
e outra, de ações
governamentais que, do
ponto de vista educacional e
pedagógico, seria
completamente dispensável e
por onde os recursos são
sublimados. Exemplo
ultrajante foi conhecido pela
população através de
licitação, chancelada pela
Seduc, de jantares
sofisticados com verba
milionária que ultrapassava
R$ 7 milhões, em detrimento
da parca infraestrutura
pedagógica e física por parte
do Estado.
Outro ponto nevrálgico
para o desenvolvimento
educacional são as obras
de reforma entregues sem
as devidas fiscalizações e a
construção de novas
escolas, onde empreiteiras
entregam as edificações
sem respeitar os prazos
assinados inicialmente,
promovendo uma série
interminável de publicações
de adendos e, assim,
protelando datas.
“A negligência
governista no quesito
fiscalização é outro gargalo
da inoperância. Em Confresa
(1.145 km de Cuiabá),
durante o governo Blairo
Maggi (PR), uma escola
passou por reformas e as
falhas estruturais foram tantas
que o segundo piso, até hoje,
não pode ser utilizado por
estar na iminência de
desabamento”. Caso
semelhante é o da escola
estadual de Ribeirão
Cascalheira, em que o
telhado desabou logo após
ter sofrido reforma, no
governo Silval Barbosa
(PMDB). Viana relata que
reformas entregues e
problemas sérios aparecendo
dois ou três meses após o
final da construção são
corriqueiros. “Muitas reformas
são tão mal feitas que a
escola volta ao estado
anterior num período
brevíssimo. Isso é falta de
políticas públicas eficientes
que mantenham a
fiscalização dos gastos
públicos”, denuncia o
professor.
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