CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 25 A 31 DE JULHO DE 2013
SAÚDE
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Alguns estão há dois anos sem remédios e outro sobrevive de amostra grátis, com poucas expectativas de futuro.
Por: Rita Anibal. Fotos: Pedro Alves
ALTO CUSTO
Falta de medicamentos gera pânico
A falta de
planejamento na gestão
de medicamentos de alto
custo da Secretaria de
Estado de Saúde (SES)
tem submetido pacientes a
risco iminente de morte
em Mato Grosso. A
situação ficou lastimável
depois que a SES
terceirizou a
administração dos
remédios do Sistema
Único de Saúde (SUS) na
gestão de Pedro Henry
(PP), atual deputado
federal. A falta de
medicamentos e as ordens
judiciais aumentaram
numa proporção
assustadora e, mesmo
com liminares, muitos
usuários não conseguem
obter o remédio que lhes
garante uma maior
sobrevida ou a cura de
doenças como HIV e
câncer.
Helena (nome
fictício), de 48 anos, está
com problemas
pulmonares há mais de
quatro anos e diz que a
última vez que recebeu o
remédio foi em janeiro
deste ano. Desde então,
está com dificuldades
para manter o tratamento.
“Tenho vivido de ‘amostra
grátis’ que um médico me
arruma de vez em
A saga de Nivaldo Queiroz pela vida
O caos na distribuição de
remédios de alto custo emMT
SES reconhece que não
tem controle sobre OSSs
O secretário de
Estado de Saúde, Mauri
Rodrigues, reconheceu
esta semana que não
tem controle sobre a
aplicação dos recursos
repassados às sete
Organizações Sociais
de Saúde
(OSSs) contratadas
para gerir hospitais em
Mato Grosso. E que a
SES inclusive não tem
conhecimento de
quantas pessoas estão
na fila à espera de
cirurgias eletivas em
Mato Grosso. Como já
mostrou o
Circuito
Mato Grosso
ao
longo de um ano de
reportagens sobre as
OSSs, o Estado vem
repassando milhões de
recursos a mais para
essas entidades em
detrimento de instituições
públicas de saúde,
apesar de não saber o
seu grau de eficiência e
eficácia.
No mês de junho, a
Farmácia de Alto Custo
administrada pelo Instituto
Pernambucano de Assistência
Social (Ipas) foi alvo de
escândalo aoser constatado
o desperdício na compra de
centenas de caixas de
medicamentos cujo prazo de
validade venceu,
principalmente os de
tratamento a pacientes de
câncer e até testes rápidos
para detecção de HIV. O
prejuízo beira R$ 1,3 milhão.
Isso levou o Ministério da
Saúde (MS) a investigar as
responsabilidades no
episódio e solicitar ao
secretário de Saúde de Mato
Grosso, Mauri Rodrigues de
Lima, a relação de produtos
que deixaram de ser
entregues à população.
Com este episódio, a
SES suspendeu o pagamento
ao Ipas, exonerou os
remanescentes da equipe de
Pedro Henry, ex-secretário
de Saúde.Em 2011, Henry
declarou ao entregar à OSS
a gerência da distribuição de
medicamentos: “A política de
assistência continua sendo
nossa. O Ipas apenas fará a
distribuição”.
Se não bastasse esse
gerenciamento desastroso, a
história de má gestão está
longe de terminar. Esta
semana, a Secretaria
Estadual de Saúde (SES) e a
Auditoria Geral do Estado
(AGE) instauraram um
Processo Administrativo
Disciplinar (PAD) contra cinco
servidores do Executivo. Os
funcionários,lotados na
própria SES,faziam parte de
um esquema de compras
direcionadas de remédios
com sobrepreço e sem
qualquer critério, colocando
em risco a vida de pessoas
que dependem de
medicamentos para
sobreviver. Eles teriam
causado prejuízo aos cofres
públicos ao adquirir cerca de
5 mil medicamentos a mais
do que o necessário, além
de superfaturar a compra em
quase R$500 mil.
Com um volume muito
grande de processos judiciais
abertos contra a Secretaria
de Estado de Saúde (SES),
cerca de 70% são de
usuários exigindo o
cumprimento da compra de
medicamentos. O intuito da
contratação da Organização
Social de Saúde (OSS) era
de que a cultura da
judicialização [processos
judiciais para adquirir o
medicamento] diminuísse e o
atendimento fosse mais
socializado em todo o
Estado. Mas o quadro
piorou.
Há quatro anos o
jornalista e radialista
Nivaldo Queiroz luta pela
sua sobrevivência desde
que descobriu um câncer
de pulmão já em
metástase. Precisando do
remédio
Tarceva 150
mg
para amenizar os efeitos
do câncer que se instalou
nos seus dois pulmões,
Nivaldo vinha ingerindo um
paliativo com apenas
100mg. Ele é a prova viva
do quanto o cidadão
mato-grossense padece por
irresponsabilidades na
gestão da saúde.
Articulado e
combativo, o jornalista
difere dos outros cidadãos
que sofrem calados:
“Preciso dar voz aos direitos
que tenho enquanto eu tiver
vida. Não é possível tanto
descaso!”, desabafa o
jornalista, para quem o
medicamento é crucial para
amenizar os efeitos do
câncer. Nivaldo já passou
por duas cirurgias e diz que
não pode mais operar, pois
atingiu o limite de retirada
do pulmão. Fez inúmeras
sessões de quimioterapia e
o remédio é um bálsamo
para as dores que sente.
Com uma ação
cominatória para
cumprimento de obrigação,
expedida pelo juiz de
direito Roberto Teixeira
Seror, que obrigava o
Estado a fornecer o
medicamento, o jornalista
viu a mesma não ser
cumprida pela SES,apesar
de constar multa diária de
mil reais por dia caso
houvesse descumprimento.
Queiroz fez, então,
cotação em farmácias do
Brasil para descobrir o
menor preço e garantir seis
meses de tratamento ao
custo aproximado de R$ 38
mil. De posse da pesquisa
de preços,enviou ao
Juizado que pediu o
bloqueio na conta do
Estado desse montante,
solicitando que fosse
depositado em sua conta
pessoal ou na da farmácia
que ofereceu preço menor.
Surpresa maior para
Nivaldo veio através do
juiz – Roberto Teixeira
Seror – o mesmo que
emitiu a liminar
obrigando o Estado a
fornecer o
medicamento.Este
assumiu posição
conflitante ao se
pronunciar sobre o
bloqueio de recursos da
SES dizendo: “Trata-se de
valor elevado e se, de um
lado, temos que preservar
o direito à saúde do autor
[Nivaldo Queiroz],do
outro não podemos
dilapidar
as contas do
Estado”.
Na terça (22), a
defensora pública Cristiane
Obregon entrou com nova
liminar contestando a decisão
do Juiz e também o não
cumprimento do mandado de
intimação da obrigatoriedade
do Estado em fornecer o
remédio.O jornalista conta
que tem várias ações
pendentes na Justiça,mas até
agora não teve nenhum
resultado concreto. “Estou
cobrando, desde o ano
passado, os remédios que
comprei com ajuda de
amigos que têm sido a minha
salvação, pois minha renda
mensal não é suficiente para
bancar o medicamento e até
agora não foi proferida
nenhuma justificativa por parte
do Judiciário em meu favor, a
não ser a liminar que exige
que o Estado compre meu
medicamento”,explica
Nivaldo.
quando; se ele não tem,
meu vizinho me ajuda a
comprar”, relata a
paciente, que toma três
caixas do medicamento
por mês – cada uma custa
R$100.
A paciente diz que
precisa fazer exames
periodicamente para obter
os remédios; já fez dois
exames que valem por três
meses e até agora não
obteve sucesso. “A
validade dos que fiz já
venceu e continuo sem
remédio”, desabafa a
senhora. Helenaentrou
com o pedido de
aposentadoria para ter
rendimentos fixos e está à
espera do julgamento do
juiz. “Fico com medo
ainda mais prejudicada se
souberem que dei
entrevista”, diz a mulher,
justificando o anonimato.
A servidora pública
estadual Mariléia [que
também pediu que se
omitisse o sobrenome por
medo de represálias] está
há dois anos sem o colírio
que trata seu
glaucomacontraído há
sete anos. Está sem
atendimento médico
porque seu pai é quem
pagava o convênio, mas
“a situação apertou”.
Conta a servidora que
entrou na Justiça em 2010
para obter o colírio,mas
até agora não teve uma
resposta da Defensoria.
“Vou quase toda a
semana na farmácia e
eles dizem que não
chegou o remédio. Cada
colírio custa R$150 e uso
três por mês. Com o
salário que eu ganho não
consigo comprar”. Várias
vezes em que ela foi em
busca do colírio encontrou
a farmácia fechada
devido à greve dos
funcionários: “Dizem que
nem o povo que trabalha
aqui está recebendo”,
especula a paciente.
Mariléia relata que a
Auditoria da Saúde
sempre mandava carta
avisando quando o
medicamento estaria
disponível e que, agora,
nem atendem ao telefone.
Pedro Alves é
diabético e precisa de
insulina para controlar a
doença. Sua peregrinação
atrás do remédio é quase
que rotina: “Vou à
farmácia e o que mais
vejo são os pacientes
diabéticos voltarem com
seus ‘isoporzinhos’ vazios
para casa”. Quando não
pode ir até a farmácia,
ele liga para saber se
chegou o medicamento e,
na maioria das vezes, a
resposta é negativa. O
paciente teve de diminuir
a dose da insulina para
economizar, pois senão
não conseguiria cumprir
com seus compromissos.
Pedro ficou quase três
meses sem a insulina e
precisou desembolsar
quasemil reais por mês.
A l ém da f a l t a de
me d i c ame n t o s ,
E s t ado a i nda de i x a
v en c e r l o t e s i n t e i r o s
po r f a l t a de
p l a n e j ame n t o
J o r na l i s t a não c on s egu e med i c ame n t o s
pa r a con t r o l a r c ân c e r no pu lmão
Secretário de Estado de Saúde, Mauri Rodrigues, reuniu
diretores de OSSs para cobrar prestação de contas