CIRCUITOMATOGROSSO
POLÊMICA
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CUIABÁ, 28 DE FEVEREIRO A 6 DE MARÇO DE 2013
Submundo das
cadeias adoece
30% dos agentes
DEGRADANTE
Sem condições psicológicas, os agentes continuam atuando e
cada vez mais acabam se envolvendo com drogas e bebidas.
Por: Mayla Miranda. Fotos: Pedro Alves/ Arquivo Pessoal
Enquanto todas as
atenções estão voltadas
para a Copa do Mundo de
2014, nenhum projeto de
melhoria do serviço
prisional do estado está
sendo desenvolvido. Com o
baixo efetivo e um aumento
alarmante no número de
agentes prisionais doentes,
o sistema penitenciário está
prestes a explodir. Esse
alerta vem do Sindicato dos
Agentes Penitenciários do
Estado de Mato Grosso
(Sindspen), que somente
neste último semestre
recebeu mais de 100
pedidos de afastamento de
servidores por problemas
de saúde.
Para o líder sindical
João Batista Pereira de
Souza, não é difícil entender
os motivos que elevam este
quadro. “Se levarmos em
conta o número total de
servidores registrados hoje,
teríamos 1.980 agentes
penitenciários, enquanto o
mínimo necessário seria de
2.600. E o grande
problema é que, além do
baixo número de servidores,
muitos deles estão doentes
ou, pior, sem condições de
atuação psicológica”,
Escola de marginais
O Governo do Estado
estaria cometendo um
crime no sistema prisional
de Mato Grosso ao
misturar presos contumazes
– que têm o crime como
filosofia de vida – com
presos eventuais, sem
antecedentes criminais.
“Muitos desses presos
eventuais são jovens que,
por um deslize, acabam
cometendo um furto de
padaria e acabam caindo
na cadeia. Quando
misturados com os outros
presos de alta
periculosidade, acabam
saindo da prisão como
excelentes ladrões de
banco”, conta João
Desvio de função e insalubridade
Outra resolução
ignorada pelo governo
estadual diz respeito
ao acordo do
adicional de
insalubridade proposto
pelo governo federal.
O principal entrave
para a aplicação do
benefício está na base
de cálculo que deveria
ser feito sobre o salário
do servidor, mas está
registrado sobre a base
do salário mínimo.
“Sempre que
procuramos saber a
quantas anda o
processo de ativação do
auxílio do profissional nos
deparamos com a falta de
vontade do Poder Público.
Até hoje muito pouco ou
nada foi feito a respeito”,
garante João Pereira de
Souza.
Hoje, nas cadeias e
delegacias não existem
refeitórios adequados. Os
agentes comem a mesma
refeição dos detentos –
ambos reclamam da má
qualidade do alimento – e
ainda têm que lidar com
as diversas doenças dos
presidiários.
“É muito difícil você
ver todos os dias gente
morrendo por doenças,
tuberculose, Aids,
hanseníase e outras tantas
doenças contagiosas tão
perto de nós. Já vi colegas
meus serem afastados por
contrair alguma dessas
doenças; eu tenho muito
medo”, conta Carlos
Pontes, que complementa
dizendo que a ala
psiquiátrica da cadeia é
ainda mais degradante.
Outro fator que reduz
o número de agentes é
que nas penitenciárias não
há contratação de
profissionais para o
administrativo. Essas
funções são realizadas
por agentes prisionais,
muitas vezes sem a
qualificação
adequada para o
cargo.
“Nós temos de
fazer de tudo e mais
um pouco e não temos
nem mesmo um
reconhecimento. Agora
imagine se um dia nós
resolvermos entrar em
greve. Como fica?”,
desabafou.
Batista Pereira de Souza,
que ainda completa
observando que com a
mistura de presos o
Governo de Mato Grosso
acaba cooptando um
exército de novos
marginais para o crime
organizado.
O líder sindical ainda
relata que hoje o Governo
do Estado não demonstra
nenhum interesse pela
recuperação do sistema
prisional, o que pode ser
muito perigoso, já que a
população carcerária
cresce vertiginosamente e
o número de profissionais
da área da segurança
diminui no mesmo passo.
Presídios se transformaram em “bombas-relógio”
Mato Grosso está
entre os estados mais
atrasados da Federação
em se tratando de sistema
prisional e Cuiabá está
entre as 30 cidades mais
violentas do mundo,
segundo ranking
divulgado pela ONG
Seguridad, Justicia y Paz
(Consejo Ciudadano para
la Seguridad Publica y
Justicia Penal).
No estudo, Cuiabá
apresenta uma alta taxa
de homicídios, o que
garante a sua posição no
ranking, à frente de
capitais como Recife (PE) e
Belo Horizonte (MG). O
levantamento foi
apresentado pela
entidade mexicana de
combate à violência e
levou em consideração
apenas cidades com mais
de 300 mil habitantes.
No interior do estado
a situação pode ser ainda
pior. Segundo o agente
prisional Carlos Pontes
(nome fictício), na cidade
onde ele reside existem
apenas dois agentes para
cuidar de mais de 100
presos. “Se uma quadrilha
quiser realizar o resgate
de presos, aqui na minha
cidade ou em várias
próximas daqui, ela
poderia fazer isso sem
realizar nenhum disparo;
apenas com uma faca a
quadrilha poderia libertar
todos esses bandidos”,
conta o servidor.
Na tentativa de
conseguir melhores
condições de segurança,
todos os sindicatos de
agentes penitenciários
estiveram em Brasília
nesta última semana
solicitando o cumprimento
da resolução federal que
garante o porte de arma
para os agentes
prisionais. Como a
resolução ainda não foi
implantada em Mato
Grosso, para o agente
prisional conseguir andar
armado tem de entrar na
Justiça e solicitar o porte
de arma junto com um
boletim de ameaça.
“Esta situação é
bastante complicada. Nós
somos concursados, mas
moramos ao lado do
inimigo, todos sabem
quem somos,
principalmente aqui no
interior. Precisamos nos
proteger e também
proteger a cidade.
Imagine se esses presos
resolvem fugir. É
humanamente impossível
impedir sem uma arma”,
desabafa o agente.
relatou João, que ainda
completa informando que
cerca de 30% do total dos
agentes em atividade não
teriam condições de saúde
ou psicológica para
continuar no trabalho.
Os problemas
psicológicos dos agentes
podem ser atribuídos
inicialmente à falta do
efetivo, que leva um único
servidor a cuidar de alas
dentro de presídios com
mais de 100 presos. Isto,
ainda levando em
consideração as condições
insalubres enfrentadas pelos
profissionais que não
possuem nenhum tipo de
equipamento de proteção
para o trabalho. Até
mesmo tarefas cotidianas
atribuídas ao cargo podem
levar o servidor ao estresse
absoluto, como as revistas
das celas periódicas onde
os agentes têm de entrar em
cubículos imundos, sem
ventilação, e realizar as
revistas. “Dentro dessas
celas, por muitas vezes, são
obrigados a deitar no chão
sujo e até mesmo colocar a
mão dentro de vasos
sanitários para averiguar se
não há nada escondido.
Todos esses procedimentos
são realizados sem uma
bota, luva ou máscara de
proteção”, conta o líder
sindical.
Segundo um agente
prisional do Pascoal Ramos
que, por motivo de
segurança, preferiu não se
identificar, os problemas do
dia a dia na cadeia são
ainda mais complicados.
Ele conta que a maioria dos
presos acaba se tornando
extremamente violenta e
muitos ameaçam a família
do servidor cotidianamente.
“Eles são agressivos, dizem
que conhecem a sua vida,
sua família, falam que
sabem onde seu filho estuda
e você acaba ficando
bastante assustado com a
situação. Desta forma,
ficamos sem saída, porque
se formos muito bonzinhos
não estaremos fazendo
nosso trabalho, mas se
formos rígidos demais o
risco cresce. Não tem jeito,
você acaba ficando muito
abalado”, relata.
Ainda segundo o
agente, não são fornecidos
nem mesmo os uniformes de
trabalho. Os servidores têm
de comprá-los para não
serem confundidos com
presidiários, no caso de um
motim. “Nosso salário já é
bastante baixo e não temos
ajuda para comprar luvas,
botas ou uniformes, só
temos mesmo o rádio-
amador. Então temos que
tirar do próprio bolso,
porque se tiver uma correria
aqui dentro e você estiver
sem uniforme, pode ser
confundido e levar um tiro
da guarda armada”,
alertou.
De acordo com o
sindicato da categoria, o
salário atual de um agente
penitenciário do estado é de
R$1.880, bruto. Com os
descontos, fica em torno de
R$ 1.400, por uma carga
horária de 40 horas
semanais.
Ambientes insalubres e degradantes são fatores que
deterioram as condições de trabalho dos agentes
Para o presidente do Sindspen, João Batista,
o sistema prisional está no limite do descaso
Sem segurança e de chinelos, agente
prisional conduz detento dentro de um
presídio de Mato Grosso
Os problemas nos presídios envolvem desde alagamentos, rachaduras nas paredes e até a falta de
luvas para revistas em buscas de armas artesanais ou aparelhos celulares dentro de vasos sanitários