CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 31 DE JANEIRO A 6 DE FEVEREIRO DE 2013
SAÚDE
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Paciente que espera há cinco anos por uma cirurgia ortopédica conta que servidor público pediu propina.
Por Mayla Miranda. Fotos: Pedro Alves
OSS
Enquanto o Governo
do Estado faz um grande
esforço para mostrar à
população o quanto foi
genial a ideia de privatizar
a saúde – utilizando-se de
duvidosas propagandas
institucionais –, a corrupção
caminha a passos largos
no gerenciamento das
internações para cirurgia
em hospitais geridos por
Organizações Sociais de
Saúde (OSSs), em especial
no Hospital Metropolitano
de Várzea Grande. A
denúncia veio do paciente
Joaquim (nome fictício),
morador da cidade de
Paranatinga, localizada a
320 km de Cuiabá, que
esperava atendimento na
porta da instituição.
Segundo Joaquim, ele está
há mais de cinco anos à
espera de uma cirurgia
ortopédica, por problemas
relacionados a uma
tendinite nos ombros
causada pelo esforço
excessivo da sua profissão.
O paciente conta que foi
procurado por um
funcionário da Central de
Regulação de Vagas e
induzido a pagar uma
propina no valor de R$1
mil, com a promessa de
conseguir marcar o
procedimento ainda para
este semestre. Desesperado
com a demora dos
atendimentos e com muitas
dores causadas pela
doença, acabou cedendo
e entrando no esquema
criminoso.
“Eu dei uma entrada
de R$300,00 e o restante
do pagamento ficou
combinado para o dia da
minha internação, mas até
agora ele não me deu
retorno sobre a data. O
problema é que agora ele
fica me ligando e pedindo
mais dinheiro para
conseguir a data e eu estou
ficando muito
preocupado”, relatou
apreensivo.
Ainda segundo
Joaquim, com medo de ter
sido enganado, ele
procurou o médico que o
atendia e relatou o drama
que estava passando. Sem
Em que pese o
Tribunal de Contas do
Estado (TCE) ter apontado
irregularidades gritantes no
repasse de verba para três
Organizações Sociais de
Saúde (OSSs) responsáveis
pela gestão de hospitais
do Sistema Único de
Saúde (SUS) e a
permanência de longas
filas por cirurgias
ortopédicas, o Governo do
Estado segue fazendo
propaganda de que essas
entidades fizeram uma
revolução nos serviços
Governo ignora TCE e promove OSSs
públicos hospitalares em
Mato Grosso.
Ao analisar as contas
de gestão da SES de 2011,
o TCE constatou que a
secretaria fez vários
repasses “a maior” para
duas OSSs por meio do
Fundo Estadual de Saúde.
São elas: Associação
Congregação de Santa
Catarina, gestora do
Hospital São Luiz, de
Cáceres, e Instituto
Pernambucano de
Assistência e Saúde,
conhecido como Hospital
Metropolitano de Várzea
Grande.
O rombo, que giraria
entre 3 e 5 milhões de
reais, teria ocorrido na
gestão do ex-secretário e
deputado federal Pedro
Henry, condenado a sete
anos de prisão no
escândalo do mensalão, e
do atual secretário Vander
Fernandes. Henry defendeu
e implantou as OSSs à
revelia da sociedade e
Vander deu continuidade
ao sistema, mesmo com
liminar contrária da Justiça
e reprovação do Conselho
Estadual de Saúde. O
relator do processo,
conselheiro substituto Luiz
Henrique Lima, alertou o
Governo do Estado para a
possibilidade de as
irregularidades terem
ocorrido também em 2012
e por isso sugeriu o
afastamento de Vander
Fernandes do cargo. Este
ano, segundo levantamento
feito pelo
Circuito Mato
Grosso
, essas duas OSSs
juntas já receberam
R$47.461.202,25.
espanto, o médico só o
aconselhou a não realizar
mais nenhum pagamento
ao funcionário até a
realização do procedimento
cirúrgico. “Olha, o médico
não se surpreendeu com o
que estava acontecendo,
mas aparentou bastante
indignação com o
problema. Agora como
não tem outro jeito, eu
continuo com o acordo
porque infelizmente eu
preciso me sujeitar a isso”.
Joaquim ainda relatou
ao
Circuito Mato Grosso
que até chegar a este ponto
sofreu muito na tentativa de
um atendimento digno, já
que na sua cidade não
existe um médico
ortopedista. Desde os
primeiros sintomas da
doença, o trabalhador teve
que ser afastado das suas
funções e passou a viajar
até três vezes por semana
para Primavera do Leste, a
140 km da sua cidade.
“Em Primavera, fui
tentando um tratamento
pelo SUS, mas como
estava demorando muito
comecei a fazer consultas
particulares. Gastei
muito, cada consulta
ficava uns R$150,00.
Depois de esperar por
quatro anos um exame
de ressonância
magnética solicitado pela
Central de Regulação do
município, decidi fazer
particular mesmo. O
problema é que custou
R$850,00. Foi quando o
médico me disse que era
caso de cirurgia”.
Com os recursos
financeiros já
comprometidos, o
trabalhador retomou o
tratamento usando
exclusivamente o SUS.
Há um ano e meio, após
várias perícias, Joaquim
foi afastado
definitivamente das suas
funções no trabalho até a
realização da cirurgia e a
recuperação total.
Mesmo com os
laudos de três
especialistas diferentes e
uma solicitação da
Central de Regulação, o
médico perito do
Hospital Metropolitano
negou que Joaquim
necessitasse do
procedimento,
prescrevendo mais três
meses de fisioterapia.
“Eu até falei para o
médico que eu estava
fazendo fisioterapia há
quase quatro anos, para
tentar controlar as dores.
Foi quando ele assumiu
que eu precisava mesmo
de cirurgia e encaminhou
novamente o pedido. É
como eu estou te falando:
não adianta; se eu não
pagar, eu nunca vou fazer
esta cirurgia e, no meu
caso, mil reais está até
barato, se contar o tanto
de vezes que eu tenho
que vir para Cuiabá,
pagando passagem de
ônibus, hospedagem e
comida – sem falar nas
dores e na vontade
enorme de voltar a
trabalhar e me sentir útil”,
declarou, emocionado.
Depois de
aprovar a proposta
do então secretário
estadual de Saúde,
Pedro Henry (PP),
de entregar a
gestão de hospitais
públicos para
Organizações
Sociais de Saúde
(OSSs), o Conselho
Estadual de Saúde
de Mato Grosso
(CES-MT) voltou
atrás, em setembro
passado, e decidiu
proibir a
contratação dessas
entidades. Porém,
tanto Pedro Henry
como seu
substituto, o
também médico
Vander Fernandes,
continuaram
contratando OSSs
em todo o Estado
com aval do
governador Silval
Barbosa, num claro
desrespeito à
supremacia do
conselho.
Na época,
documentos e
Desrespeito ao Conselho
Estadual de Saúde
estudos
comprovaram que a
administração das
unidades de saúde
feitas pelas
Organizações Sociais
não estavam
resolvendo o
problema do setor
em Mato Grosso.
Este ano, nova
investida da SES em
favor das OSSs.
Desta vez a pasta
abriu licitação para
entregar o Serviço de
Assistência Médica
de Urgência (Samu)
a uma dessas
organizações.
Revoltados,
servidores do Samu e
integrantes de
movimentos de
defesa do Sistema
Único de Saúde
(SUS) foram às ruas
em protesto na
tentativa de impedir
o que eles chamam
de “privatização da
saúde”.
Mais uma vez o
clamor popular não
surtiu efeito.
Funcionário da Central de Regulação teria cobrado R$1 mil de propina para agilizar cirurgia
Hospital Metropolitano é gerido pelo Instituto Pernambucano de Saúde, o IPAS, desde 2012
Idosa aguarda por cirurgia ortopédica no IPAS apesar de governo ter prometido “fila zero”
Hospital de Cáceres também é gerido
por OSS e teria recebido dinheiro a mais
Vander Fernandes e Pedro Henry atestaram incompetência da SES para gerir hospitais públicos
Metropolitano é palco de corrupção