EDIÇÃO IMPRESSA - 499 - page 4

CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 31 DE JULHO A 6 DE AGOSTODE 2014
CIDADES
P
G
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IDOSOS
90% das agressões ocorrem em casa
Para o presidente do Comdipi, em Cuiabá famílias se aproveitam principalmente de benefícios sociais da população mais velha
LEI 10.741/2003 – ESTATUTO DO IDOSO
Diego Frederici
O envelhecimento da
população a partir de 60
anos vem se
intensificando nos
últimos tempos no
Brasil. De acordo com o
Censo 2010 do Instituto
Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE),
existem 22 milhões de
idosos no país. Até
2050, essa conta deve
chegar a 63 milhões. Se
por um lado esses
números representam a
conquista da longevidade
dos brasileiros, por
outro impõe desafios aos
gestores públicos e às
famílias desses homens e
mulheres que muitas
vezes não respeitam seus
próprios parentes, sendo
alvos de 90% das
denúncias na capital.
A informação é do
presidente do Conselho
Municipal de Defesa dos
Direitos da Pessoa Idosa
(Comdipi), de Cuiabá,
Jerônimo Luís Barbosa
Urei. Os dados são
referentes a 2013.
Segundo ele, para
enfrentar os desafios
deste novo paradigma
social, existe na
legislação brasileira um
conjunto de leis que
asseguram o direito
dessas pessoas, como a
Cerca de 25 mil idosos
vieram a óbito no Brasil
Cerca de 25 mil
idosos vieram a óbito
no Brasil vitimadas por
diferentes formas de
violações em 2013 -
com 68,6 casos por
dia. Segundo o último
censo do IBGE, o País
conta com 202,3
milhões de habitantes –
desses 7,64% são
idosos, índice que
deverá subir para
13,44% em 2030.
Dentre 2012 e 2013, os
boletins de ocorrências
relacionados a violência
contra os idosos
apresentaram aumento
de de 65,5% no Brasil.
Já as principais
modalidades de
violações denunciadas
são negligência,
violência psicológica,
abuso financeiro e
econômico, violência
física, principalmente
no lar, e violência
institucional (aquela
praticada em
instituições prestadoras
de serviços públicos).
Para a especialista
em Direito Civil ,
advogada Luciane
Lovato Faraco –
diretora da Sociedade
Limongi Faraco
Ferreira Advogados,
existe relevante índice
de subnotificação da
violência contra
indivíduos de 60 anos
ou mais. Ou seja, o
número de ocorrências
é muito maior do que
se constata nas
pesquisas. Fora o fato
do aumento da
população idosa, o
crescimento do
registro de denúncias
pode estar relacionado
a um maior
conhecimento da
comunidade perante
aos direitos dos
idosos. “A mudança no
panorama não
necessariamente pode
estar ligada a um
crescimento atual da
violência contra essa
parcela da sociedade e
sim ao conhecimento
dos idosos e sociedade
de um modo geral que
a violência no âmbito
doméstico, ou não, é
crime. Logo, precisam
ser denunciados junto
aos órgãos
competentes para uma
solução”, analisa a
advogada.
Uma das maiores
conquistas culturais de
um povo em seu processo
de humanização é o
envelhecimento de sua
população, que reflete as
melhores condições de
qualidade de vida de uma
sociedade. Segundo
estudo do Fundo de
Populações, da
Organização das Nações
Unidas (ONU), uma em
cada cinco pessoas no
mundo terá mais de 60
anos em 2050,
ultrapassando pela
primeira vez o
contingente com idade
inferior a 15 anos. No
entanto, alguns valores
culturais podem ser um
obstáculo para o
desenvolvimento e a
dignidade dessa faixa
etária. A defensora Silvia
Maria Ferreira, da
Coordenadoria de Ações
Comunitárias da
Defensoria Pública do
Estado de Mato Grosso
(DP-MT), assinala o
desrespeito a que estão
submetidas as pessoas
mais velhas. Nos 11 anos
em que vem atuando na
defesa dos direitos dos
idosos (uma das
atribuições do órgão
público), Silvia afirma que
os maus-tratos começam
geralmente na família,
mas que se estendem
também a algumas
pessoas na sociedade,
dizendo este ser um
problema cultural.
“Existe uma falta de
conscientização
generalizada com o idoso.
A sociedade e a família
deveriam elevar o idoso a
um patamar superior
devido a sua experiência e
histórico. É uma cultura
social que deve ser
mudada”.
Problema é cultural, diz defensora
De acordo com o
mesmo estudo da ONU,
há uma tendência de
feminilização dos idosos.
Em 2020, no Brasil,
11,1% da população com
mais de 60 anos será
composta por homens, ao
passo que essa proporção
ficará em 14% para as
mulheres. Somados,
ambos os gêneros
contarão com mais de 26
milhões de pessoas. Se
compararmos com
aqueles que atingirão 80
anos ou mais em 2020, a
predominância é ainda
maior das mulheres frente
aos homens: enquanto
elas serão 66%, eles
apenas 33%.
Esse pode ser outro
fator preocupante, tendo
em vista que além do
preconceito contra
pessoas mais velhas, as
mulheres ainda lutam
contra com o machismo.
Entre os caminhos
que podem ajudar no
combate à cultura hostil
com os idosos, Silvia
destaca que as denúncias
e as ações judiciais são
ferramentas que devem
auxiliar nessa luta pela
dignidade.
“O respaldo legal
existe, nós precisamos da
efetivação dessa lei.
Precisamos que ela seja
efetivada pela sociedade.
Uma ação punitiva acaba
sendo também preventiva.
A sociedade precisa
denunciar”.
Para a defensora da Coordenadoria de Ações Comunitárias,
Silvia Maria Ferreira, a cultura social deve ser mudada
Política Nacional do
Idoso (Lei nº 8.842/
1994), o Estatuto do
Idoso (Lei nº 10.741/
2003) e a Política
Nacional de Saúde do
Idoso (Lei nº 2.529/
2006). Contudo, as
famílias ainda
representam um dilema
nesse contexto.
“Noventa por cento
de todos os casos que
recebemos aqui são de
violência doméstica, da
porta de casa para
dentro. São filhos,
netos, descendentes e
até ascendentes que não
respeitam os direitos de
seus próprios
familiares”, afirma
Jerônimo.
Cuiabá vive um caso
particular dessa
realidade. O mesmo
Censo 2010 aponta que
na capital existem 44.817
pessoas com mais de 60
anos. Jerônimo relata,
entretanto, que essa
conta deve quadruplicar
até 2023 e que esse é um
motivo de preocupação
tendo em vista o fato de
que muitas famílias não
têm a percepção, prevista
inclusive em lei, de que
os idosos são
responsabilidade de seus
parentes, devendo eles
zelar pela qualidade de
vida e pelos direitos
destes.
O presidente do
Comdipi, que trabalhou
por 11 aos na
representação em Cuiabá
da Organização das
Nações Unidas para a
Educação, a Ciência e a
Cultura (Unesco), afirma
ainda que entre os
principais relatos de
idosos que sofreram
algum tipo de violência,
e que são denunciados
no conselho municipal,
estão a utilização de
cartões magnéticos e de
benefícios sociais sem a
autorização de seus
portadores – fator que
diminui ainda mais a
qualidade de vida da
população mais velha.
“O principal é a
questão financeira, a
utilização de cartões e
demais benefícios
sociais sem a autorização
do idoso. Usam os
recursos em benefício
próprio e não em favor
de seus parentes”, diz.
Outro caso comum,
de acordo com
Jerônimo, está o
abandono de idosos em
postos de saúde ou
hospitais públicos pelos
familiares, que
acompanham seus
parentes e depois os
“largam lá”. Ele lembra,
no entanto, o artigo 3 do
Estatuto do Idoso.
“O artigo 3 do
Estatuto do Idoso é claro
ao disciplinar a obrigação
das famílias em assegurar
saúde, educação, cultura,
lazer, cidadania e
dignidade ao idoso. Deve-
se recorrer ao Estado
somente em último caso”.
SERVIÇO
Conselho Municipal dos
Direitos da Pessoa
Idosa
Rua Régis Bittencourt,
384, Porto – Cuiabá
Tel.: (65) 3645-6828/
3645-6829
Entre os problemas enfrentados pela população idosa, o abandono e o uso não
autorizado de cartões de benefícios assistenciais estão entre os principais
Fotos: André Romeu
Jerônimo Luís Urei, do Comdipi, afirma que a família deve
zelar pelo suporte financeiro e emocional de seus
parentes, como previsto no Estatuto do Idoso
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