CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 17 A 23 DE JULHO DE 2014
POLÊMICA
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BARRIL DE PÓLVORA
Clima no Lar da Criança é de terror
No final de semana alguns menores ameaçaram cortar servidores com cacos de vidro tamanho o grau de estresse na instituição
Rafaela Souza
Sandra Carvalho
De um lado crianças já
traumatizadas por terem
sido vítimas de abandono e
violência doméstica. De
outro, servidores recém-
nomeados e que não
receberam a devida
capacitação do Estado para
trabalhar como cuidadores.
Esta é a situação em que se
encontra o Lar da Criança,
instituição que abriga cerca
de 80 menores sob a
custódia e gerenciamento
da Secretaria de Estado de
Trabalho e Assistência
Social (Setas). Esta semana
o Lar foi palco de mais uma
situação insustentável:
internos ameaçaram cortar
os plantonistas com cacos
de vidro.
“De certo modo, esses
casos de ‘rebeldia’ são
frequentes no Lar da
Criança”, informou a
assessoria da Setas,
secretaria que inclusive está
sendo investigada pelo
Setas desvia recursos de Fundo de Assistência
A Setas utilizou
apenas 7,69% (R$
423.623,00) dos
recursos do Fundo
Partilhado de
Investimentos Sociais
(Fupis) em ações
sociais ao longo de
2013l. Os outros
92,31% (R$
5.084.463,82) foram
usados para despesas
de pessoal e encargos.
E destes 769% do
esvaziado recurso do
Fupis, 31,86% foram
destinados a um evento
cultural em Santo
Antônio de Leverger,
diante das inúmeras
carências sociais do
Estado de Mato
Grosso. Embora haja a
autorização para utilização
de recursos do Fupis para
pagamento de pessoal e
encargos, trazida pela Lei
Complementar Estadual nº
452/2011, percebe-se
claramente, de acordo
com análise da Auditoria
de Controle Externo do
Tribunal de Contas do
Estado (TCE-MT), que os
recursos do Fupis estão
sendo utilizados quase
que exclusivamente para
pagamento dessas
despesas em detrimento
daqueles estabelecidas
pela Lei Estadual nº 8059/
2003. Ao analisar as
contas de gestão de 2013
da Setas, a auditoria
entendeu que essas
despesas são as que
constituem a real
destinação dos recursos
do Fupis e motivadoras da
sua criação. E por esse
motivo a Setas não
deveria ter destinado
92,31% da receita do
fundo apenas para
despesas com pessoal.
O relatório ainda
mostra que deste pequeno
percentual de 7,69%, uma
parte foi destinada ao
financiamento do
evento Mostra Cultural
Rio Abaixo, promovido
pela Associação dos
Grupos Folclóricos de
Siriri de Santo Antônio
de Leverger. O
patrocínio foi de R$
135 mil.
“Entende-se que a
realização dessa mostra
cultural não poderia ter
sido financiada com
recursos do Fupis, não
tem vinculação com a
destinação dessa
fonte”, diz o relatório.
O referido evento
abrangeu os aspectos
referentes a
gastronomia, religião e
danças regionais.
Grupo de Atuação Especial
Contra o Crime Organizado
(Gaeco) por fazer contratos
milionários com dispensa
de licitação, em nome da
instituição.
No Lar da Criança,
denúncia feita em 2013 por
servidores em forma de
carta-manifesto indicava
que as condições de
acolhimento ali favoreciam
situações de estresse entre
crianças e funcionários.
Relataram os
denunciantes que as mais
de 80 crianças atendidas no
Lar da Criança não dispõem
de espaços individualizados.
O espaço físico está
distante do modelo de
“residência” e mais se
assemelha à estrutura de
um “orfanato”, com
prevalência de espaços
físicos coletivos: refeitórios
grandes, quartos que
acomodam de 10 a 40
crianças, banheiros
coletivos, quadra.
As crianças não
dispõem de armários
individuais, cabendo à
equipe técnica o
armazenamento dos
pertences de cada um.
Tudo é coletivo: roupas,
sapatos e até mesmo o
copo para tomar água.
Como não há armários
individuais, as vestimentas
ficam na rouparia. Não há
possibilidade de escolher
roupa para vestir.
Tudo isso estaria
inviabilizando uma atenção
adequada à criança e
conduzindo a graves
violações de direitos, o
que vem ocorrendo com
frequência: violência
física, psicológica e
simbólica entre cuidadores
e crianças. Esses
aspectos, se vivenciados
por longos períodos, de
acordo com a denúncia,
representam não apenas
uma violação de direitos
mas deixam marcas
irreversíveis na vida
dessas crianças.
Os internos de até 4
anos não saem da
instituição a não ser por
uma necessidade
específica de atendimento
de saúde, vacinação ou
eventuais passeios
prioritariamente em datas
festivas.
A denúncia apontou
violação de direitos dessas
crianças acolhidas no Lar
no que tange à
infraestrutura física e
espaços privados, e
preservação e
fortalecimento da
convivência comunitária.
NOVAGESTÃO
A direção do Lar da
Criança foi substituída há
cerca de 30 dias. A nova
superintendente, Marimar
Aparecida Michels, assumiu
o cargo com a proposta de
implementar mudanças na
gestão em favorecimento
dos menores ali atendidos.
Consequências
desastrosas
Estudos sobre o
atendimento massificado a
crianças e adolescentes
têm revelado os custos
pessoais que tal situação
acarreta: carência afetiva,
dificuldade para
estabelecimento de
vínculos, baixa
autoestima, atrasos no
desenvolvimento
psicomotor, aniquilamento
da identidade,
estigmatização,
dificuldades no processo
de reinserção social e
ainda a negligência de
necessidades emocionais
básicas da criança, como
o seu direito à
individualidade,
referenciais de limites,
segurança e afeto.
Resultado de exumação
sai na quinta-feira
A causa da morte do menor J.C.O.A., 9 anos, que vivia
no Lar da Criança, está perto de ser revelada. Dia 23 deste
mês sai o resultado da necropsia que irá apontar as causa e
o horário do óbito.
De acordo com o delegado da Delegacia Especializada
nos Direitos da Criança e do Adolescente (Deddica),
Eduardo Botelho, as oitivas do caso estão perto do fim
também, contudo não se pode concluir nada, pois ainda há
muitas divergências nos depoimentos.
“Os funcionários do Lar continuam negando que a
criança morreu lá dentro, enquanto a primeira médica que
atendeu o menino confirmou em depoimento que a criança
chegou morta ao Pronto-Socorro. Dessa maneira, apenas
com o resultado da necropsia para saber o que aconteceu”,
diz o delegado. O presidente da Associação de Familiares de
Vítimas de Violência (AFVV), Heitor Reys, que está
acompanhando o caso de perto, disse ainda que a segunda
médica que colocou na certidão de óbito outro horário da
morte da criança ainda não foi prestar esclarecimento.
“Nossa expectativa é que a segunda médica preste
depoimento, mas de acordo com informações que
recebemos, ela já foi convidada duas vezes e até o momento
não se apresentou na delegacia”, fala o presidente da AFVV.
“Casas-Lares” seriam a solução
Os profissionais que
assinaram o documento-
manifesto sugeriram a
criação de “Casas-Lares”
com número máximo de 10
crianças, atendendo de 0 a
18 anos. Essa proposta se
apresenta como o modelo de
cuidadomais próximo à
referência familiar, que
contempla um cuidador (mãe
social ou casal) e estabelece
uma relaçãomais estável e
saudável, promotora da
autonomia e da singularidade
(não mais regime de plantão,
não aconselhável segundo as
orientações técnicas), por
isso, a mais coerente para
ser implementada. Em
Cuiabá, a prefeitura está
construindo uma casa-lar em
atendimento à determinação
da Justiça e que deve ser
entregue até o final de julho.
Alguns menores já denunciaram maus-tratos no Lar da
Criança e casos estão sendo apurados pela polícia
Crianças dividem roupas e têm poucas atividades
de lazer fora da instituição
Reprodução da
autorização de
pagamento