EDIÇÃO IMPRESSA - 495 - page 4

CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 3 A 9 DE JULHO DE 2014
CIDADES
P
G
4
PORTO
História transformada em escombros
Berço de Cuiabá foi deixado de lado pelo poder público e depende de moradores que tomam a frente nas ações que deveriam ser
feitas pelos gestores
Di ego Freder i c i
O bairro do Porto
contém boa parte da
história da capital de
Mato Grosso. Como um
dos únicos que beiram
o rio que dá nome à
cidade, e em seus dias
atuais, não é raro
associarmos a
localidade com práticas
ilícitas, como comércio
de drogas e
prostituição, devido à
degradação presente em
algumas áreas. No
entanto, parte da
população resiste a essa
realidade e não
esmorece frente ao
descaso do poder
público com uma região
que faz parte da
identidade do povo
cuiabano.
Edgar Figueiredo do
Nascimento tem uma
rotina que muda pouco
no dia a dia. Lá pelas
17h ele e alguns
trabalhadores do
pequeno bar do qual é
proprietário pegam,
cada um, uma vassoura
e, além de fazer a
limpeza do
estabelecimento, juntam
as folhas e detritos da
Praça Ana Maria Fava
Ricci, que fica em
frente ao
estabelecimento,
frequentada à noite por
moradores da região.
“A praça só é limpa
em época de eleição.
Eles vêm aqui, dão uma
‘geral’ no local e
depois desaparecem.
Nós é que fazemos a
manutenção dela e ela
só é segura por causa
do bar e dos clientes
que a ocupam”, diz.
Projeto não ampliou
nem Museu do Rio
Lançado pela
prefeitura de Cuiabá em
2013, o Projeto Porto
Cuiabá prometeu uma
transformação quase total
da área ribeirinha do
bairro do Porto, na
capital. Com
investimentos iniciais da
ordem de R$ 28 milhões,
a iniciativa pretende
requalificar a área urbana
da região e promover a
reintegração dos
munícipes, além de
valorizar o convívio
social, prática de esportes
e outros. Previsto para
disponibilizar ao menos
parte do empreendimento
até a Copa do Mundo de
2014, com o objetivo de
capitalizar recursos e
oferecer uma opção de
lazer e entretenimento aos
turistas que estão
presentes para os jogos
do Mundial, o projeto
deixou a desejar em
relação a seu cronograma,
tendo em vista que nem
mesmo a ampliação de um
dos pontos turísticos
mais conhecidos de
Cuiabá, o Museu do Rio
Cuiabá Hid Alfredo Scaff,
ainda não saiu do papel.
Procurada, a
assessoria não soube
informar a data de
abertura da nova estrutura
do espaço, dizendo apenas
que “as obras estão em
andamento”.
Comerciantes da orla estão ameaçados
A importância
histórica do rio Cuiabá
não só para os habitantes
da Capital, mas para o
povo mato-grossense, é
secular. Fonte de alimento
e meio de transporte que
durante muito tempo
serviu como canal de
comunicação entre o
Centro-Oeste e o restante
do país, as margens do
curso d’água são
utilizadas por moradias de
ribeirinhos que, não raro,
também tiram seu
sustento por meio do
comércio. Essa tradição,
porém, está ameaçada
para os moradores do
bairro do Porto.
A
Peixaria Orla
Cuiabana
, que funciona
há mais de 15 anos na Av.
Beira Rio, serve pratos
tradicionais da cozinha
cuiabana, que tem os
peixes de água doce –
como pacu, pintado,
lambari e outros –
presentes na cultura e no
imaginário da população.
Construído à margem do
rio que batizou a capital
mato-grossense, o
restaurante agora sofre
com a possibilidade de
não poder mais apresentar
a turistas e amantes da
boa comida este traço
marcante da identidade da
região.
“Recebemos uma
liminar dizendo que
deveríamos sair daqui. Há
cinco meses, quando o
Projeto Porto Cuiabá
começou a ser
implementado, já
perdemos em torno de
70% dos clientes”, disse
um funcionário que não
quis se identificar.
O Projeto Porto
Cuiabá é uma iniciativa do
Governo Municipal de
revitalização arquitetônica
e de infraestrutura da
região portuária da
cidade. Orçado em R$ 28
milhões, e com as obras
em andamento, a
iniciativa prevê a retirada
dos comerciantes que
possuem seus
restaurantes no local. No
entanto, muitos deles não
estão dispostos a aceitar
pacificamente essa
realidade e estão lutando
pelos seus direitos na
Justiça.
Cirlene Rose Arruda
toca sozinha a
Cia. do
Peixe
, outro
estabelecimento
especializado nos frutos
do rio Cuiabá. No negócio
há mais de nove anos, e
com uma filha de dez para
criar, ela disse que teve
de diminuir drasticamente
o número de funcionários
devido à queda de
frequentadores. No
entanto, assim como a
Orla Cuiabana,
ela entrou
na Justiça para tentar
preservar o sustento da
sua família: “Já tive oito
funcionários e agora
estou sozinha. A
prefeitura distribuiu
liminares para todos os
comerciantes daqui
saírem, mas não irei
desistir. Contratei um
advogado e agora estamos
na expectativa para
conseguir ficar com o
negócio”.
Willian Roberto
Pereira Sena é um dos
moradores mais antigos
do bairro histórico da
Capital. À frente do
Bazar
A Baianinha
, uma
casa que comercializa
artigos religiosos no
Porto há mais de 45
anos, ele afirma que o
bairro ficou
“esquecido” e
“abandonado”. Como
um dos líderes e
membro de uma família
que ocupa a região
desde o século XIX, o
comerciante recorda-se
que em muitas ocasiões
ouviu de representantes
do poder público
promessas de
programas de
valorização
arquitetônica das
edificações, e que
nunca saíram do papel.
“O Porto é o berço
do povo cuiabano. Os
pontos turísticos
poderiam ser
revitalizados. Em Olinda
há um trabalho sério,
foi feito investimento.
Aqui os recursos foram
mal utilizados pelo
governo”, diz.
José Alberto de
Paula, o “Bida”, mora
há 56 anos no bairro.
Ele reclama dos desvios
feitos em razão do
projeto Porto Cuiabá,
que interditou a Av.
Beira Rio, obrigando
não só os carros mas
também o tráfego
pesado da via,
prejudicando ainda mais
a arquitetura, que em
muitos locais já é
precária. “Meu casarão
rachou todo. Fecharam
a Beira Rio e essas ruas
não suportam tanto
tráfego. Pego mais de
R$ 7 mil de IPTU, não
posso reformar e ainda
vejo minha casa
destruída por causa
desse desvio”.
Questionada pela
redação se há alguma
programação especial
ou ao menos algum
projeto de reforma das
casas históricas,
também em virtude da
Copa do Mundo, a
assessoria da prefeitura
de Cuiabá afirmou que
não há nenhum
planejamento previsto.
Fotos: André Romeu
Bairro histórico de Cuiabá amarga abandono do poder público e
de projetos que poderiam valorizar sua arquitetura secular
Willian Roberto Sena, proprietária de um dos comércios
mais tradicionais do bairro, a casa de artigos religiosos
A
Baianinha
, afirma que o Porto ficou esquecido
José Roberto de Paula, o “Bida”, reclama dos desvios que obrigaram o tráfego pesado a
passar em frente a sua casa, que acabou sendo danificada
Cirlene Rose de Arruda é proprietária da
Cia. do Peixe,
restaurante da orla do rio Cuiabá,
e teme perder o estabelecimento pelo projeto de revitalização
Projeto Porto Cuiabá, que prevê a construção
de áreas de lazer, estacionamento e restaurantes
na orla do rio, está longe de sair do papel
1,2,3 5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,...20
Powered by FlippingBook