EDIÇÃO IMPRESSA - 493 - page 8

CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 19 A 25 DE JUNHODE 2014
CAPA
P
G
8
LAR DA CRIANÇA
Maus-tratos, morte, omissão e fome
Enquanto a Setas firma contratos milionários de prestação de serviços, fugas semanais de crianças, motins e maus-tratos fazem
parte da realidade do Lar da Criança
Rafaela Souza
A Secretaria de
Estado de Trabalho e
Assistência Social (Setas-
MT), como já mostrado
diversas vezes pelo
Circuito Mato Grosso
,
tem a prática constante de
fazer contratações sem
licitação. E nos últimos
dois anos os números
chamaram atenção,
principalmente na
disparidade de valores que
eram pagos para empresas
responsáveis por
prestarem serviços no Lar
da Criança, Instituição
esta administrada pela
Setas. O principal
exemplo está na diferença
paga para o Instituto
Concluir em 2012, que
girava em torno de R$ 2
milhões e em 2013 a
empresa Elza Ferreira dos
Santos – Seligel passou a
receber R$ 7 milhões para
realizar as mesmas tarefas
que eram de “serviços de
mão de obra de natureza
contínua visando à
implementação das ações
para o atendimento das
demandas do Lar da
Criança”, segundo o
Diário Oficial.
Contudo, mesmo com
esse orçamento milionário,
a Setas pouco investe
para o bem-estar das
crianças, o que tem
resultado em constantes
relatos de maus-tratos,
fugas e até rebeliões
dentro do próprio Lar.
Depois da morte do
menor J.C., 9 anos, que
vivia no Lar da Criança, a
Instituição sofreu algumas
mudanças, entre elas a de
administração, no qual a
psicóloga e também
funcionária do Estado
Marimar Michells assumiu
o cargo de
superintendência.
Assumindo o Lar num
momento totalmente
conturbado, Michells
admitiu em entrevista
exclusiva ao
Circuito Mato
Grosso
que o local passa
por alguns problemas
organizações, o que tem
facilitado a fuga das
crianças. E o principal
problema atribuído a essa
situação, segundo ela, é a
falta de capacitação do que
ela chamou de ‘novos
servidores’. São aqueles
que passaram no último
concurso e já estão
trabalhando há
“Nenhum dos novos
servidores que assumiram
o cargo possuíam
capacitação. Além disso,
eles encontraram uma
realidade muito diferente
do que esperavam em
relação à conduta das
crianças. Outra questão é
que os funcionários são de
nível superior e o trabalho
aqui é de dar banho,
ensinar a comer, além de
outros acompanhamentos,
e infelizmente eles não
estão acostumados a lidar
com isso”, diz Marimar.
Ela também deposita a
responsabilidade nos
servidores pela última
fuga. “No dia que houve a
fuga de 19 crianças, era
uma período de troca de
turnos e por isso os
servidores se descuidaram
e as crianças se
aproveitaram”, conta.
Sobre todas essas
questões, Marimar
Michells informou que está
tomando providências.
Quanto aos apontamentos
realizados pela diretora,
que cita a ausência dos
cuidadores dentro da
escola, a superintendente
confirmou que um dos
pedagogos está sendo
designado para responder
por essas questões e logo
deverá ser apresentado às
diretoras.
Já em relação às
denúncias de maus-tratos,
a superintendente informou
que está acompanhando,
junto com a Deddica, os
casos, e se for confirmado
o depoimento dos menores,
os servidores responsáveis
serão exonerados.
Superintendente culpa
despreparo de cuidadores
Diretora denuncia omissão
O acompanhamento
ou da falta dele no Lar da
Criança está se refletindo
na escola, onde os
menores são
encaminhados para
assistirem aulas com
outras crianças. A
rebeldia dos estudantes
que se negam a participar
das aulas e das atividades
complementares é
constante e mesmo a
escola informando ao
Lar, nenhuma medida é
tomada, relatou com
exclusividade ao
Circuito
Mato Grosso
a diretora
Denise Souza, da Escola
de Ensino Fundamental
Djalma Ferreira.
Na escola estão
matriculadas 15 crianças,
mas dificilmente todas
que chegam ali participam
das aulas. De acordo com
a diretora, todos os dias
eles precisam lidar com
alguma situação
envolvendo os menores
que se recusam a
participar das atividades e
para conseguir apoio do
Lar da Criança, apenas
com convocação.
“O caso mais grave
que temos na escola de
falta de atenção do Lar
aconteceu em uma
segunda-feira, quando as
crianças saíram do
Programa Mais Educação
e ficaram esperando fora
da
escola o
ônibus
que
sempre
as
buscam
por volta
das 17
horas.
Contudo,
nesse dia
já era
18h30 e
elas
retornaram
dizendo
que
ninguém tinha vindo
buscá-las. Quando o
ônibus chegou eram quase
19 horas, e a justificativa
que o Lar deu foi a falta
de motorista no dia, mas
acho que não custava
nada ligar aqui, pois assim
não íamos deixar as
crianças nem saírem do
portão”, contou a
diretora, que antes já
havia ligado para a
instituição, sem sucesso.
A diretora relata
ainda que outra
dificuldade
que a
escola
vem
enfrentando
é realizar
um
trabalho
em
conjunto
com a
equipe da
instituição,
pois,
quando
precisam
de ajuda,
apenas
com convocação alguém
vai até a escola saber o
que está acontecendo.
“Durante este ano,
apenas uma vez viram o
psicólogo e um monitor
do Lar conversar com
dois meninos que não
queriam participar de
nenhuma atividade.
Contudo, todas as outras
vezes que liguei é uma
pessoa diferente que
atende o telefone, e com
isso, até hoje não conheço
a coordenadora do local”,
desabafa Denise Souza.
Todas as 15 crianças
que frequentam a Escola
Djalma Ferreira passam
por alguma dificuldade de
aprendizagem que já vêm
com os problemas que
passaram em casa. Logo,
muitos estão em uma
série a menos do indicado
para a idade e a
dificuldade de
aprendizagem é imensa.
“Não sei se o Lar da
Criança acompanha as
tarefas que nós
mandamos as crianças
fazerem fora da escola,
mas temos a clareza que
eles são diferentes e por
isso precisam de
incentivo. É por isso que
o trabalho em conjunto é
necessário”, lamenta a
diretora.
“Durante este ano, apenas
uma vez viram o psicólogo
e um monitor do Lar
conversar com dois
meninos que não queriam
participar de nenhuma
atividade. Contudo, todas
as outras vezes que liguei é
uma pessoa diferente que
atende o telefone, e com
isso, até hoje não conheço
a coordenadora do local”
Deddica abre inquérito
para apurar maus-tratos
A Delegacia
Especializada de Defesa
dos Direitos da Criança e
do Adolescente
(Deddica) abriu inquérito
para apurar a suspeita de
maus-tratos dentro do Lar
após a fuga das 19
crianças, de acordo com o
delegado Eduardo Botelho.
O delegado confirmou
também que todos os
cuidadores que estavam de
plantão já foram ouvidos e
agora só aguarda o estudo
psicossocial das crianças
que fugiram.
Com esse estudo o
delegado pretende realizar
um enfrentamento de
depoimentos para saber
qual parte relatou a
realidade. Além disso, foi
anexado ao inquérito
também o ‘motim’
realizado no dia 15 dentro
do Lar, quando algumas
crianças subiram no
telhado e colocaram fogo
em colchões. “O inquérito
apura os motivos das
fugas frequentes desde
abril deste ano e o alto
índice de reclamações de
maus-tratos”, afirma
Botelho.
Atualmente o Lar da
Criança está abrigando 85
menores que estão sob a
tutela do Estado, por estar
sofrendo algum tipo de
violência nos ambiente nos
quais viviam. Mas apesar
de todo trauma em casa, a
situação não muda muito
quando são levadas para o
Lar, pois de acordo com
conselheiros tutelares, as
principais ações realizadas
nos últimos tempos
envolvem o recolhimento
de crianças que fugiram
do local alegando maus-
tratos.
Temendo algum tipo
de perseguição, os
conselheiros
preferiram não
se identificar,
mas relataram
que as fugas
são semanais e
geralmente é o
mesmo grupo.
Quando
encontram as
crianças, elas
estão com
vários
hematomas
pelo corpo.
“As fugas
sempre
envolvem um
grupo de três a cinco
crianças, e o que mais
espanta é que alguns não
têm nem cinco anos de
idade direito. Quando o
Conselho Tutelar as
encontram, geralmente
estão sem sapato, com
unhas grandes, com piolho
e com a pele encardida,
mas não é um sujeira de
crianças que ficou
brincando, e sim de
criança abandonada. Além
disso, já encontrei menor
com a bochecha
machucada e lesões pelo
corpo”, diz um dos
conselheiros.
O conselheiro destaca
que essas lesões são as
mais visíveis, mas ainda
há o caso de menores que
contam que levam vários
socos na cabeça, os
famosos cascudos, e até
apanham de toalha
molhada dentro do
banheiro.
“Nos últimos meses
esses relatos têm sido
mais constantes e acredito
que seja pela falta de
capacitação dos novos
monitores que não sabem
lidar com esses menores
que chegam dentro do Lar
cheios de problemas
sociais e psicológicos”,
diz.
Já uma das
conselheiras afirma que o
principal problema é que a
Instituição está sendo
protegida, pois há vários
Boletins de Ocorrência
(B.O.) registrados e
mesmo assim nada é feito
para investigar os casos
de maus-tratos.
“Os maus-tratos estão
sendo vistos no rosto das
crianças. Há quatro anos
quando entregávamos um
menor para o Lar,
sabíamos que iria melhorar
a vida dele, mas agora a
realidade é que eles não
passam muito tempo e já
fogem. E um dos
depoimentos que mais me
cortaram o coração foi de
uma criança que fugiu e
falou: “Tia, por que a
senhora não busca meus
irmãos no Lar e devolve
para a minha mãe, porque
com ela nós só
passávamos fome, e lá
dentro nós passamos fome
e apanhamos”, relata.
Um dos motivos desse
relato está diretamente
envolvido com os castigos
aplicados que é retirar
alguma refeição dos
menores.
“Tia, por que a
senhora não busca meus
irmãos no Lar e devolve
para a minha mãe,
porque com ela nós só
passávamos fome, e lá
dentro nós passamos
fome e apanhamos”
Lar da Criança há mais de um ano vem sendo alvo de
denúncias de falta de estrutura e maus-tratos
Internos vítimas de violência e abandono
também estariam sofrendo agressões no lar
Nova superintendente
do Lar da Criança,
Marimar Michells
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