EDIÇÃO IMPRESSA - 467 - page 4

CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 20 A 27 DE NOVEMBRO DE 2013
GERAL
P
G
4
DOSSIÊ
Angústia e humilhação no SUS...
Nos últimos 10 anos o Sistema Único de Saúde (SUS) vem sofrendo um desmonte em Mato Grosso. Uma CPI da Saúde chegou a ser
criada e divulgada com ênfase, mas sem resultados. E agora os deputados voltam ao tema ao divulgar “dossiê” apontando o
sucateamento de órgãos fundamentais no tratamento e cura dos pacientes, já que a população está doente por não ter nem mesmo
acesso a saúde preventiva de qualidade. Diante desta triste realidade, angústia e humilhação são adjetivos que parecem caminhar
lado a lado na saúde pública em Mato Grosso. Por Camila Ribeiro. Fotos: Mary Juruna
Por meio de sua assessoria de imprensa, o
secretário de Estado de Saúde, Jorge
Lafetá, alegou já ter recebido o relatório
elaborado pelos parlamentares que
compõem a Comissão de Saúde da AL-
MT. Ainda segundo a assessoria, o titular
da pasta irá se reunir com sua equipe e
num prazo de 30 dias apresentará ações
para os problemas emergenciais. Os
repasses em atraso ao Cridac também
devem ser solucionados neste período.
O OUTRO LADO
PROBLEMAS ESTÃO POR TODOS OS LADOS
HOSP I TAL
ADAUTO BOTELHO
A unidade que é
referência em saúde
mental no Estado vive
situação desoladora.
Embora seja dotado de
equipe multidisciplinar
composta por médicos,
psiquiatras, enfermeiros,
psicólogos, assistentes
sociais, terapeutas, entre
outros profissionais, o
local apresenta péssimas
condições físicas, sendo
que boa parte está
interditada pela Vigilância
Sanitária. Entre os
problemas, pacientes
deitados no chão, fiação
elétrica exposta, esgoto a
céu aberto, estoque de
medicamentos e insumos
insuficiente e banheiros
sem as mínimas condições
de uso.
HEMOCENTRO
Pelo menos
aparentemente, a estrutura
física do local está em
boas condições. O que
pesa neste caso é o fato
de que por conta da
dificuldade na aquisição
de insumos, reagentes e
materiais básicos, exames
de coagulação deixam de
ser realizados. Não
obstante, a unidade
apresentou diminuição
considerável de captação
de sangue, visto que o
nível central não oferece
as condições de aquisição
regular de medicamentos,
insumos e material.
MT LABORATÓRIO
Embora realize
procedimentos
laboratoriais de suma
importância, como
exames confirmatórios
de HIV, leishmaniose;
supervisão e
monitoramento de
tuberculose e
hanseníase, entre
outras especialidades,
as condições são tão
precárias que homens
e mulheres têm que
dividir o mesmo
banheiro, já que o
masculino encontra-se
com construção
inacabada.
“Atendimento tá mais difícil
que tirar leite de onça”
Com as pernas
inchadas, caminhando a
passos lentos, auxiliado
por uma bengala e com
uma lista de
medicamentos e pedidos
médicos nos bolsos,
Alvino Alves Correa mais
uma vez chega ao Centro
Estadual de Referência de
Média e Alta
Complexidade (Cermac)
na tentativa de conseguir
realizar um procedimento
cirúrgico. Ele relata que
em 2011 notou uma
ferida em sua perna. O
ferimento acabou se
agravando e Alvino
contraiu uma infecção nos
ossos. No início de 2012,
o médico recomendou
que ele fizesse uma
raspagem nos ossos,
procedimento que até
hoje o aposentado não
conseguiu realizar.
Morador de Alta
Floresta (812 km de
Cuiabá), Alvino afirmou
que, somente no ano
passado, veio até o
Cermac doze vezes na
tentativa de realizar o
Estado retém verba federal e sucateia Centro de Reabilitação
Diariamente, Marias,
Josés, Antônios, entre
outras tantas pessoas,
enfrentam filas em
hospitais superlotados, se
submetem a consultas em
salas inadequadas,
padecem com a falta de
medicamentos e
equipamentos básicos
para que o atendimento
à saúde seja realizado de
forma humanitária. O
poder público, por sua
vez, parece fechar os
olhos ou simplesmente
ignorar o sofrimento
enfrentado por uma
grande parcela da
população que tem o
Sistema Único de Saúde
(SUS) como única
alternativa.
Prova disto é que,
sem qualquer explicação,
o Estado reteve R$ mais
de R$ 7 milhões do
orçamento do Centro de
Reabilitação Dom Aquino
Côrrea (Cridac). O
montante faz parte do
orçamento de R$ 8
milhões do Cridac para o
ano de 2013 e que é
destinado pelo Governo
Federal por meio do
Ministério da Saúde. Os
recursos são provenientes
da Fonte 112 do
Ministério e cabe ao
governo do Estado
simplesmente repassar o
valor à instituição
beneficiada. No entanto,
ao longo de todo este
ano, foram repassados
ao Cridac apenas cerca
de R$ 800 mil.
O orçamento
‘minguado’ e a falta de
repasses refletem
negativamente no
tratamento de pessoas
como a aposentada Luci
Helena de Amorim Lemes,
uma das que vivem as
angústias de ter que
depender do sistema
público de saúde. Aos 53
anos de idade, ela diz
presenciar os problemas
apontados no relatório da
Comissão de Saúde,
Presidência e Assistência
Social da Assembleia
Legislativa (AL-MT),
divulgado na última
semana.
À reportagem, a
aposentada relatou ter
procedimento. “Conseguir
essa cirurgia está mais
difícil que tirar leite da
onça. Saio de uma
distância de mais de 800
km, venho aqui, um dia
estão de recesso, outro
dia entraram em greve,
no outro acontece alguma
coisa e assim vai indo. Já
percebi que tenho sido
deixado de lado”, conta.
Por conta do
agravamento da ferida,
Alvino sofre com má
circulação sanguínea,
inchaço nas penas e
pés, dores muito fortes.
Ele lamenta, ainda, o
descaso de alguns
profissionais e dos
gestores com a saúde
pública no Estado. “A
gente encontra muita
dificuldade em busca do
atendimento. Tudo
muito tumultuado, as
coisas vão sendo
adiadas. Tem gente com
tamanha brutalidade
que não sabe o
sofrimento que eu e
outras pessoas aqui
passamos”.
sofrido um acidente
vascular cerebral (AVC)
em maio de 2012 e
desde então teve que dar
início a fisioterapia. Com
joelho deslocado,
dificuldades para andar,
dores nos braços, ela
conta que encontra
problemas na
infraestrutura do Cridac.
“Às vezes eu ando com
cadeira de rodas, às
vezes com andador,
então quando tenho que
ir ao banheiro, por
exemplo, encontro
dificuldades porque eles
não são adaptados”,
lamenta.
Além das péssimas
condições de uso dos
banheiros, Luci Helena
relata que as salas do
Centro, em sua grande
maioria, estão com
infiltrações nas paredes,
muitos equipamentos com
defeito, pintura
desgastada, entre outras
dificuldades. “Fiquei
sabendo até que esses
tempos teve uma parede
de uma sala que
desabou, eu acho que os
governantes deveriam dar
uma atenção especial
aqui para o lugar”, diz.
Equipamentos antigos e resultados demorados
O sofrimento de José
Roberto Cruz é ainda maior.
Ele, que também sofreu um
AVC, está há três anos
frequentando o Cridac. A
esposa, Eliete Silva da Cruz,
que sempre o acompanha,
alega que a reabilitação de
seu companheiro é uma luta
diária. Segundo Eliete, os
materiais utilizados nas
sessões de fisioterapia são
muito antigos. “Ele precisa
fazer exercícios para os
braços e as pernas, mas os
aparelhos estão em péssimas
condições. Bicicletas velhas e
desgastadas por conta do
tempo de uso”.
Eliete afirma que,
embora os profissionais
sejam extremamente
atenciosos e capacitados, o
atendimento acaba sendo
prejudicado pela falta de
materiais adequados.
“Acredito até que a
recuperação do meu esposo
poderia ter sido melhor se ele
tivesse acesso a materiais
novos, equipamentos mais
modernos”. Triste, a dona de
casa conta que o marido
passa, inclusive, por situações
de constrangimento, já que
ele utiliza cadeiras de rodas e
por falta de banheiros
acessíveis, frequentemente
precisa pedir a ajuda de
outras pessoas. “Poucos
banheiros são adaptados e,
infelizmente, não atendem às
necessidades dos pacientes
que frequentam aqui”.
Por fim, dona Eliete
ainda relata que muitas salas
estão fechadas para
reformas. “Acredito que os
pacientes deixam de fazer
atividades que seriam
importantes para a
recuperação. A gente espera
que melhorias sejam feitas,
porque apesar dos
problemas não podemos
deixar o local fechar. Eu, por
exemplo, não tenho
condições de pagar um
fisioterapeuta particular”,
desabafa.
Apo s en t ada , L u c i A l v e s l amen t a o abandono e
de s ca s o do s ge s t o r e s em r e l ação ao Cr i dac
A e x emp l o do s enho r A l v i no Co r r ea , pac i en t e s
v i v em ‘ pe r eg r i nação ’ em bu s ca de a t end imen t o em
un i dade s de s aúde do E s t ado
E l i e t e Cr u z a c r ed i t a
que , não f o s s em a s
p é s s i ma s c ond i ç õe s do s
e q u i p ame n t o s ,
r e s u l t ado da
f i s i o t e r ap i a pode r i a s e r
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