CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 29 DE AGOSTO A 4 DE SETEMBRO DE 2013
CAPA
P
G
8
SAÚDE MENTAL
Médico diz que pacientes têm que “escolher horário para surtar” por falta de medicamentos.
Por: Camila Ribeiro. Fotos: Mary Juruna
Adauto vive pior fase da sua história
Dividido em
unidades que, em tese,
deveriam prestar
atendimento aos
cidadãos portadores de
transtornos mentais e
comportamentais e
usuários de substâncias
psicoativas, o Hospital
Psiquiátrico Adauto
Botelho vem sendo
protagonista de uma
sucessão de problemas
estruturais, abandono,
descaso e falta de
atendimento continuado.
O problema é ainda
mais grave levando em
consideração que a
unidade é a única
alternativa no Estado
para pessoas que
sofrem transtornos
mentais.
“O problema é
crônico, a mesma
Para
Sindimed,
falta
seriedade
A presidente
do Sindicato dos
Médicos
(Sindimed), Elza
Queiroz diz que
quando se fala
em um paciente
com problema
mental, a questão
é ainda mais
séria e grave. “É
inadmissível que
faltem
medicamentos.
Isso retrata a
completa falta de
seriedade, de
comprometimento
e compromisso
do Estado com a
saúde”, alegou.
Para a médica, a
saúde como um
todo está um
caos porque a
atenção primária
é um problema e
o atendimento de
urgência/
emergência
também. “A
saúde mental,
então, parece
estar sendo
relegada a último
plano pelos
gestores”,
completou a
presidente.
A reportagem não
pode ter acesso ao interior
do Ciaps III, mas teve
conhecimento de que das
oito enfermarias uma está
interditada por conta de
problemas estruturais.
Também pelo relato dos
familiares é possível
imaginar o caos instalado
na unidade. “Muitos quartos
estão com o forro
despencando, os colchões
estão em péssimas
condições, muitos banheiros
têm infiltrações, os
problemas são muitos por
aqui”, declarou
Tania de
Lourdes Silva
.
“A gente fica triste
porque percebe que os
funcionários têm uma
atenção muito grande com
os pacientes, mas parece
que eles não têm muitas
condições para trabalhar”,
completou Tania.
Como o local não é
cercado, a reportagem
pode perceber que os
pacientes realizam as
atividades na medida do
possível. Alguns, por
exemplo, faziam
levantamento de peso com
materiais improvisados. As
atividades recreativas
também. Há relatos dando
conta que, por vezes, os
próprios funcionários é que
levam equipamentos para
de alguma forma auxiliar a
prática de atividades lúdicas
na unidade.
Também do lado de
fora, foi possível perceber
um espaço sem muitos
atrativos ou cuidados. A
precariedade da unidade
pode, inclusive, representar
risco à segurança e à saúde
dos pacientes e
trabalhadores que atuam na
unidade.
Um lugar esquecido
pelo poder público estadual,
vítima da falta de
medicamentos, de materiais
de higiene pessoal e de
limpeza e da ausência de
uma estrutura adequada
para atender aos pacientes.
Este é o cenário encontrado
na unidade III do Ciaps
Adauto Botelho, localizada
próxima ao Detran-MT,
criada para atender
dependentes químicos –
álcool e drogas -, mas que
com o fechamento da
urgência do hospital também
tem recebidos pessoas com
transtornos mentais.
Na última semana, a
reportagem do Circuito
Mato Grosso acompanhou
uma mãe que tentava uma
vaga para o filho no Ciaps
da região sul de Cuiabá,
mas encontrou o pronto-
atendimento da unidade com
as portas fechadas. O
motivo: falta de
medicamentos. Diante desta
situação,
Luzia Dias
recorreu
ao Ciaps III e chegando lá,
constatou que a situação não
é diferente. Os pacientes, em
sua grande maioria,
dependentes da droga e do
álcool, se viam ‘reféns’ de um
estoque de remédios
praticamente zerado. O que
causa estranheza nesta
situação é o fato de que a
unidade que lida com a
desintoxicação de
Pacientes sem medicamentos e
à beira de surtos no Ciaps III
dependentes fique
desassistida dos
medicamentos que são
indispensáveis para o
tratamento dos pacientes.
É sabido por todos que
pessoas em abstinência da
droga ou do álcool podem
apresentar os mais diferentes
tipos de reação
comportamental, como
depressão, mal-estar,
inquietação, insônia, perda
da capacidade de
concentração ou até mesmo
surtos agressivos, de forma
que é imprescindível que o
paciente faça o uso rigoroso
dos remédios. A reportagem
esteve no Ciaps III em um dia
de visita (quarta-feira) e ouviu
reclamações de algumas
mães, esposas e familiares de
pacientes. A dona de casa
Maria Silva de Jesus
afirma
que o filho já passou pela
unidade diversas vezes e diz
que, não bastasse a falta de
remédios, a situação de
abandono do local é
desesperadora e angustiante.
“Antes os pacientes
recebiam materiais de
higiene, a unidade tinha
material de limpeza, mas de
uns tempos pra cá a família é
que tem que trazer tudo isso.
Acho uma situação
vergonhosa, porque parece
que o poder público ignora
essas pessoas que precisam
de atenção especial”, alega
Maria. (*nomes de familiares
são fictícios)
situação se repete há
anos. Dos 15 anos que
trabalho no local já
perdi as contas de
quantas vezes ele teve
que fechar as portas por
conta dos mais
diferentes problemas”,
relatou a enfermeira
Ubenice da Silva
Rondon, que atua no
Centro de Atenção
Psicossocial (Ciaps)
Adauto Botelho,
localizado no bairro
Coophema.
A profissional alega
que a situação é de
caos generalizado na
unidade. “Uma hora
falta médico, outra
falta medicamento, isso
sem contar os
problemas de
superlotação. Chega a
um ponto em que a
unidade tem que fechar
mesmo, pra evitar
aquilo que chamamos
de ‘leito-chão’”, disse a
enfermeira ao se
lembrar das inúmeras
vezes em que pacientes
tiveram de dormir no
chão do hospital por
falta de leitos.
Ela ainda questiona
o fato de o Estado
investir milhões nas
Organizações Sociais de
Saúde (OSSs) em
detrimento de
investimentos na área
da saúde mental. “O
Estado simplesmente
virou as costas para a
saúde mental. Onde
será que está todo o
dinheiro do governo?”,
indagou a servidora.
O médico Werley
Peres, que atuou no
Adauto Botelho entre os
anos de 2005 e 2011,
afirma que em Mato
Grosso a saúde mental
está completamente
sucateada. “A situação
é mesmo complicada
em todas as unidades
do Adauto Botelho. Os
doentes mentais foram
deixados de lado pelo
poder público”,
assegura. Ele revela que
o atendimento à saúde
mental é feito de
maneira completamente
equivocada no Estado.
“Se você, por exemplo,
vai até a porta de
entrada do Adauto
depois das 19 horas,
não tem atendimento.
Aqui o paciente tem que
escolher horário para
surtar. Essa questão está
sendo jogada pra
debaixo do tapete e
não é tratada com a
seriedade que deveria”,
alegou Peres.
O médico ressalta
que a situação caótica
que familiares de
pacientes internados no
Adauto é fruto de um
“erro no processo de
condução da saúde
pública”. Ele pontua
que os servidores têm
muita vontade de
trabalhar, mas acabam
pagando o preço pela
ineficiência do Estado.
“Aqueles que
trabalham com a saúde
mental é porque
querem, porque
realmente gostam do
que fazem. Infelizmente,
muitos não têm
condições mínimas de
desenvolver seu trabalho
por conta do
sucateamento da saúde
mental em Mato
Grosso”, declarou.
Saúde Men t a l no e s t ado é v í t ima da f a l t a de comp r ome t imen t o do Gove r no .
No C i ap s I I I , pac i en t e s con v i v em com p r ob l ema s
e s t r u t u r a i s , a l ém da f a l t a de p r odu t os de h i g i ene e
ma t e r i a i s pa r a a t i v i dad e s l úd i c a s .
Com e x pe r i ênc i a de s e i s ano s a t uando
na s aúde men t a l , Dr. Pe r e s a l ega que e x i s t e
um e r r o na cond i ção da saúde em MT,
d e i x ando - a c omp l e t ame n t e s u c a t e ada .
P r on t o a t end imen t o do Adau t o Bo t e l ho f e chou a s
P
po r t a s po r f a l t a de med i camen t o s
Funcionários ajudam
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