EDIÇÃO IMPRESSA - 455 - page 7

CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 29 DE AGOSTO A 4 DE SETEMBRO DE 2013
POLÊMICA
P
G
7
“Precisar de atendimento médico público é muito complicado; agora, precisar de uma cirurgia é quase uma sentença de morte”,
relata a diretora da Casa de Apoio Esperança. Por: Mayla Miranda. Fotos: Mary Juruna
SAÚDE PÚBLICA
Certeza apenas do serviço funerário
Ter um parente
desacordado sem a mínima
ideia do que tenha
acontecido e não conseguir
nenhuma explicação
médica, mesmo internado
em um pronto-socorro,
pode ser mais do que
complicado: pode ser
desesperador. Esta é a
história da estudante Lucenir
Machado que recebeu um
telefonema dizendo que sua
mãe dormiu e não acordou
mais. Junto com parentes,
conseguiu dar entrada da
mãe Marcília de Freitas
Central de Regulação é caixa-preta
20 pessoas
aguardam
por cirurgia
cardíaca
Somente esta
semana, cerca de 20
pessoas aguardavam
cirurgia cardíaca
dentro do Pronto-
Socorro Municipal de
Cuiabá, de acordo
com relatos de
médicos que atuam
na instituição. A
maioria dos
procedimentos não
está sendo realizada
por falta de insumos
básicos.
Para o doutor
Maxuel Vasconcelos,
que atuou em um dos
departamentos da
Central de Regulação,
o grande problema
da não execução dos
procedimentos está
mesmo na falta de
organização da
saúde.
“As fichas chegam
e são separadas
manualmente pelos
servidores. As mais
simples são
encaminhadas e as
mais complexas ficam
separadas para
avaliação, mas como
não há um
cadastramento
eletrônico, muitas
acabam se
perdendo”, alerta o
médico.
Paciente chega a pensar
que é trote da Regulação
Ao receber o
telefonema da Central de
Regulação para a
realização dos exames,
muitas pessoas chegam a
achar que era trote,
tamanha a demora para
conseguir o serviço, diz o
secretário municipal de
Saúde, Kamil Fares, ao
reconhecer os problemas
na regulação dos
pacientes. “Como em todo
o Brasil, Cuiabá é um
grande exemplo das longas
filas dos exames”.
Para minimizar o
quadro, foram feitos dois
mutirões recentemente, um
de exames e o segundo,
mais recente, realizado em
parceria com a Santa Casa
de Cuiabá, Associação
Nacional de Cirurgia
Pediatria e Secretaria
Municipal de Saúde, para
a realização de cirurgias
clínicas pediátricas,
selecionadas através da
Central de Regulação para
50 crianças de todo o
Estado, com problemas de
média complexidade.
Para a professora
Evanil de Arruda, o
chamado para a realização
do procedimento em seu
filho foi surpreendente, já
que esperava pela cirurgia
há mais de quatro anos e
estava perdendo a
esperança: “O meu filho
sofre muito com o
problema de hérnia e é tão
difícil ver que não pode
brincar nem levar uma vida
normal como as outras
crianças. Por diversas vezes
pensei em procurar o
serviço particular, mas com
o meu salário não tinha
condição”, desabafa.
A reclamação dos
serviços prestados,
principalmente pela
Central de Regulação
Municipal e Estadual,
vem de todas as esferas
da saúde. De acordo
com a presidente do
Sindicato dos Médicos
(Sindimed-MT), Elza
Queiroz, ninguém
consegue ter acesso aos
dados operacionais do
setor.
“Eles dizem que
foram feitos mutirões
para exames e
atendimento, mas mesmo
o sindicato solicitando
dados, não recebemos
respostas. Desta forma,
torna-se impossível de se
ter um parâmetro da
atuação da saúde
pública sem esses
números”, desabafa a
presidente que completa
dizendo que todo este
problema vem da falta de
organização dos dados
na Central e por não
priorizarem a saúde do
Estado e do Município.
Apesar das diversas
medidas anunciadas para
a melhoria do cenário, o
sindicato garante que
praticamente nada foi
feito. Nem mesmo os
compromissos firmados
pelo governo no dissídio
coletivo – acordo
registrado com a
categoria para a volta
dos médicos após a greve
– foram cumpridos.
“Eu trabalho há anos
no Hospital Júlio Muller,
referência regional, e
inúmeras vezes nós
pedimos um exame, por
exemplo, de colo de
útero, mas o resultado
chega cerca de um ano
depois. Assim o trabalho
de identificação precoce
de tumor cai por terra e o
tratamento da paciente
fica totalmente
comprometido”, alerta
Elza. Casos de mulheres
que solicitam exames de
ultra-som no pré-natal e
recebem a ligação para
efetuar o exame quando
já ganharam os seus
filhos também são
rotineiros na rede.
Ao longo dos últimos
20 anos, a saúde do
Estado vem sendo
sucateada, sem receber
nenhum investimento.
Leitos de hospitais foram
fechados e nenhum novo
atendimento aberto,
somente registrando
pequenas reformas em
hospitais. Um exemplo
clássico é o abandono do
Hospital Modelo, que já
passou pela promessa de
retomada das obras em
várias gestões.
“Nós já pedimos que
se investisse 10% do
Produto Interno Bruto (PIB)
na saúde, mas nada foi
feito. Para melhorar a
saúde não precisamos
apenas de médicos,
precisamos também de
estrutura”, pondera. Para
o Sindimed a solução da
saúde é simples:
“Chama-se investimento e
compromisso com a
população”.
Araújo no Pronto-Socorro
Municipal de Várzea
Grande há mais de quatro
dias, mas nenhuma
informação sobre as causas
da perda da consciência foi
dada. Desesperados por
um diagnóstico, a família
tenta a transferência da
paciente para uma
instituição particular, mas o
grande problema é a
viabilização de recursos, por
serem trabalhadores de
renda baixa.
Trata-se de mais um
dos casos de quem espera
por atendimento ou uma
resposta do Sistema Único
de Saúde (SUS). As filas
para exames, cirurgias e
atendimentos são imensas
na rede pública e podem
durar anos. Além disso, os
pacientes ficam perdidos
diante da burocracia e da
falta de informação.
“Nós não fazemos
ideia do que aconteceu com
ela, dizem que pode ter sido
um acidente vascular
cerebral (AVC), mas não
nos dão um diagnóstico
definitivo. E se ela estiver
correndo risco de morte,
como vamos fazer?”,
questiona desesperada
Lucenir que relata o
empenho da família em
busca de recursos, até
vendendo bens para
conseguir transferir a mãe
para um hospital particular.
Para a diretora da
Casa de Apoio Esperança –
que abriga pacientes
hospitalares sem recursos
para hospedagem –, Ilza
Maria Rodrigues, a falta de
atendimento e respeito com
o cidadão já ultrapassou
todos os limites.
“Aqui em Cuiabá a
única coisa que funciona é
o serviço funerário. Toda
vez que um paciente que
está hospedado aqui morre,
consigo um caixão na hora.
Agora, atendimento médico
demora anos”, enfatiza.
Somente na semana
passada foram
reencaminhados às suas
cidades de origem mais de
38 pacientes hospedados
na casa de apoio. Todos,
sem exceção, não foram
atendidos adequadamente
e ficarão esperando uma
remarcação pela Central de
Regulação. Um dos
pacientes tem liminar
concedida pela Justiça que
decreta a cirurgia com
urgência por se tratar de
grave problema cardíaco,
mas mesmo assim não há
previsão de atendimento.
“Aqui no nosso Estado,
decisão judicial foi feita
para não ser cumprida.
Outro dia a Central de
Regulação me ligou para
marcar a cirurgia de um
paciente, mas ele já havia
falecido há 10 dias”,
destaca a diretora que se
recorda da perda de mais
de 50 pacientes nos 16
anos que está à frente da
casa de apoio.
Outro grande
problema destacado por
Ilza é a falta de
atendimento e despreparo
da Central de Regulação
que, por muitas vezes,
ignora os pacientes. “Não
treinaram os funcionários
que se tornaram máquinas
insensíveis para dizer
‘não’. O mesmo acontece
com os seguranças do
Pronto-Socorro Municipal
que agem como ‘pit
bulls’”, desabafa
indignada.
A r ea l i z ação de p r oc ed imen t o s c i r ú r g i co s s em a s cond i çõe s
adequadas é o me smo que uma s en t ença de mo r t e , ga r an t e S i ndmed
“O s e r v i ço f une r á r i o é a ún i ca co i s a que f unc i ona
na no s s a c i dade ” , de s aba f a a d i r e t o r a da Ca s a de
Apo i o E s p e r an ç a , I l z a Ma r i a Rod r i gu e s
Pa r a a p r e s i den t e do S i nd imed , E l z a Que i r o z , não
há f a l t a de méd i cos , mas s im a f a l t a de cond i çõe s
de t r aba l ho pa r a o s p r o f i s s i ona i s
De aco r do com o s ec r e t á r i o de Saúde mun i c i pa l ,
Dr. Kami l Fa r e s , j á e s t ão s endo r ea l i z ado s
mu t i r õe s de a t end imen t o pa r a d imi nu i r a s f i l a s
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