CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 2 A 8 DE MAIO DE 2013
POLÍTICA
P
G
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PROSTITUIÇÃO
Oficialização poderá garantir assistência adequada às “profissionais do sexo” que sempre viveram à margem da sociedade.
Por: Diego Frederici. Fotos: Pedro Alves
PEC quer profissionalizar atividade
Profissionais do sexo, ou
garotas de programa, são
comuns em praticamente
todos os lugares do mundo.
Seja em pequenas cidades ou
nas grandes metrópoles, “a
profissão mais antiga do
mundo”, como é
popularmente conhecida, é
sempre recorrente nas
esquinas, becos e bares dos
municípios. Paradoxalmente,
apesar de comuns, essas
pessoas continuam à margem
da sociedade e de políticas
públicas específicas. A
Proposta de Emenda à
Constituição 4211 (PEC
4211), de autoria do
deputado Jean Wyllys (PSOL-
RJ), prevê a regulamentação
da atividade de profissionais
do sexo. Em tempos de
investimentos em infraestrutura
para a Copa do Mundo, é
um assunto relevante, quando
se leva em conta que o Brasil
é um dos destinos preferidos
para turistas que vêm para cá
em busca de sexo, conhecido
também como turismo sexual.
E Mato Grosso é um Estado
que não foge à regra.
Anne Gomes, professora
e pesquisadora do Núcleo de
Estudos sobre a Mulher e
Relações de Gênero
(Nuepom), considera o tema
Faltam programas de assistência à saúde
De donas de casa a
garotas de programa
No bairro do
Porto, em Cuiabá,
Tatiana aguarda seu
próximo cliente,
sentada próximo ao
balcão de um bar,
bebericando uma
cerveja. Na parede do
estabelecimento, um
desenho do líder da
Revolução Cubana,
Che Guevara. A
liberdade defendida
pelo socialista da Ilha
parece bem
incorporada ao dia a
dia da jovem de 23
anos. Olhos grandes e
curiosos fitam todos
que entram e saem do
humilde boteco. Mesas
espalhadas pelo recinto
são ocupadas por
outras mulheres,
acompanhadas, ou
não, de alguns
homens.
“Venho aqui um
dia ou outro da
semana. Tomo minha
cerveja e faço os
homens pagarem
minha conta. Às vezes o
programa acontece e
às vezes fica só na
amizade. Nos outros
dias da semana faço
manicure. Mas quando
a situação aperta, se
preciso comprar roupa
ou material escolar
para minhas duas
filhas, venho aqui para
conseguir um dinheiro”,
diz ela.
As ruas do Porto
não são, no entanto, o
único lugar da cidade
para quem procura por
sexo pago. Na BR-
364, no Pascoal
Ramos, mulheres de
todas as idades
concentram-se próximo
a um posto de
gasolina, na saída
para Rondonópolis.
Márcia é uma delas.
Uma mulher educada,
de bom vocabulário,
mas que traz no corpo
as marcas de uma vida
dedicada ao trabalho.
As mãos cheias de
calos, que se
revezavam na profissão
de doméstica e auxiliar
de produção.
“Trabalhei minha
vida inteira. Mas entre
passar fome e fazer
alguns programas para
ter um pouco de
conforto, não vejo
problema nenhum em
fazer isso. Agente só
existe porque homens
nos procuram e pagam
pela nossa companhia”,
afirma a mulher de
olhos azuis.
Personagens distintos
de uma mesma história
contada por pessoas
comuns, com filhos e
afazeres do cotidiano,
que não fazem parte
das camadas mais
abastadas da
sociedade: a falta de
políticas públicas, não
apenas para este
segmento de
profissionais, mas para
parcelas da população
que têm baixa renda e,
consequentemente, um
acesso mais difícil a
trabalho, educação,
saúde e demais
atributos que ajudam a
tornar a vida um pouco
mais digna.
Apesar de a Secretaria
Municipal afirmar que
existem políticas públicas
sanitárias para
profissionais do sexo, as
enfermeiras e assistentes
sociais entrevistadas
afirmaram desconhecer tal
programa. Na mesma
linha, os sucessivos
contatos com a assessoria
do órgão público foram
infrutíferos. Não houve
resposta da administração
sobre problemas
relacionados a doenças
sexualmente transmissíveis
ou demais dados do
cotidiano dessas pessoas.
Uma omissão
lamentável, do ponto de
vista de saúde pública,
segundo a enfermeira
Fabiana Aparecida, da
policlínica do bairro
Pascoal Ramos. Apesar do
interesse e da grande
procura, por parte dessas
mulheres, de contraceptivos
e consultas médicas, casos
em que as DSTs continuam
sendo transmitidas
crescem, mas sob outra
perspectiva, à qual as
garotas de programa não
estão diretamente ligadas.
Nela, os homens são os
protagonistas e vetores das
doenças.
“Mesmo sem uma
política de saúde
específica, as garotas são
extremamente disciplinadas
em relação à saúde. Uma
ajuda do Estado, no
sentido de divulgar,
poderia maximizar os
resultados. Hoje, homens
casados que contraem
doenças como sífilis e HIV,
acabam infectando suas
parceiras, mesmo se estes
se encontram num
relacionamento estável.
Embora não haja nenhum
incentivo por parte do
poder público para essas
mulheres, a parte que cabe
a elas na prevenção é
feita”, pondera ela.
A falta de um programa, bem como a sua ineficiência, não são os únicos problemas
enfrentados pelas mulheres que usam o sexo como fonte de renda. A falta de segurança nos postos
de saúde mais afastados, como no Pedra 90, diminui a procura por uma solução adequada para
a difícil realidade que algumas delas vivem, seja pela violência sofrida do próprio companheiro,
falta de medicamentos, marginalização etc.
Márcia, que atende clientes na região, tem no rosto o retrato da agressão física e do machismo
que permeia alguns setores de nossa sociedade. Sem um dos dentes, e desempregada, recorre ao
dinheiro de programas para conseguir pagar um dentista. A vergonha de falar normalmente, para
que ninguém perceba o resultado da agressão sofrida por um companheiro, é reflexo do ódio
irracional nutrido por essas pessoas. “Amanhã mesmo vou ao dentista”, diz ela, com uma das mãos
na boca. Violência que os funcionários da policlínica do bairro conhecem bem. Um enfermeiro, que
não quis se identificar, falou que a necessidade do preenchimento de um cadastro faz com que as
vítimas sintam-se intimidadas de relatar o que aconteceu, por medo dos companheiros, pela
vergonha de serem vítimas da violência – como se elas fossem culpadas – e o estigma que todos
esses elementos imprimem à vida de uma pessoa. “Elas preferem apanhar, mas não procuram por
ajuda. Muitas são vítimas de assassinos confessos e ex-presidiários, então o medo é compreensível.
Nós, funcionários que fazemos o atendimento, também ficamos numa posição delicada, pois não
há nenhum segurança para nos dar respaldo e também proteger as vítimas”, diz ele.
Violência prejudica
atendimento em postos
oportuno, pois quebra um
ciclo de exploração sexual
que atinge principalmente as
mulheres. Segundo ela, a PEC
4211 traz benefícios não
apenas para quem trabalha,
mas também representa um
avanço para a discussão do
machismo que permeia as
relações entre os gêneros, não
apenas no que diz respeito à
sexualidade, mas em vários
campos da sociedade.
“É preciso deixar o
preconceito e os benefícios de
que só gozam os homens, ao
tratar a mulher como uma
mercadoria. O discurso de
que a regulamentação da
profissão (do sexo) é dar
respaldo à sem-vergonhice, é
ultrapassado e um argumento
pouco sólido”.
Ela falou também da
falta de políticas públicas para
alterar este quadro, dizendo
que a lei Maria da Penha,
sozinha, não resolve as
questões de violência. “Temos
que mudar a cultura do
patriarcado, que dá o falso
direito ao homem de ser
proprietário da mulher. A falta
de políticas públicas precisa
ser mudada pela mobilização.
É um esforço que precisa do
apoio dos movimentos
sociais”, diz ela.
A pesquisadora fala da
problemática que envolve a
mulher e o tabu da
sexualidade que
historicamente persegue o
público feminino,
independente do estrato social
ou religião, por exemplo.
Segundo ela, a atividade de
profissional do sexo é um
trabalho invisível, precarizado,
considerado por muitos como
um “não trabalho”, uma
atividade marginalizada.
“A discussão em torno
dessa atividade precisa ser
feita para desmistificar e
mudar a relação de poder
que existe entre o homem, que
faz o sexo e tem prazer e a
mulher, que está ali apenas
para receber o sexo e dar
prazer ao parceiro”, diz ela.
O Nuepom tem a
proposta de estudar a
questão da mulher sob
diferentes aspectos, incluindo
mercado de trabalho,
sexualidade, violência etc.
Com sede na Universidade
Federal do Mato Grosso
(UFMT), o grupo agrega
estudantes, pesquisadores e
docentes, sobretudo da área
de Serviço Social da
instituição.
Son i a Ma r i a de J e sus , de 50 anos , há 10 s e p r os t i t u i no Ze r o Qu i l ôme t r o
( VG) e com o d i nhe i r o s u s t en t a a f i l ha e p r e t ende adqu i r i r uma ca s a
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Má r c i a t r aba l ha como domé s t i ca e aumen t a a
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