CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 7 A 13 DE FEVEREIRO DE 2013
POLÊMICA
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Servidores dizem que há uma tendência de destruição do serviço público e um massacre do funcionário de carreira.
Por Mayla Miranda. Fotos: Pedro Alves
SERVIÇO PÚBLICO
Enquanto milhares de
pessoas correm atrás da
tão sonhada vaga no
funcionalismo público em
busca de estabilidade,
servidores adoecem por
falta de condições
trabalho. Entre as
principais carreiras
ameaçadas pela carga
horária excessiva, falta de
condições de trabalho e
humanização do
ambiente, estão as de
enfermeiros, professores,
médicos e investigadores
da Polícia Civil. Salários
defasados completam a
lista de fatores que
favorecem a baixa
autoestima do servidor,
causadores de depressão,
estresse, hipertensão e
inclusive dependência de
álcool e drogas.
Dados do Sindicato
dos Médicos do Estado
Ainda na área da
saúde, os enfermeiros estão
entre os profissionais que se
declaram com mais
problemas em exercer a sua
tão sonhada profissão,
acarretando-lhes um estresse
ainda maior, principalmente
por conta das dificuldades
de se inserir e se manter no
mercado de trabalho de
uma maneira estável.
Segundo Benedito
Campos, enfermeiro há mais
de 30 anos, o profissional
da área que não está
concursado sofre um
massacre, tanto relacionado
ao salário quanto à falta de
respeito para com a classe,
já que atua com contratos
sem benefícios ou garantias.
“Um enfermeiro contratado
ganha pouco mais que um
salário mínimo por 8 horas;
quando já está com um
pouco mais de experiência,
400 professores de licença médica em MT
Para os profissionais
da educação, que têm
toda a responsabilidade
de formar cidadãos para
a vida, a luta por
condições dignas de
trabalho é ainda mais
constante, e o número e
doenças e casos de
afastamentos dos
profissionais em atuação,
além de crescente, é
alarmante. Segundo o
presidente do Sindicato
dos Trabalhadores no
Ensino Público de Cuiabá
(
Sintep
), João Custódio,
cerca de 70% dos
professores concursados
em atuação já passaram
dos 40 anos e apresentam
graves problemas de
saúde. Dentre eles estão
problemas com a voz,
coluna e, no caso das
mulheres, varizes.
“Esses profissionais
acabam pedindo
afastamento para realizar
tratamento de saúde e,
quando voltam, solicitam
Desvio de função revolta investigadores
Já para os
Investigadores da Polícia
Civil, o desvio de função
é ainda mais indignante e
desmotivador do que a
baixa remuneração
oferecida aos
profissionais. De acordo
com o presidente do
S i nd i ca t o dos
I nves t i gador es e
Agentes Prisionais
( S i age s poc ) ,
Aníbal
Marcondes
Fonseca, o desvio de
função praticado dentro
das delegacias – que
seria com a conivência
dos gestores públicos – é
o fator que mais
atrapalha o trabalho dos
investigadores. Os
investigadores estariam
deixando de exercer o seu
papel dentro das
delegacias.
“Hoje as delegacias
no estado viraram um
depósito de presos e vêm
se tornando cada vez
mais um local insalubre
para o trabalho. A
delegacia cheira mal, fica
lotada, barulhenta, suja,
é um verdadeiro descaso
com os policiais que
precisam realizar os
trabalhos de
investigação”, enfatizou.
Segundo os registros do
sindicato da categoria,
Sem aparato, policiais enfrentam
cobrança da sociedade
O investigador
aposentado da Polícia
Civil Miguel Pereira de
Souza diz que todas estas
adversidades somadas às
cobranças da sociedade,
pelo bom desempenho
do profissional, geram
um desconforto imenso e
desestabilizam o
trabalhador. “As pessoas
se esquecem que policiais
são seres humanos
normais, com erros e
acertos, e cobram
excessivamente uma
excelência na atuação
que eles não têm
condições de alcançar,
principalmente por falta
de aparato”, conta.
Ainda segundo o
investigador, os pedidos
de afastamento dos
profissionais e de licença
médica aumentam
sistematicamente,
principalmente por conta
d e
Mato Grosso
(Sindimed) revelam que
cerca de 20% dos médicos
em atuação hoje na
capital sofrem de alguma
doença relacionada às
más condições de
trabalho. Segundo a
presidente do Conselho
Regional de Medicina do
Estado do
Mato
Grosso
(CRM-MT),
Dalva
Alves das Neves,
uma das mais comuns é o
envelhecimento precoce
dos médicos e a alta nos
índices de doenças
apresentados pelos
profissionais.
“Apesar de ainda
iniciais, os resultados dos
estudos são alarmantes.
Crescem
compulsoriamente os
casos de alteração
repentina do humor
decorrente do estresse,
problemas cardíacos,
pressão alta, diabetes e
infelizmente casos de
profissionais envolvidos
com álcool e drogas. Os
estudos revelam também
que muitos desses
envolvimentos com drogas
são resultantes da alta
carga horária enfrentada
pelo profissional que
acaba utilizando estes
recursos”, lamenta Dalva
Neves. Os problemas dos
médicos que atuam no
serviço público ainda
incluem a questão salarial,
de acordo com a
presidente do Sindimed,
Elza Queiroz.
E a falta de condições
de trabalho não ocorre só
em Cuiabá. “Nós vemos
com frequência médicos
abandonarem as cidades
do interior, onde
conseguem uma
remuneração mensal de
cerca de R$20.000,00,
por não terem condições
de atender os pacientes
com o mínimo
necessário”, relata o
médico Werley Peres,
diretor do Sindicato dos
Médicos de Mato Grosso
(Sindimed). Peres conta
ainda que o profissional
acaba aceitando a
proposta de trabalho por
conta do salário, mas
quando se vê sem
condições de atuar
dignamente não consegue
permanecer na cidade.
“Já existem vários
estudos que comprovam a
teoria de que um
profissional com uma
remuneração baixa ou
média, mas com plena
condição de desenvolver
um bom trabalho, é mais
feliz do que um
profissional que ganha
muito, mas não consegue
desenvolver um trabalho
adequado”, pontuou o
médico lembrando que
não é raro encontrar
hospitais sem
medicamentos, leitos,
materiais básicos para a
coleta de exames e
lotação nos prontos
atendimentos.
Enfermeiros ainda
mais massacrados
consegue chegar ao
patamar de R$900,00, o
que com certeza os leva
para plantões desumanos.
Já o profissional concursado
tem um salário inicial de
R$1.200,00 por 8 horas, um
enfermeiro plantonista ganha
de R$900,00 a R$1600,00
por 40 horas, após
concurso”. Ele revela ainda
que cerca de 10% dos
profissionais concursados da
enfermagem em Cuiabá
estão doentes, com
depressão, diabetes,
problemas no coração.
“Muitos desses profissionais
trabalham em três empregos
e não se dedicam o mínimo
necessário para o
descanso”, alertou
reclamando condições
dignas de trabalho, incluindo
materiais básicos, como
luvas, aparelhos de pressão,
gaze, algodão, entre outros.
o desvio de função para
áreas administrativas das
instituições, com isso todo
início de ano letivo o
déficit de profissionais é
agravado. Hoje nós temos
aproximadamente 400
profissionais afastados de
seus cargos”. Custódio
acredita que pelo menos
30% dos profissionais que
estão afastados não
retornarão às salas de
aula. Mesmo doentes, eles
continuam se excedendo
na carga horária por
conta da baixa
remuneração.
Zoraide Figueiredo,
coordenadora do Colégio
Estadual Hemelinda de
Figueiredo, diz que a vida
do profissional da
educação não é fácil.
“Nosso trabalho começa
no amanhecer e sempre
temos uma demanda
muito alta de tarefas,
como plano pedagógico,
acompanhamento de
alunos e, muitas vezes,
das famílias destes
alunos”. Outro ponto
destacado é a falta de
acompanhamento por
parte dos familiares no
desenvolvimento dos
filhos, que acabam
outorgando à escola todo
o trabalho de educação e
formação moral destas
crianças. “Sem o
acompanhamento das
famílias ou
disponibilidade de
psicólogos na rede
pública, fica difícil o
professor conseguir dar
todo o suporte necessário
para a educação destas
crianças. Com isso não é
raro se ter notícias de
alunos que não respeitam
ou até mesmo agridem os
profissionais”.
atualmente o déficit de
policiais investigadores é
de 50%, o que gera a
falta de cerca de 2.700
profissionais. Com o
baixo número de efetivo,
um único profissional fica
responsável por mais
inquéritos do que pode
resolver, gerando assim
uma insatisfação
profissional com o
resultado do seu trabalho.
“Este número chega a
ficar muito pior no interior
do estado, onde existem
muitas cidades que têm
apenas dois policiais e
quando muito um
escrivão e um delegado
responsável pela região.
Nestas cidades os
policiais não podem nem
agendar umas férias
longe de casa porque se
saírem de casa a cidade
fica desprotegida”,
alertou o sindicalista que
ainda completou dizendo
que estes profissionais
acabam trabalhando em
período integral, já que
são procurados pela
população na sua
residência. As cidades de
Ribeirão Cascalheira,
União do Sul, Carlinda,
Santa Terezinha e Santa
Rita do Trivelato são um
retrato desta realidade.
A falta de
equipamentos adequados
para o trabalho policial
também gera um grande
transtorno dentro da
corporação, segundo
Aníbal; somente os
policiais de batalhões
especiais da polícia
recebem os materiais de
forma adequada, os
investigadores,
principalmente, trabalham
com coletes à prova de
bala vencidos, têm que
comprar a sua própria
munição e a carteira de
identificação. “Imagina
como é para estes
policiais, sair na rua
sabendo que não têm o
aparato necessário para
a sua segurança, eles
lidam com vidas, e
quanto vale a sua vida?
Para mim a vida não tem
preço, mas para os
gestores os materiais de
segurança custam caro”.
da carga excessiva de
trabalho e o
sucateamento do
funcionalismo público.
“Um policial que passa
pela experiência de
enfrentamento e acaba
matando um bandido
precisa de atendimento
psicológico, o que não
acontece na corporação.
Até temos uma
psicóloga, mas ela
atende em casos
extremos, já que para ela
a demanda também fica
acima da capacidade de
atendimento”, relatou o
investigador que ainda
completou dizendo que a
maioria dos casos de
policiais envolvidos com
álcool, drogas e com
depressão poderia ser
evitada se houvesse um
acompanhamento
adequado da rotina dos
profissionais.
Servidores literalmente adoecendo
Enfermeiros e médicos atendem pacientes pelos corredores
Professores adoecem e abandonam sala de aula
Policiais civis são muito cobrados pela sociedade
Enfermeiros fazem tripla jornada de trabalho
1,2,3 5,6,7,8,9,10,11,12,13,14,...16