CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 14 A 20 DE AGOSTO DE 2014
POLÊMICA
P
G
4
MARIA DA PENHA
Violência moral antecede agressão
Somente em Mato Grosso 17 mulheres foram assassinadas por seus cônjuges ou namorados em 2013
Beatriz Saturnino
A tortura
psicológica praticada
por homens contra as
mulheres é uma forma
gravíssima de violência
também amparada pela
Lei Maria da Penha,
porém pouco
comentada. As
agressões acontecem
em forma de
xingamentos e que
ferem diretamente a
moral da vítima.
“Porca”, “vagabunda”,
“gorda” são apenas
algumas das dezenas de
palavras bastante
usadas pelos agressores
como forma de rebaixar
a mulher, que muitas
vezes também são
proibidas de usar
determinadas roupas,
de estudar, trabalhar ou
ter amigos.
A assistente social
Maria aparecida Cotti
Silva, da Equipe
Multidisciplinar da 1ª e
2ª Varas Especializadas
de Violência Doméstica
e Familiar contra a
Mulher da Comarca de
Cuiabá, explica que
estas são formas de
violência psicológica e
moral praticadas por
parceiros e que
inclusive chegam até a
falar mal da relação
sexual do casal entre
seus amigos, queixas
estas comuns pelos
agressores na hora de
se justificar quanto ao
ato violento contra a
mulher.
Para a assistente
social, é importante que
a mulher denuncie estas
formas de violência,
pois de psicológica ela
pode evolui para física.
O processo é gradativo.
Começa com um
xingamento e prossegue
com o impedimento de
contato com colegas e
ENTREVISTA
Juíza fala ao Circuito sobre violência psicológica
Em entrevista ao Circuito Mato Grosso, a juíza Tatiane Colombo, da Vara de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher,
explica de que forma as leis brasileiras amparam as mulheres vítimas de violência moral e psicológica. Confira:
Circuito Mato
Grosso - Como a
Justiça brasileira
ampara a mulher
vítima de violência
psicológica?
JUIZATATIANE
COLOMBO
- A
violência doméstica não
se configura somente
através de violência
física, mas também
moral, sexual,
patrimonial e
psicológica. A violência
psicológica traz o
conceito da ameaça,
que passa a ser tratada
para fins de proteção
quando se configura a
“grave ameaça” que
deve ser entendida
como um conceito
subjetivo quando após
a violência a mulher
muda o seu
comportamento, e
enfim se mostra
amedrontada e
insegura, chegando a
se sentir perseguida.
Logo, na violência
moral existem os delitos a
ela correspondentes. Mas
é importante frisar que a
vítima mulher é amparada
pela Lei Maria da Penha.
No caso da violência da
mulher contra o homem,
podendo inclusive ser de
ordem moral e até
psicológica, há de se
aplicar lei diferenciada, ou
seja, o Código Penal. A
Lei Maria da Penha visa
atender a mulher na
medida de sua
vulnerabilidade, coibindo
e prevenindo a violência
doméstica.
CMT - Em que
artigos a Lei Maria da
Penha ampara estas
mulheres vítimas de
pressão psicológica?
JUIZATATIANE
COLOMBO
- O que se
pune na violência moral,
que pode ensejar desde
configuração de
contravenção penal e até
mesmo crime, ou ainda
oportunizar que a mulher
em casos específicos
tenha sua incolumidade
psicológica preservada
através de Medidas
Protetivas de afastamento,
o que pode culminar com
outras ações civis. No
caso de condutas que
configuram crimes um
exemplo é a configuração
do delito da injúria,
previsto no artigo 140 do
Código Penal que assim
está descrito: “Injuriar
alguém, oferecendo-lhe a
dignidade ou o decoro”.
Ainda podem se
configurar a calúnia e a
difamação previstas nos
artigos 138 e 139
respectivamente. Na
violência psicológica o que
se pune é a ameaça
devidamente configurada
tal como previsto no
artigo 147 do Código
Penal.
CMT - Como são
classificadas estas formas
de agressão e quais as
consequências para a
vítima?
JUIZATATIANE
COLOMBO
- A forma de
agressão é a moral ou
psicológica, cada uma,
dentro de suas
particularidades e as
consequências dessas
modalidades de violência,
é grave, visto que causam
danos à honra e à
segurança da mulher,
enquanto mãe, esposa,
filha ou até mesmo para
sua convivência social,
pois a mulher tem sua
imagem distorcida e na
maioria das vezes acarreta
danos a sua autoestima.
Estudos comprovam,
assim como todo o
trabalho desenvolvido no
combate à violência
doméstica, a triste
estatística que os eventos
mais gravosos em sua
maioria têm início com a
violência psicológica ou
moral, culminando alguns
deles em morte, o que se
pode observar das
notícias que
acompanhamos nos
veículos de comunicação.
CMT - Quais as
principais mudanças que
a Lei Maria da Penha
trouxe na sociedade
desde a sua criação?
JUIZA TATIANE
COLOMBO
- A
primeira mudança, e a
mais importante, é a
oportunidade de se
trazer à discussão o
tema violência
doméstica perante a
sociedade. Hoje, já
conseguimos discutir
e implementar
medidas para fins de
prevenção e
diminuição da
violência doméstica, a
qual antes era tratada
como assunto que
deveria ficar fechado
dentro de casa.
Talvez esse tenha sido
o primeiro grande
passo trazido pela lei,
e ele oportunizou que
se denunciassem os
agressores domésticos
para que eles
pudessem ser
processados e a
mulher, resguardada
através das Medidas
Protetivas.
Delegacia em Cuiabá
não tem psicóloga
Inerte diante da
realidade, Cuiabá, uma
das primeiras capitais
brasileiras a ter uma
Delegacia da Mulher, não
dispõe de nenhuma
psicóloga, ou psicólogo,
para atender as vítimas.
Em entrevista ao
Circuito Mato Grosso
, a
delegada titular da
Delegacia Especializada
de Defesa da Mulher de
Cuiabá,
Jozirlethe
Criveletto
, fez um
balanço dos avanços que
a lei Maria da Penha
proporcionou na
proteção à integridade
feminina, mas admitiu
que ao contrário de
Várzea Grande, a
unidade da capital não
conta com nenhum
profissional da área de
psicologia.
“São vítimas
fragilizadas, tanto no
aspecto físico quanto
psicológico. Infelizmente
a delegacia da mulher de
Cuiabá não tem esse
profissional hoje, embora
os policiais sejam
capacitados pela
Secretaria de Segurança
nas questões
relacionadas a violência
doméstica”, diz ela.
A violência contra a
mulher assume
diferentes formas e é um
atentado aos direitos
humanos que prejudicam
não só o público
feminino como toda a
sociedade. De acordo
com estudo da
Organização das Nações
Unidas (ONU), 70% das
mulheres sofrem algum
tipo de violência no
decorrer da vida, sendo
COMO DENUNCIAR
A Central de Atendimento à Mulher – Ligue
180 é um serviço de atendimento telefônico da
Secretaria de Políticas para as Mulheres da
Presidência da República, apara relatos,
denúncias e reclamações acerca da violência em
suas diversas formas. Qualquer cidadão pode
ligar e o serviço é gratuito para todo o Brasil.
o assédio psicológico um
dos pilares dessa
agressão, pois 56% dos
homens já admitiram a
atitude pelo menos uma
vez, segundo
levantamento do Instituto
Avon.
Jozirlethe explica
que com o advento da
Lei Maria da Penha, a
sensação de impunidade
que beneficiava
agressores de mulheres –
que antes do dispositivo
legal eram “punidos”
apenas com o pagamento
de cestas básicas e
trabalhos comunitários –
mudou, e hoje é uma das
prioridades das
demandas jurídicas, que
garantem o atendimento
às vítimas em até 48
horas, “a maioria no
mesmo dia”, como a
delegada destaca e que
os motivos que levam
uma mulher a
permanecer nesse ciclo
de violência são
“diversos”.
“Há os fatores
cultural e religioso, que
muitas vezes obrigam as
mulheres a
permanecerem casadas
custe o que custar; o
econômico, pois muitas
delas dependem
financeiramente do
agressor, e também o
emocional”, afirma.
A delegada justifica a
queda por questões
“estruturais” da Polícia
Judiciária Civil de Mato
Grosso. “No mesmo
período do ano passado
havia quatro delegados.
Hoje são só dois, por isso
a queda do número de
inquéritos instaurados”.
família, privando a
mulher de todo o espaço
social, indo até tapas e
surras, e, mesmo,
homicídios.
“Costumamos dizer
para elas que é melhor
um homem preso do
que um homem
assassino. Há sempre o
risco de homicídio,
como já houve casos
registrados por nós.
Quando recebemos este
tipo de boletim de
ocorrência, as mulheres
são encaminhadas para
outros estados, em
abrigos, ou para onde
existe algum parente”,
relata Maria Cotti Silva.
Mas a assistente
social lamenta que
muitas mulheres
acreditem que o homem
não fará nada contra
elas fisicamente, mesmo
já sofrendo violência
psicológica e moral,
quando normalmente
são embutidas no
processo que traz
sentimento de tristeza,
angústia e de tempo
perdido em função do
outro.
“Já ouvi muitos
relatos tristes em que
as mulheres
denunciaram situações
extremas relacionadas à
violência física e
psicológica. Alguns
desses relatos foram
feitos após as palestras,
em forma de desabafo!
Essas mulheres, apesar
de sofrerem violência,
ainda não haviam se
encorajado para
denunciar a agressão
sofrida”, disse a
assistente social da
Equipe Multidisciplinar
da 1ª e 2ª Varas
Especializadas de
Violência Doméstica e
Familiar Contra a
Mulher da Comarca de
Cuiabá, Maria Aparecida
Cotti Silva.
Ela relata o caso de
uma jovem que decidiu
estudar e,
posteriormente, fazer
um concurso público.
Na época da inscrição,
o marido a arrancou da
fila e a espancou
perante a população. O
mesmo alegou que ela
não havia feito o almoço
para ele. Outro fato é o
de uma senhora que
vivia sob cárcere
privado (o marido não
permitia que ela saísse
à rua). A mesma
afirmou que, desde que
havia se casado, não
realizava compras em
lojas ou supermercados,
situação não permitida
pelo marido. Esse caso
foi constatado durante
uma campanha de
enfrentamento à
violência contra a
mulher.
Xingamentos e assédio psicológico também são ações que podem
ser enquadradas pela Lei Maria da Penha
De acordo coma juízaTatiane
Colombo, os casosmais graves
de violência física contra a
mulher têm início na violência
psicológica oumoral