EDIÇÃO IMPRESSA - 494 - page 4

CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 26 DE JUNHOA 2 DE JULHO DE 2014
SAÚDE
P
G
4
SAÚDE MENTAL
MT ainda mantém manicômios
Com o sucateamento cada vez mais evidente dos centros de tratamento psiquiátricos públicos, a sociedade tem assumido o papel
que deveria ser do Estado.
Rafaela Souza
Mato Grosso sempre
cuidou mal das pessoas
que sofrem de
transtornos mentais. O
Hospital Adalto Botelho,
símbolo desse descaso,
inúmeras vezes foi
denunciado pelo
Circuito
Mato Grosso
. Além do
sucateamento do único
hospital público para
tratamento desses
pacientes, Estado e
município também estão
abandonando os Centros
de Atendimento
Psicossocial (Caps),
alternativas que vieram
para tratar as pessoas
com problemas mentais
sem retirá-las do
convívio em sociedade.
Devido a esse
descaso do poder
público, há uma divisão
entre os grupos que
estudam os problemas
psiquiátricos. Há quem
defenda que os pacientes
nunca devam ser
internados, e caso isso
aconteça, deve ser apenas
em hospitais comuns. E o
outro grupo acredita que
apenas com internação é
possível fazer o
tratamento completo.
Para tratar do
assunto, o Conselho
Regional de Psicologia
Psiquiatria do Pascoal
Ramos é só de fachada
Distúrbios
psicóticos que não têm
acompanhamento
médico podem resultar
em delitos graves
cometidos pelos
pacientes. Contudo,
como sofrem de
transtorno mental, a
justiça não considera
essas pessoas
criminosas e aplica a
penalidade de medida de
segurança. Diante dessa
situação, o Pascoal
Ramos já chegou a ser
interditado este ano por
superlotação na Ala
Psiquiátrica que deveria
comportar 18
pacientes, mas já estava
com 32.
O defensor público
Marcos Rondon, que
atua principalmente na
questão de garantir o
tratamento adequado
para os portadores de
problemas psicológicos
no Pascoal Ramos,
explica que o local é
totalmente inadequado
e não faz sentido uma
pessoa que não foi
condenada ficar presa.
“Infelizmente não
há local adequado para
fazer tratamento, então
essas pessoas são
encaminhadas para o
Pascoal Ramos.
Contudo, não há
tratamento adequado lá
dentro e com isso a
justiça tem que intervir
para que pelo menos
essa questão seja
atendida”, diz o
defensor.
Apesar da luta
judicial para oferecer
tratamento dentro do
presídio, o defensor
defende o tratamento
externo desses
pacientes, que segundo
ele são prejulgados pela
sociedade como
perigosos, quando na
verdade foram
abandonados pelo
poder público.
Luta é considerada radical
Para algumas linhas
de pensamento, tanto a
internação total como a
libertação dos pacientes
são ações radicais e
devido à falta de ações
públicas esse assunto
deve ser analisado na
individualidade.
Para o psiquiatra
Alberto Almeida de
Carvalho, a liberdade do
paciente nem sempre é
uma alternativa eficaz e
não se pode cobrar da
família cuidado total, pois
quando se trata de
pessoas carentes, nem
sempre elas sabem como
agir em situações de
crise.
“Quando a pessoa
entra em surto psicótico a
primeira a rejeitar é a
família, pois poucos
podem cuidar. Então, se a
situação está sem controle
deve haver a internação,
desde que seja temporária
e apenas enquanto estiver
sendo realizado o
tratamento. Passou essa
fase, o acompanhamento
deve ser realizado pelo
SUS. E é nessa hora que
tudo se complica, porque
se a saúde geral está
ruim, imagina a mental”,
lamenta Carvalho.
Em relação às
comunidades
terapêuticas, mais
utilizadas para a
internação de viciados em
drogas, o psiquiatra diz
que não é o melhor tipo
de tratamento, pois
faltam profissionais
qualificados, contudo é a
única alternativa devido
ao sucateamento do
tratamento público.
“As comunidade
terapêuticas surgiram
com boas intenções, na
ausência do Estado. Boa
parte é coordenada pelas
igrejas, e apesar de não
ter uma equipe completa,
atualmente são as que
realizam o trabalho mais
eficaz quando se trata de
usuários de drogas”,
explica Carvalho.
Fim do Neuropsiquiátrico foi o marco da luta Antimanicomial
As t ent a t ivas de
mudanças no s i s t ema
de atendimento
psiquiátrico no Estado
começaram em 2004
quando o Hospital
Neuropsiquiátrico, que
funcionava na Avenida
Fernando Cor rêa , em
Cui abá , foi fechado . O
loca l , que f i cou
conhec i do por se r um
‘depós i to humano’ e
func ionava como um
verdadeiro manicômio,
chegou a abr i ga r a t é
600 pes soas .
Ali, durante o
tempo de internação
eram re t i radas
totalmente a dignidade
e a c idadani a , a t ravés
de remédios capazes de
de ixar os pac i ent es
totalmente dopados.
Após o
fechamento, a lguns
pac i ent es que não
tinham familiares
foram encaminhados
para residências
espec i a i s e out ros para
o Adalto Botelho, que é
cons iderado a nova
reformulação do
Neuro, pe lo CRP.
Depoi s de um
pe r í odo for a do
‘Neuro’ , a lguns
pacientes apresentaram
razoáveis melhora e até
consegui ram re tornar
pa r a a f amí l i a . E de
acordo com r e l a t os na
época , es ses pac i en t es
ma l se l embram dos
momentos que
passaram no hospi t a l ,
pois lá viviam
pra t i cament e em es t ado
vegetativo.
(CRP) abriu o debate em
Cuiabá sobre a Luta
Antimanicomial, cuja
proposta é de fortalecer
os Caps e acabar com
qualquer sistema de
internação de pacientes.
Para o Conselho
Regional de Psicologia
(CRP), a importância
dessa discussão se dá
pelo fato de eles
considerarem que o
Estado nunca deixou de
ter manicômio e cada vez
mais sucateia os locais de
tratamento, deixando
assim sob a tutela da
sociedade o cuidado das
pessoas com problemas
psicológicos.
De acordo com o
presidente do CRP, Luiz
Guilherme Araújo,
algumas mudanças
ficaram apenas na
tentativa, porque vários
locais em Cuiabá ainda
realizam o tratamento nos
moldes de manicômio, e
isso se deve
principalmente à falta de
políticas públicas para
atender aos pacientes
adequadamente.
“Todo local que evita
a prática de cidadania da
pessoa é um manicômio.
Então, a instituição que
prende esse indivíduo
pode ser entendida como
um manicômio, e esses
locais podem ser desde
Caps, hospital psiquiátrico
e também as comunidades
terapêuticas”, diz Araújo.
Ainda segundo Luiz
Guilherme, todo paciente
retirado da sociedade
sofre transtornos mais
graves e o seu retorno
para a família se torna
mais complicado. “O
caminho mais correto a se
tomar é a internação em
hospitais gerais, nos quais
deveria haver uma ala
especial para esses
pacientes, pois assim eles
permaneceriam menos
tempo e manteriam
contato com a família”,
diz.
O professor de
psicologia da Bahia
Marcus Vinicius de
Oliveira frisa, por outro
lado, que apesar de a
situação política não
colaborar com o
tratamento psiquiátrico,
muita coisa melhorou,
principalmente com a
abertura do debate das
drogas.
“O tema ‘drogas’
levantou o interesse da
sociedade em discutir os
problemas psiquiátricos
da sociedade e na política,
tanto que já há uma
evolução no discurso no
SUS. Contudo o
andamento ainda está
andando a passos lentos,
pois infelizmente a droga
e suas consequências
ainda são utilizadas como
moeda de barganha
política”, afirma Oliveira.
O Hospital Adauto Botelho é considerado uma reformulação de manicômio no Estado
O psicólogo Marcus Vinicius afirma que saúde mental no
Brasil é utilizada como moeda de troca de políticos
O Hospital
Neuropsiquiátrico de
Mato Grosso foi
fechado em 2004 e
chegou a internar
600 pessoas
Para o psiquiatra Alberto
de Carvalho, a retirada de
todos pacientes da
internação é um ato
radical, pois cada caso
deve ser individualizado
Fotos: André Romeu
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