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POLÊMICA
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CUIABÁ, 28 DE MARÇO A 3 DE ABRIL DE 2013
Hospital vive a pior fase da história
ADAUTO BOTELHO
Pronto Atendimento vive fechado por falta de psiquiatras e profissionais e pacientes convivem com insalubridade.
Por: Diego Frederíci. Fotos: Pedro Alves
Única alternativa
em todo o Estado do
Mato Grosso para
quem tem, em seu
círculo social, pessoas
que sofrem transtornos
mentais, o Adauto
Botelho é hoje uma
unidade que também
sofre os efeitos do caos
na área da saúde que
se instalou no Estado de
Mato Grosso nos últimos
dez anos. O pronto-
atendimento está
fechado por falta de
especialistas. Pacientes
enfrentam longas
viagens por estradas
quase intransitáveis em
busca de atendimento e
encontram um cadeado
na porta do PA. Lá
dentro da unidade,
servidores denunciam
perseguição e falta de
condições de trabalho.
O Fórum
Intersetorial de Saúde
Mental de MT (FISM),
movimento social em
prol da Política
Nacional de Saúde
Mental, alinhado ao
movimento de Luta
Antimanicomial do
Brasil, tem diversas
denúncias de descaso e
abandono do Adauto
Botelho, que vão desde
a falta de
planejamento,
precariedade da
estrutura física, falta de
médicos e até
problemas políticos.
Para a entidade, o
Estado quer sucatear o
hospital para justificar a
entrega da gestão a
uma Organização
Social de Saúde (OSS).
A entidade faz
críticas ao modelo de
gestão, baseada nas
famigeradas OSSs, que
funcionam como
administradores das
unidades estaduais de
saúde, implantadas na
gestão do atual
governador de Mato
Grosso, Silval Barbosa
(PMDB).
“O que vem
ocorrendo desde o final
do governo de Blairo
Maggi e início do
governo Silval Barbosa
é uma culpabilização
dos servidores da saúde
do Estado pelo caos da
saúde. Essa foi a
primeira estratégia para
Entre o transtorno
e o abandono
Condições insalubres
espantam profissionais
CRM denuncia
descaso do Estado
Luana é dependente química e tem transtornos mentais.
Por dois anos, conseguiu ficar sóbria, e luta contra seu vício
fazendo da rotina de empregada doméstica um momento de
conexão com a realidade. A jovem, de 30 anos, foi mãe com
16 e tem a mesma preocupação com seu filho que têm outras
mulheres. Na sacola, um pedaço de bolo e alguns pães,
acabados de sair da padaria. Tudo para fazer um lanche à
tarde com o garoto.
Às vezes, porém, Luana tem surtos psicóticos, causados,
sobretudo, pelas recaídas, aliadas à interrupção dos
medicamentos. No último deles, ocorrido no início do mês de
março, foram necessárias várias pessoas para controlá-la na
área de pronto-atendimento do Adauto Botelho. Num misto de
orgulho e ingenuidade, aponta para o pedaço de vidro da
porta de entrada da unidade, tampado de maneira
improvisada. “Esse vidro aqui fui eu que quebrei”, diz ela num
sorriso. Situação parecida vive Leandro, de apenas 17 anos.
Aos 13, o adolescente conheceu o mundo das drogas e,
desde então, continua preso a ele. O rapaz franzino, de olhar
pueril, teve no dia 27 de março a primeira experiência com o
hospital. Trazido pela irmã, ex-dependente de cocaína, não
conseguiu permanecer muito tempo na recepção. Teve medo
do que iria encontrar durante o tratamento. “Um paciente me
ameaçou, estou com medo”, disse o rapaz, aos prantos.
Mundos diferentes que se cruzam às portas de um hospital
de referência em Mato Grosso. O Complexo Integrado de
Assistência Psicossocial Adauto Botelho é formado por sete
unidades: Pronto-Atendimento, Unidade I (internação para
homens e mulheres com crise aguda de transtorno mental),
Unidade II (junto ao presídio Pascoal Ramos para homens em
Medida de Segurança), Unidade III (internação para homens
dependentes químicos), CAPSI, CAPS AD e Lar Doce Lar.
“Não há profissionais
suficientes para preencher
os cargos por meio de
concurso público. As
condições de trabalho
são tão insalubres que
ninguém vai se interessar.
Mato Grosso não precisa
de dez ou oito hospitais
para tratar pacientes na
área de saúde mental,
mas precisa disponibilizar
à população, pelo
menos, uma unidade”.
Essa avaliação é do
secretário de Saúde de
Cuiabá por dois
mandatos, Luiz Soares.
Ele explica que o
modelo de tratamento
na área de saúde
mental, a partir da
década de 1990,
mudou e que os órgão
públicos precisaram
acompanhar essa nova
fase e que, ao menos na
área hospitalar, é dever
do Estado prover a
assistência adequada
aos pacientes.
“O modelo de
tratamento mais plausível
é o ambulatorial, no seio
da família, e não num
espaço como o que
abrigava o antigo
Hospital
Neuropsiquiátrico. Aqui
em Mato Grosso isso
mudou só em 2003, com
a implantação dessa
nova política. Mas a área
hospitalar, desde então,
tem sido responsabilidade
estadual”, analisa ele.
Luiz Soares é
idealizador do Programa
de Saúde Mental de
Cuiabá, pioneiro em
Mato Grosso, no ano de
2003. Segundo ele, há
um “caos total” em
relação à saúde e,
especificamente, na área
de sanidade mental no
Estado. Ele diz ainda ser
“desumano” submeter os
pacientes e as famílias a
essa situação, e pondera
que a solução para o
problema não será
alcançada com medidas
paliativas.
O Conselho
Regional de Medicina
de Mato Grosso
(CRM-MT) denuncia
ao
Ci r cu i to Mato
Gros so
o
“verdadeiro descaso”
com o Adauto
Botelho. O médico
pediatra Arlan
Azevedo Ferreira,
vice-presidente da
instituição, acusa a
falta de planejamento
e treinamento de
profissionais que não
tiveram formação
adequada para lidar
com as funções
corriqueiras do
hospital.
“A administração
pública está lotando
médicos de outras
especialidades, como
endocrinologistas,
para atuar numa área
cujo foco é
psiquiátrico. Esse tipo
de atendimento fere
todos os princípios
de um atendimento
adequado ao ser
humano. Profissionais
são transferidos sem
qualquer tipo de
treinamento ou
capacitação. A saúde
mental não tem a
atenção necessária
da Secretaria
Estadual de Saúde”,
argumenta o clínico.
Enquanto isso,
alheia aos problemas
que a cercam, Luana
fala que, apesar de
nunca ter sido
maltratada pelos
funcionários,
reconhece algumas
deficiências do
Adauto Botelho,
como a falta de
médicos: “Os
funcionários nos
tratam bem, fazem o
que podem, mas se
não há médico, o
que fazer?”.
justificar a contratação de
OSSs: ‘servidores
concursados ganham
muito e não trabalham
direito porque não podem
ser mandados embora’.
Os funcionários são
obrigados a reportar
qualquer manifestação à
assessoria de imprensa da
SES ou ao próprio
secretário de Saúde, sob
pena de serem punidos”,
dizem membros do FISM.
A entidade denuncia
ainda que, apesar de ser
o único hospital de saúde
mental no Estado, o
Adauto Botelho não faz
parte do Plano Estadual
de Saúde. “Os servidores
têm recorrido ao Ministério
Público Estadual e Federal
para frear essa insanidade
administrativa. O fato de
o hospital não fazer parte
do Plano Estadual de
Saúde é gravíssimo pois
isso quer dizer que não há
orçamento previsto para
esta unidade de
referência, em todo o
governo de Silval
Barbosa, que acaba só
em 2014. O que fazer
com pessoas que ficam 24
horas internadas, numa
média de 20 a 40 dias?”,
questiona a FISM.
Antônia é funcionária
desde 2007. Em todos
esses anos, ela diz que
pouca coisa melhorou
desde que as OSSs
começaram a fazer parte
da administração
estadual da saúde.
Antônia – que não se
identificou por temer
perseguição – reclama da
falta de estrutura e de
médicos dizendo que, em
várias oportunidades,
inclusive na última
semana do mês de
março, o pronto-
atendimento estava
fechado por não haver
profissionais para atender
a população.
“Sucateiam em nome
de uma entidade privada.
Cansei de ver pessoas
vindas de longe, de todas
as partes do Estado,
chegar aqui, encontrar o
hospital fechado e mesmo
assim permanecer por
horas, em frente à porta
de entrada, esperando
por um atendimento que
não vai acontecer”, acusa
ela.
Pronto Atendimento do Adauto Botelho só fica aberto três vezes na semana e muitos ficam sem assistência
Muitos pacientes com transtorno mental nem compreendem o descaso
Há denúncias de falta de condições de trabalho e de assistência aos pacientes