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CIRCUITOMATOGROSSO
SEGURANÇA
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CUIABÁ, 6 A 12 DEMARÇO DE 2014
VIOLÊNCIA
Baixada Cuiabana supera São Paulo
As duas maiores cidades de MT, Cuiabá e Várzea Grande registram 49 mortes por 100 mil habitantes
Diego Frederici
Cuiabá e Várzea
Grande, as duas maiores
cidades do Estado,
registraram juntas 1.676
homicídios no período de
janeiro de 2009 a
dezembro de 2013. Se
fosse um único município,
ambas as cidades teriam
um dos maiores índices de
mortes por grupo de 100
mil habitantes: 49. Índice
bem superior a cidades
brasileiras tidas como
“violentas”, como São
Paulo e Rio de Janeiro,
que registram 11 e 23
falecimentos a cada 100
mil habitantes,
respectivamente. Números
relativamente pequenos em
comparação a outras
cidades. No Estado,
Confresa é o município
mais violento, anotando
77,6 homicídios por grupo
de 100 mil habitantes.
Dados do estudo
“Homicídios e Juventude
no Brasil”, da Secretaria
Geral da Presidência da
República, publicado em
2013, revelam que entre
Polícia não acredita
na força da Justiça
A violência policial é um estigma que acompanha o
Brasil e, em boa medida, contribui para a sensação de
insegurança e homicídios “inexplicáveis” que ocorrem
na sociedade. Em seu relatório anual, divulgado no dia
21 de janeiro de 2014, a organização humanitária Human
Rights Watch (HRW), uma das maiores organizações de
defesa dos direitos humanos do mundo, denunciou os
abusos cometidos por policiais militares no Brasil
(incluindo torturas e execuções extrajudiciais), além da
superlotação no sistema carcerário.
Para o órgão, a “tortura é um problema crônico nas
delegacias do país” e as autoridades responsáveis pela
aplicação da lei que cometem abusos “raramente são
levadas à justiça”.
O coordenador do Núcleo Interinstitucional de
Estudos sobre a Violência Pública e Cidadania (NIEVCI)
e professor da Universidade Federal de Mato Grosso
(UFMT), Naldson Ramos da Costa, afirma que a
própria polícia tem uma “visão negativa” da justiça
brasileira, dizendo que quando um crime ocorre e se
instauram investigações sobre o assunto, a pena
sugerida para o tipo de delito é muita baixa para o
condenado, de acordo com a visão de alguns agentes de
segurança pública.
“Quando estudamos as causas da violência
extralegal, a explicação é que a própria polícia tem uma
visão negativa do sistema legal, e quando surgem
investigações, alguns agentes consideram que as penas
são leves demais”, diz.
Em 2012, o Conselho de Direitos Humanos das
Nações Unidas (ONU) recomendou a desmilitarização da
polícia militar brasileira, em documento apresentado no
dia 25 de maio daquele ano. O Brasil negou a
recomendação do órgão de representação mundial
afirmando que a ação é “inconstitucional”.
A desmilitarização da Polícia Militar consiste
basicamente na criação de um único órgão de segurança
pública, e não duas corporações, como a PM e a Polícia
Judiciária. Uma das críticas em relação à militarização
de agentes de segurança é o treinamento que recebem,
que visa à “identificação e eliminação de inimigos”, um
conceito problemático, pois homens e mulheres que
zelam pela ordem devem prioritariamente respeitar
direitos.
Para o pesquisador da UFMT, a sociedade
organizada deve estar atenta a esse comportamento
violento das forças de segurança. “Execuções feitas por
policiais existem e a sociedade organizada, como
Justiça, os meios de comunicação e demais órgãos
devem estar atentos para denunciar esses casos”, diz.
Segurança pública é mal aparelhada
Se por um lado
excessos policiais
existem, e devem ser
combatidos, por outro os
profissionais das
corporações não dispõem
de equipamentos
eficientes de combate à
criminalidade, além de
serem mal remunerados e
não terem assistência
adequada para eles e suas
famílias.
A opinião é do
coronel reformado da
Polícia Militar Pery
Taborelli, vereador pelo
Partido Verde (PV) de
Várzea Grande, na região
metropolitana de Cuiabá.
Segundo ele, o
Governo do Estado é
omisso na implantação de
políticas públicas na área
de segurança, ao passo
que não há interesse em
desenvolver ou aplicar
estudos que auxiliem no
combate à criminalidade.
Para o vereador, a Polícia
Militar, por ter o maior
contingente de homens,
acaba sendo o principal
alvo quando crimes
parecem sair do controle,
mas o problema é
complexo e envolve
também outras áreas.
“Problemas isolados
acabam sendo tratados,
mas não o todo. Quando
combatemos a
criminalidade, ao mesmo
tempo também se devem
oferecer serviços básicos
à população, como saúde
e educação”, diz.
Ele afirma ainda que
policiais precisam de
melhores condições de
trabalho devido ao
estresse constante que
esse tipo de atividade
pode acarretar às
pessoas. Segundo o
político, num embate
entre um policial e um
criminoso, se este último
é atingido, o agente deve
responder e arcar
sozinho com as despesas
de um advogado, em
virtude de um processo
que deve responder pelo
ato, e o Estado não
provê este profissional.
Ele relata também os
problemas de falta de
estrutura e de saúde a
que um PM está sujeito
ao longo de sua atuação
profissional. “Os
armamentos e
equipamentos são
precários. Os baixos
salários obrigam os
policiais a fazerem
bicos, prejudicando
ainda mais sua atuação.
Depois da aposentadoria,
é comum policiais terem
problemas de depressão
e alcoolismo, e o Estado
não oferece nenhuma
assistência, além de
obrigar os homens a
terem uma jornada de
trabalho monstruosa”,
diz.
1980 e 2011 foram
assassinadas 1.145.908
pessoas no Brasil. O
número é superior ao do
conflito entre Estados
Unidos e Vietnã, que
vitimou 1.058.193
pessoas, e é cinco vezes
maior do que as vidas
perdidas na Guerra do
Golfo, que contabilizou
mais de 200 mil mortos.
As cifras de Mato
Grosso ajudam a
compreender essa
realidade no país. Segundo
o mesmo levantamento,
70% das mortes que
ocorrem no Estado cujas
vítimas fazem parte da
população jovem – com
idade entre 15 e 24 anos –
ocorrem por fatores
relacionados à violência.
Os números podem indicar
ineficiência nas políticas
de segurança pública e de
combate à criminalidade.
Três histórias que,
pelo menos à primeira
vista, parecem não ter
ligação uma com a outra,
não fosse o pano de fundo
que permeia a realidade
dos centros urbanos de
países violentos, ilustram
esta triste realidade.
No dia 18 de fevereiro
de 2014, Claudemir
Gasparetto, major da PM,
voltava para casa por volta
das 20h, no bairro Planalto
Ipiranga, em Várzea
Grande, região
metropolitana de Cuiabá.
Ao tentar entrar na
residência, o policial foi
abordado por criminosos,
que acertaram nele cinco
tiros. Ele chegou a ser
socorrido, mas morreu no
Pronto-Socorro da cidade.
Menos de 24 horas depois,
um dos suspeitos apareceu
morto com um tiro no
rosto.
Menos de uma
semana depois, em 22 de
fevereiro, algumas pessoas
bebiam e comiam num bar
no Bairro São Mateus,
também em Várzea
Grande, quando homens
encapuzados apareceram e
dispararam contra todos
ali presentes. Cinco
homens morreram, a
maioria moradores das
proximidades.
Na tarde de segunda-
feira do dia 24, o
mecânico Edilson Pedroso
da Silva entrou numa casa
de câmbio da Av. Getúlio
Vargas, em Cuiabá, para
fazer um assalto. A região
era patrulhada pelo PM
Danilo César Rodrigues.
Em menos de 40 segundos
Edilson entrou e saiu do
estabelecimento deixando
mortos a funcionária da
casa, Karina Fernandes
Gomes, de 19 anos, além
do próprio policial.
Fotos: Mary Juruna
Assalto a casa de câmbio, em Cuiabá, resultou na morte de
um policial e de uma funcionária, de apenas 19 anos
Lava-rápido de Gonçalo Vaz de Campos, 60 anos, ele que foi uma
das vítimas da chacina no bairro São Mateus
O assassinato do major da
PM Claudemir Gasparetto,
no dia 18 de fevereiro,
levanta suspeitas sobre a
participação de policiais na
chacina de Várzea Grande
Coronel reformado da PM e vereador em Várzea Grande, Pery Taborelli (PV)
afirma que condições de trabalho dos policiais são “monstruosas”
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