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CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ,
5 A 11 DE JUNHO
DE 2014
POLÍTICA
P
G
7
www.circuitomt.com.br
CAMPANHA ELEITORAL
“Uso de caixa 2 é imensurável”
Controle do crime eleitoral é quase impossível no Brasil, mas Ficha Limpa vai impugnar candidaturas.
Renan Marcel
“Nós não temos como
mensurar os recursos que
não são declarados pelos
candidatos nas prestações
de contas eleitorais. Não
dá para saber o tamanho
do caixa 2 que ocorre nas
campanhas todos os
anos”. A afirmação é do
coordenador de Controle
Interno e Auditoria do
Tribunal Regional Eleitoral
de Mato Grosso (TRE),
Daniel Taurines, e causa
maior preocupação quando
ele lembra que a
movimentação financeira
sem registro formal, ou o
famigerado caixa 2
realizado por candidatos e
partidos, é abastecido por
recursos públicos. “Muitas
pessoas são contra o
financiamento público de
campanha. Mas o dinheiro
do caixa 2, e é bom que
isso fique claro, já vem
dos cofres públicos”.
Por conta disso, os
tribunais eleitorais
discutiram desde o ano
passado a adoção de
ferramentas e estratégias
utilizadas pelos órgãos de
investigação, como a
Polícia Federal (PF), a
Agência Brasileira de
Inteligência (Abin), o
Ministério Público Federal
(MPF) e a Controladoria
Geral da União (CGU),
entre outros, no combate
Após as
manifestações de junho
do ano passado e os
debates sobre reforma
política que se iniciaram
então, os mais otimistas
acreditam que nas
eleições deste ano haverá
uma verdadeira limpeza
no cenário nacional. A
limpeza começa pela
impugnação da
candidatura de
candidatos
potencialmente
inelegíveis, os chamados
“fichas sujas”. Até a
semana passada, o
Ministério Público
Federal (MPF) havia
recebido 233.495
processos de 1.718
órgãos públicos de todo
o Brasil sobre esses
candidatos.
Os dados fazem
parte do sistema
Sisconta Eleitoral, criado
para aperfeiçoar a análise
Ficha Limpa promete “limpar” pleito
Para o analista
político Alfredo da
Mota Menezes o
combate ao caixa 2 é
quase impossível, uma
vez que a prática está
institucionalizada no
Brasil. “Em um país
onde o caixa 2 existe
normalmente e é feito
por partidos e
empresas, fica quase
impossível combater.
Teríamos que ter uma
fiscalização incrível e,
nas eleições, avaliar
também a campanha
eleitoral aparente, não
apenas o que é
declarado”.
A opinião de
Menezes é ratificada
por Daniel Taurines.
Ele lembra que a
prestação de contas
dos candidatos não é a
Contas aprovadas
não comprovam nada
melhor forma de
investigar a prática do
crime eleitoral: “A
prestação de contas é
um processo
declaratório, o
candidato declara o
que supostamente
arrecadou e gastou. A
prestação de contas
aprovada não significa
que não houve caixa 2
ou algo ilegal. Significa
que os lançamentos
demonstrados ali estão
corretos”.
Taurines alerta
para os indícios que
geram ressalvas ou
mesmo desaprovação:
“Se forem investigados
mais profundamente,
se constatará caixa 2
ou abuso do poder
econômico e
corrupção”.
dos processos e facilitar
a impugnação de
candidaturas irregulares.
Todas as informações
serão analisadas pela
Secretaria de Pesquisa e
Análise da Procuradoria
Geral da República. Os
procuradores terão
apenas cinco dias após a
data final de registro dos
candidatos para pedir a
impugnação dos fichas
sujas.
Para a Justiça
Eleitoral, nas eleições de
2014 o projeto de Lei
Ficha Limpa deve
mostrar a que veio,
apresentando resultados
mais concretos. “Nós
vamos ter novidade
nessas eleições. Muitos
não poderão ser
candidatos e talvez o
projeto Ficha Limpa
chegue a um resultado
concreto melhor nesse
ano. Além disso, a
sociedade como um todo
está acompanhando
mais. Está mais crítica
com relação aos abusos
e já começa a entender
que o candidato que faz
de tudo para ser eleito,
gasta muito e compra
votas, uma hora vai
querer pegar de volta o
que gastou”, avalia
Taurines.
A prática do crime
de caixa 2 está tão
enraizada na política
brasileira que até mesmo
o ex-presidente do
Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), ministro
Marco Aurélio Mello,
chegou a admitir que não
acreditava que uma
eventual proibição de
doações feitas por
empresas privadas para
financiamento de
campanha eleitoral
diminuiria os casos.
Atualmente o tema das
doações está em
discussão no Congresso
Nacional e no Supremo
Tribunal Federal (STF).
No primeiro, os
parlamentares precisam
Doação de empresas privadas está diretamente ligada à corrupção
analisar a possibilidade
de limitar os valores de
doações de empresas e
dos gastos de campanha.
Conforme estipula a Lei
das Eleições (Lei 9.504/
97), o Congresso tem
que editar uma lei que
até o dia 10 deste mês
nesse sentido, o que não
deve ocorrer. Na
verdade, a lei de
limitação de gastos
nunca foi editada pelos
parlamentares. Dessa
forma, “o céu é o
limite”, como frisou o
atual presidente do TSE,
ministro Dias Toffoli.
Já na Suprema
Corte, os ministros
analisam a Ação Direta
de Inconstitucionalidade
(ADI) ajuizada pelo
Conselho Federal da
Ordem dos Advogados
do Brasil (OAB), que
pede que sejam
declarados
inconstitucionais as
doações de empresas a
políticos e partidos. Seis
dos 11 ministros
votaram favoráveis à
ADI, mas o julgamento
da ação foi interrompido
por um pedido de vistas
do ministro Gilmar
Mendes. Mesmo se fosse
aprovada, a medida não
valeria para o pleito
deste ano. Dados do TSE
revelam que as
empreiteiras são as
maiores empresas
financiadoras de
campanha eleitoral nos
últimos anos. Mas outros
segmentos, como o dos
combustíveis, também
estão no páreo, como se
verificou com os
desdobramentos da
Operação Ararath em
Mato Grosso. A
Amazônia Petróleo, de
Júnior Mendonça, lavava
dinheiro que foi utilizado
para financiar
campanhas no estado.
Um estudo feito no
Brasil pelo Instituto
Kellogg, dos Estados
Unidos, indica que as
empresas que doam
dinheiro para campanhas
eleitorais têm um retorno
de até 850% em cima do
valor que investiram no
candidato. “O
financiamento de
campanha está
diretamente ligado à
corrupção”, sentencia
Daniel Taurines.
aos crimes financeiros,
como lavagem de dinheiro,
por exemplo. A medida
incluiria a quebra de sigilos
bancário, telefônico e
telemático. Esse último,
referente a informações
trocadas via Internet. Em
Mato Grosso, o trabalho é
coordenado pelo juiz-
membro do Pleno do TRE
José Luis Blaszak.
Ocorre, porém, que a
Justiça Eleitoral esbarra em
limitações jurídicas. “É
uma questão muito
delicada a possibilidade de
quebra de sigilo. É preciso
respeitar os direitos
individuais dos candidatos.
Além disso, nós estimamos
que sejam registradas
cerca de 570 candidaturas.
Não é possível monitorar
todo mundo ao mesmo
tempo. Por isso
precisamos da participação
da sociedade, das
denúncias do Ministério
Público, para que as
investigações estejam
baseadas nos indícios
apontados”, explica
Taurines.
Mesmo com as
dificuldades, o servidor
lembra que neste ano as
resoluções eleitorais do
TSE permitem o
acompanhamento
processual da prestação de
contas dos partidos e
candidatos quase que
concomitantemente ao
período de campanha. Com
essa mudança, o relator
das contas vai decidir, já
na primeira parcial da
prestação de contas, se o
processo será aberto.
“Aconteceu muito em
2012: teve candidato a
prefeito que foi bem
votado e que na primeira
parcial da prestação de
contas tinha recebido só
100 mil reais em doações,
sendo que todo mundo
sabia que o gasto era maior
e a estrutura da campanha
era maior”, conta Taurines,
sem citar nomes.
A medida é um
desafio para a Justiça
Eleitoral, uma vez que o
objetivo é julgar as contas
dentro do dinâmico e curto
processo eleitoral. “É um
prazo muito pequeno,
muito rápido. A Justiça
terá que identificar,
investigar e julgar tudo
dentro desse prazo, até
para não prejudicar o
processo eleitoral e o
candidato”, explica.
Outra mudança
prevista na Resolução do
TSE para 2014 atribui ao
partido político a
responsabilidade pelas
contas prestadas pelo
candidato. Dessa forma, as
contas reprovadas podem
implicar na suspensão do
recebimento de recursos
do fundo partidário. “Nós
sabemos que isso será
questionado pelos partidos.
Mas é bom lembrar que
são eles os detentores dos
mandatos no caso de o
candidato ser eleito, então
são responsáveis também”.
Os partidos ainda terão que
comprovar a fonte dos
recursos arrecadados que
não são provenientes do
fundo partidário.
Justiça
estuda quebra
de sigilo
fiscal e
bancário de
candidatos,
mas esbarra
em questões
jurídicas,
conta técnico
doTRE
Dinheiro lavado em empresas de Júnior Mendonça financiou campanhas eleitorais emMato Grosso
Especialista diz que caixa 2 é institucionalizado no Brasil: “Todos
sabemque existe, mas ninguémvê. Combate é quase impossível”
Ficha Limpa vai impugnar candidaturas. Após protestos de
junho, renovação é a esperança