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CUIABÁ, 29 DEMAIO A 4 DE JUNHO DE 2014
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SAÚDE NA UTI
PS reflete precariedade do SUS
Faltam médicos, leitos, materiais hospitalares, medicamentos, recursos e, principalmente, boa gestão
Por: Renan Marcel
Inaugurado há 32
anos, o Pronto-Socorro
Municipal de Cuiabá
passa por problemas
crônicos. Faltam
médicos, equipamentos
hospitalares e
medicamentos básicos,
além de estrutura
adequada para atender à
demanda da população e
assegurar condições
dignas de trabalho aos
profissionais da área da
saúde. Tais sintomas
refletem uma doença que
atinge todo o Brasil: a
deterioração do Sistema
Único de Saúde. Das
unidades de atenção
básica à alta
complexidade, o quadro
clínico apresentado é de
precariedade no
atendimento, o que vem
resultando em inúmeros
óbitos, que muitas vezes
poderiam ter sido
evitados.
Na semana passada,
os problemas
escandalizaram a
sociedade após o
programa “Fantástico”,
da Rede Globo, exibir
uma reportagem baseada
em estudo inédito do
Tribunal de Contas da
União (TCU), que
examinou a qualidade no
atendimento em 116
hospitais públicos
brasileiros. O Pronto-
Socorro de Cuiabá
ganhou destaque negativo
com a denúncia de um
médico que trabalha na
unidade. Segundo o
profissional, não
identificado, “são vários
os plantões em que não
há médicos na Unidade
de Tratamento Intensivo
(UTI)” e o horário dos
Sindicalista aponta
corporativismo na SMS
Já Dejamir Soares, por sua vez, aponta
corporativismo na Secretaria Municipal de Saúde de
Cuiabá. Isso porque o atual secretário, Werley Peres,
faz parte da atual gestão do Sindicato dos Médicos,
atuando como vice-presidente. Peres, no entanto, está
licenciado desde que assumiu a secretaria.
“Por que o município não aderiu ao programa
Mais Médicos, sendo que falta médico em Cuiabá,
por exemplo? Porque o Sindimed é contra o programa
federal e defende os médicos. Claro que a secretaria
não vai participar”, aponta Soares.
A Prefeitura, no entanto, justifica a não adesão ao
Mais Médicos pelo fato de a iniciativa federal ser
destinada a preencher o quadro das unidades do
Programa de Saúde da Família (PSFs) nos munícios
brasileiros. Em Cuiabá, segundo o secretário Peres,
os PSFs já estão com quadro completo. “Se não
faltam médicos nos PSFs, não há motivos para
Cuiabá aderir ao programa federal. É melhor que
munícipios do interior do estado o façam para atender
à demanda deles”, disse o secretário.
Soares diz ainda que dentre as categorias que
trabalham na área da saúde, os médicos são
beneficiados, principalmente no cumprimento da
carga horária. “O médico tem contrato de oito horas,
mas não cumpre. Ele vai ao PSF e atende dez
pacientes, depois vai embora, enquanto os
enfermeiros e técnicos trabalham a jornada completa
e ganham bem menos”.
Os contratos dos médicos do PSF estão na faixa
salarial de R$ 8,5 mil, mais gratificações. No Pronto-
Socorro, somente o plantão, quando ocorre no final
de semana, é de R$ 1.300,00, segundo Soares.
“Temos outras categorias que cumprem até 14
plantões de 12 horas e recebem R$ 900, trabalhando
muito mais que médicos. Há uma valorização
excessiva dos médicos”, diz o presidente do sindicato
dos profissionais de enfermagem.
Quando assumiu a secretaria, em janeiro, Peres
anunciou a adesão ao sistema de registro de ponto
nas unidades de saúde, começando pelo Pronto-
Socorro, para garantir o cumprimento da carga
horária de seus funcionários.
Defensoria já fala em ação judicial
Desde dezembro do
ano passado realizando
vistoria nas unidades de
saúde da capital, a
Defensoria Pública de
Mato Grosso já cogita
uma ação judicial contra o
Poder Público e os
gestores.
Segundo a defensora
Silvia Maria Ferreira,
responsável pelo setor de
saúde da Coordenadoria
de Ações Comunitárias,
nas vistorias ficam
evidentes as “deficiências
no atendimento, em razão
da falta de médicos,
equipamentos e
medicamentos, como
analgésicos e
antitérmicos, além de
material básico, como
gaze, esparadrapo e
escalpe, necessário para
aplicação de soro”.
Em vistoria na
Policlínica do bairro
Pedra 90, por exemplo, a
defensora se deparou, na
semana passada, com
pacientes aguardando
atendimento sem que
nenhum médico estivesse
atendendo no local que,
por sua vez, apresenta
ainda infiltrações nas
paredes.
“Percebemos que na
área de ambulatório e
pronto-atendimento
apenas 50% do quadro de
médicos está preenchido”,
afirmou. Ela lembra que o
fato de o Pronto-Socorro
estar superlotado também
se deve à falta de
atendimento nas outras
unidades. “A situação
revela uma má gestão”.
A denúncia de um
médico do Pronto-Socorro
no “Fantástico” vai iniciar
uma série de sindicâncias e
processos investigatórios
contra a categoria
profissional. Além de a
própria PrefeituraMunicipal
de Cuiabá estar investigando
o caso, o Conselho Regional
deMedicina pretende
solicitar documentos para
instaurar procedimento
ético. Segundo o presidente
do CRM, Gabriel Felsky, a
CRM pretende abrir investigação
entidade ainda recebeu
denúncia formal sobre o que
ocorre no Pronto-Socorro,
mas condena os atos
noticiados e irá solicitar a
escala de plantão da
unidade, além de outros
documentos.
Na denúncia, o
médico afirmou que os
profissionais recebem
“orientação superior” para
alterar o horário dos
óbitos dos pacientes da
UTI. Isso porque em
muitos casos não havia
médico na UTI no
momento do óbito.
O Sindimed, por sua
vez, afirmou que também
nunca recebeu denúncia de
que os médicos estariam
abandonando o horário de
plantão na UTI sem que um
substituto esteja no local
para assumir o plantão. “Se
ocorre, é uma atitude
irresponsável profissional e
eticamente”, sentenciou Elza
Queiroz.
óbitos dos pacientes da
UTI é alterado para que
os familiares não saibam
que não havia médicos de
plantão.
A maioria desses
problemas, já relatados
pelo
Circuito Mato
Grosso
inúmeras vezes,
é, no entanto, reflexo de
algumas situações que
não podem ser
esquecidas.
A inexistência de um
hospital estadual, por
exemplo, é um dos
fatores que colaboram
para a superlotação do
Pronto-Socorro. As
obras do Hospital Central
de Cuiabá, localizado no
Centro Político
Administrativo, estão
paralisadas há quase 30
anos, embora a Justiça
Federal já tenha
determinado ao Estado
concluir a construção,
que custou cerca de US$
14 milhões (na época).
Com quatro andares,
o hospital traria cerca de
130 novos leitos à capital
se fosse finalizado. O
deficit de leitos de
retaguarda no Pronto-
Socorro forçou a
Prefeitura a assinar
contrato, no valor de R$
322 mil, para
compartilhar leitos com a
Santa Casa de
Misericórdia de Cuiabá.
Serão 30 novos leitos, 26
adultos e quatro infantis.
Atualmente, por causa da
falta de leitos, os
pacientes ficam nos
corredores do PS, em
macas. Outro ponto que
sobrecarrega o Pronto-
Socorro, lembra o
presidente do Sindicato
dos Profissionais da
Enfermagem (Sinpen),
Dejamir Soares, é o
atraso nos repasses do
governo estadual aos
municípios do interior.
Segundo ele, a falta de
recursos para investir em
saúde nos pequenos
municípios força o fluxo
de pacientes para Cuiabá,
sobrecarregando as
unidades, principalmente
o Pronto-Socorro.
“Os municípios já
não têm muitos recursos
para a área, a maioria
deles não tem hospitais
regionais, e com repasses
atrasados fica impossível
investir na atenção
básica, então isso acaba
por desaguar na capital”.
Recentemente, por
exemplo, o deputado
Ezequiel Fonseca (PP)
cobrou do secretário-
adjunto de Saúde do
Estado, Marcos Rogério,
a regularização dos
repasses para os
hospitais de Cáceres. As
pendências ultrapassam
R$ 6 milhões.
A opinião de Soares é
ratificada pela presidente
do Sindicato dos Médicos
de Mato Grosso
(Sindimed), Elza Queiroz.
“É onde toda a
precariedade da Saúde é
refletida. O Pronto-
Socorro é onde todos os
problemas que não são
resolvidos na rede
primária e secundária de
atendimento acaba
chegando”.
Apesar de todos os
problemas, Soares
garante que a maior
unidade de saúde pública
do estado é referência em
atendimento de urgência
e emergência. “Com
todos esses problemas,
ainda somos excelência
em urgência e
emergência”.
Precariedade no atendimento resulta em óbitos, que muitas vezes poderiam ter sido evitados
Dejamir Soares, presidente
do Sindicato dos
Enfermeiros de MT
Elza Queiroz , presidente do
Sindimed, diz que cascata de
problemas no SUS deságua
no Pronto-Socorro
Sem médicos e estrutura na Policlínica do Pedra 90,
pacientes acabam indo parar no PS de Cuiabá
Fotos: Mary Juruna