CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ,
15 A 21 DE MAIO
DE 2014
SAÚDE
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TCE
Relatórios não mudam a realidade
Relatório do TCE sobre problemas no SUS só confirma caos que se repete há anos sem que providências sejam tomadas
Fernanda Leite
O relatório do Tribunal
de Contas do Estado (TCE)
que aponta falhas de gestão
na Secretaria de Estado de
Saúde (SES) e na Secretaria
de Saúde de Cuiabá (SMS)
apenas apresentou um
quadro que se repete há anos
semque providências sejam
tomadas e os culpados,
punidos. A análise no quadro
da saúde do Estado e de
Cuiabá foi fundamentada em
documentos de 2013.
Foram diversas
deficiências apontadas no
SUS e nenhuma novidade
para quem procura
atendimentomédico na rede
pública. Umdos problemas
citados no relatório em
relação à SES foi a crise da
Farmácia de Alto Custo
ocorrida em 2013, quando
foram apontados vários
medicamentos com data de
validade vencida. Conforme
a própria Auditoria Geral do
Estado (AGE), o rombo
chegou a quase R$ 4
milhões. Na época, o local
era gerenciado pelo Instituto
Pernambucano (Ipas) e pela
Secretário que contratou empresa agora é do TCE
Enquanto o
Tribunal de Contas do
Estado (TCE) aponta
irregularidades na
gestão do Sistema
Único de Saúde (SUS)
em Mato Grosso todos
os anos ao analisar as
contas do Estado e dos
municípios – inclusive
reprovando contas –,
deixa passar em
brancas nuvens a
contratação da empresa
Hospfar Indústria e
Comércio de Produtos
Hospitalares Ltda, e
que já foi alvo de
inquérito policial
quando o titular da
Secretaria de Estado de
Saúde (SES) era
Agostinho Moro, atual
chefe de gabinete do
presidente do TCE,
Waldir Teis.
Nos últimos 10 anos
e cinco meses, que
envolvem os governos de
Blairo Maggi (PR) e
Silval Barbosa (PMDB),
a empresa, que tem
como sócio-proprietário
Marcelo Reis Perillo,
primo do governador de
Goiás, Marconi Perillo
(PSDB) – sócio de
Carlinhos Cachoeira –,
faturou mais de R$ 160
milhões dos cofres
públicos, boa parte com
dispensa de licitação.
Ainda em 2009,
época em que Agostinho
Moro estava à frente da
SES e quando os valores
dos contratos com a
empresa atingiram o seu
ápice (R$ 36 milhões em
um ano), um dossiê com
farta documentação
contendo denúncias que
envolvem
superfaturamento e
improbidade
administrativa nos
contratos com a Hospfar
foi entregue ao
governador Blairo Maggi,
à SES, à Delegacia de
Polícia Fazendária e
Administração Pública,
ao Ministério Público
(PME), ao próprio TCE e
também ao Tribunal de
Contas da União em
Mato Grosso.
No segundo mandato
de Blairo Maggi, de 2007
a 2010, a Hospfar
recebeu pelo menos R$
120 milhões da
Secretaria de Estado de
Saúde. Fazendo um
levantamento no Sistema
Integrado de
Planejamento,
Contabilidade e Finanças
(Fiplan), o
Circuito
Mato Grosso
apurou que
foram empenhados para
esta fornecedora R$ 36,3
milhões em 2007; R$ 26
milhões em 2008 e R$
28,9 milhões em 2009.
Já no governo de
Silval Barbosa, os valores
caíram consideravelmente.
De acordo com o Fiplan, a
SES empenhou em nome
da Hospfar R$ 12 milhões
em 2011, R$ 10,6 milhões
em 2012 e R$ 18,7
milhões em 2013. Nestes
primeiros quatro meses
do ano já foram
empenhados R$ 2,2
milhões para a
fornecedora.
INQUÉRITO
POLICIAL
A Hospfar já foi
alvo de um inquérito
policial em 2004,
quando a empresa foi
investigada por
superfaturamento de
preços, juntamente com
as empresas
Medcomerce Comercial
de Medicamentos
Hospitalares Ltda e
Milênio Produtos
Hospitalares Ltda.
Doméstica aguarda há 4
anos por cirurgia no ouvido
Um dos casos mais
comoventes que a
reportagem encontrou foi o
da empregada doméstica
Maria Nalva Novaes Lima,
55, que há quase 4 anos
espera para ser operada do
ouvido. Segundo Maria, em
2010 um exame de
tomografia diagnosticou que
ela apresentava infecção no
ouvido. Desde a última
consulta, o médico havia
dito que seria necessária
uma nova tomografia para
encaminhá-la para o
procedimento operatório,
mas, até hoje, a doméstica
vem tentando controlar a
dor à base de antibióticos.
“Quando fico gripada,
minha face incha, fico
surda, é uma dor
insuportável. Às vezes
penso em desistir e largar
tudo e dar um fim”,
lamentou a doente, que
recentemente descobriu que
terá de passar por uma outra
operação para retirada de
pedras na vesícula.
A doméstica disse que
recentemente procurou a
UPA e permaneceu no local
por 48 horas sem
atendimento. Ela procurou a
unidade por causa das fortes
dores provocadas na
vesícula.
“Eu fui lá esses dias,
mas não aguentei esperar,
vim embora, passei dois dias
esperando algummédico me
atender e nada”, lamentou.
Maria reclamou sobre o
excesso de exames de
sangue que teve de realizar.
Foram nove exames
somente de sangue. “Eu já
não aguento mais ficar
fazendo só exames de
sangue pra nenhuma
utilidade. Há 4quatro meses
venho fazendo os mesmos
tipos de exames de sangue”,
criticou a doente.
Conforme ela, após o
exame de tomografia, ela
deve ir para a fila da Central
de Regulação, onde deve
esperar por mais alguns
anos. “Eu não irei aguentar
mais um ano, eu sinto que
meu corpo já não aguenta
mais esperar, eu já me
cansei”, disse chorando.
A doméstica, que é
assalariada, também falou
sobre as dificuldades de
comprar os antibióticos. Os
gastos commedicamentos
ultrapassam R$ 100 ao mês.
Humilhação na UPA
por falta de médicos
Na capital, ao
contrário do que é
divulgado nas campanhas
publicitárias da Prefeitura
que tentam “maquiar” a
situação calamitosa nas
unidades de saúde, a
população vem padecendo
na fila por espera de
atendimento médico,
consultas, exames.
Na segunda-feira
(12), a reportagem esteve
nas Unidades de saúde
UPA Morada do Ouro e
nas policlínicas do
Planalto e Coxipó. Nas
duas primeiras unidades
não havia médicos e os
pacientes estavam sendo
orientados a procurar as
policlínicas do Verdão e
do Coxipó, que não
suportam a demanda.
Dona Leizenil
Margarida Nascimento
relatou que está sentindo
muitas dores nos
pulmões e febre. Ela acha
que pode estar com
pneumonia. “Estou com
dores na região
pulmonar, não aguento de
dor, sinto vontade de
chorar, gritar, preciso de
ajuda médica”, falou a
paciente com lágrimas
nos olhos.
Outra paciente foi
uma idosa que chegou de
ambulância e permaneceu
longo tempo em uma maca
no saguão da UPA Morada
do Ouro aguardando por
atendimento. Seus
familiares disseram
somente que a humilhação
é muito grande. A paciente
não foi atendida porque na
unidade recém-inaugurada
não havia médicos e a
ambulância que a levou até
a UPA teve que sair à
procura de outra unidade.
Coordenadoria de Assistência
Farmacêutica (CAF).
Ainda na SES,
verificou-se a ausência do
Plano de Saúde Estadual,
atualização e aprovação do
Plano Diretor de
Regionalização daAssistência
à Saúde (PDR), o que
implica diretamente na
elaboração do Contrato
Organizativo daAção Pública
de Saúde (Coap). Segundo o
TCE, o atual plano está
incompatível coma realidade
do Estado, assim como o
Plano Diretor de
Investimento (PDI) e
tambémmonitoramento e
avaliação da Programação
Pactuada Integrada – PPI
Estadual.
Existe ainda falha no
SistemaNacional de
Regulação nos Complexos
Reguladores do Estado que
não estão seguindo a
programação planejada. O
relatório também aponta a
não existência de estrutura
física e de material para o
efetivo funcionamento do
Conselho Estadual de Saúde
(CES-MT) e a falta de
planejamento e articulação
entre os setores da SES-MT.
Na capital, o problema
ainda é maior. O Sistema
Informatizado de Regulação,
o Aghos, não funciona.
Prova disso é a demora na
espera para realização de
consultas especializadas,
exames de média
complexidade, e a fila de
espera por cirurgias eletivas
é assustadora.
Quanto aos
medicamentos da CAF do
município, a Prefeitura não
estaria realizando aquisições
de remédios por causa da
burocracia no processo de
licitação. Existe também
falha no armazenamento e
distribuição dos
medicamentos para as
unidades de saúde. O tribunal
revelou ainda que vários
medicamentos estão
vencendo no local.
Com relação ao
Programa Saúde da Família
(PSF), que deveria
disponibilizar médicos 8
horas por dia para a
realização de consultas,
visitas domiciliares e
inclusive palestras
educativas, o TCE apontou
que os profissionais não
estão cumprindo a
determinação do programa.
Denúncias que
chegaram à reportagem
apontam que médicos de
vários PSFs estariam
cumprindo no máximo 3
horas de atendimento ao dia,
contrariando a Política
Nacional deAtençãoBásica
que pede uma carga horária
de 40 horas. O salário de um
médico do PSF chega a R$ 8
mil.
Problemas no SUS apontados pelo TCE já existemhá décadas semque providências sejam tomadas
Presidente do TCE, Waldir Teis, assinou
relatório óbvio sobre caos na saúde
Paciente peregrina em busca de atendimento por falta de médicos em policlínicas
Centenas de pacientes
aguardam cirurgia na fila
da Central de Regulação
Ex-secretário de Saúde,
Agostinho Moro é
chefe de Gabinete da
Presidência do TCE-MT