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CIRCUITOMATOGROSSO
POLÊMICA
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G
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CUIABÁ, 1 A 7 DE MAIO DE 2014
www.circuitomt.com.br
POLICLÍNICAS
Mais do mesmo: retrato do caos
Usuários do SUS enfrentam longas horas na fila a espera de atendimento por falta de profissionais nas policlínicas
Diego Frederici
A saúde é fator
determinante na qualidade de
vida dos membros de uma
sociedade. Nesse sentido,
vai mal o serviço prestado
pelas cinco policlínicas de
Cuiabá, que vivemmais uma
crise de falta de médicos
para cumprir os plantões.
Pacientes enfrentam longa
espera por atendimento nas
unidades que deveriam estar
preparadas para atender às
ocorrências mais simples, de
urgência, ou mesmo
estabilizar enfermidades
graves, encaminhando-as ao
Hospital e Pronto-Socorro
Municipal.
“A única coisa que me
dizem é para esperar. Não
consigo ingerir nada, pois
vomito tudo de volta. Estou
há duas semanas sem
comer”, disse com lágrimas
nos olhos a estudante
Viviane FariaMendes, de 18
anos, na entrada da Unidade
Prefeitura
vai oferecer
170 vagas
em concurso
Reconhecendo o
deficit de médicos na
capital, a prefeitura irá
realizar um concurso
públicodisponibilizando
170 vagas que serão
preenchidas por
profissionais que irão atuar
nas cinco policlínicas da
cidade, na UPA e no
Pronto-SocorroMunicipal,
além dos postos de saúde
de Cuiabá. De acordo com
a Secretaria de Saúde de
Cuiabá, deverão ser
contratados 85 médicos
em 2014 e outros 85 em
2015. As áreas que mais
carecem de profissionais
são pediatria, ginecologia,
emergência, cirurgias e
clínica geral.
Para CRM, há médicos,
mas falta estrutura
Mesmo com os
flagrantes feitos pelo
CircuitoMatoGrosso
nas policlínicas de
Cuiabá, o presidente do
ConselhoRegional de
Medicina (CRM), Gabriel
Felsky dos Anjos, afirma
que não há falta de
médicos na capital e sim
“falta de estrutura” e
“condições de trabalho”,
motivos que, segundo
ele, desestimulam esses
profissionais da área da
saúde a seguir carreira na
saúde pública.
“O problema é que
falta estímulo. A
estrutura é precária e os
salários pagos pelo
Estado são bem baixos”,
diz.
Para ele, o programa
Mais Médicos não fará
com que os profissionais
ocupem os postos
desprezados pelos
profissionais locais, uma
vez que, chegando aqui,
encontrarão a mesma
estrutura que afugenta os
clínicos e especialistas do
Estado. Ele também
questiona a capacidade
técnica dos homens e
mulheres que irão atuar
na saúde pública no
interior de Mato Grosso.
“OMaisMédicos
encontrará a mesma
estrutura precária já
conhecida. Alémdisso,
não sabemos se essas
pessoas têm capacidade
para atender nossos
pacientes”, afirmou o
cirurgião plástico.
Cuiabá recusa programaMaisMédicos
Mesmo com outra crise
batendo às portas da saúde
na capital, que pretende
contratar em regime
emergencial 40 médicos
para suprir parte da
demanda existente, a cidade
de Cuiabá não aderiu ao
programa Mais Médicos
iniciativa do Governo
Federal que prevê, dentre
outras ações, levar estes
profissionais onde exista
escassez ou falta deles.
Presentes na capital para o
quarto ciclo do projeto, isto
é, para a etapa da qual eles
conhecerão um pouco mais
da situação da saúde em
Mato Grosso, e onde terão
seus primeiros contatos
com os gestores da área nos
municípios em que irão
trabalhar, 53 médicos –
sendo 51 cubanos –
aguardam o fim dos eventos
de receptividade para se
dirigirem a seus postos de
trabalho. Nenhum deles,
entretanto, permanecerá em
Cuiabá. Ana Paula Louzada,
integrante da Comissão
Estadual do Projeto Mais
Médicos, se mostrou
otimista em relação à
iniciativa e cita como
exemplo os moradores do
município de Vila Bela da
Santíssima Trindade (525
km de Cuiabá), que
precisavam, antes do
programa, se deslocar 200
km para encontrar um
clínico. Porém, uma das
coordenadoras da ação no
Estado lamenta que gestores
e entidades de classe façam
pouco-caso de um plano
que já beneficiou 33 milhões
de pessoas, segundo o
Ministério da Saúde.
“Cuiabá é contra o
programa Mais Médicos. Se
a capital aderisse, teríamos
um saldo muito positivo”,
pondera. Além da falta de
responsabilidade social dos
gestores e representantes
de classe dos médicos em
Cuiabá, o município poderia
economizar até R$ 300 mil
por mês se aderisse ao
programa, tendo em vista
que cada um dos 40
profissionais previstos para
contratação em regime
emergencial, proposta pelo
secretário de Saúde
municipal Werley Perez
(PDT), deverá ter salário
bruto mensal em torno de
R$ 7,5 mil. Para o tutor
estadual do Mais Médicos e
professor da Universidade
Federal de Mato Grosso
(UFMT) Reinaldo Mota, o
programa tem uma
importância particular no
Estado por conta da
“retórica privatizante” que
se instalou nas últimas
gestões. Citando as OSSs,
ele afirma que “nada melhor
que um país socialista para
nos ensinar a socializar a
saúde” e diz também que a
capital, nos últimos anos,
tem apresentado resistência
às iniciativas do Governo
Federal que objetivam
melhorar a saúde da
população. Ele também
critica os profissionais
locais. “Nos últimos dez
anos não houve
alinhamento em Cuiabá e
Mato Grosso com
políticas públicas
adequadas, propostas pelo
Governo Federal. Além
disso, os médicos cubanos
têm uma formação
solidária, voltada para o
social, diferente dos
profissionais daqui, que
têm orientação para
atender à demanda do
mercado e não da
população”, analisa.
De acordo com a
Secretaria de Saúde de
Cuiabá, a cidade não aderiu
ao Mais Médicos pelo fato
de os profissionais do
programa prestarem apenas
atendimento ambulatorial, e
a área que mais carece de
clínicos, segundo a
assessoria, é o pronto
atendimento.
Fotos:
Mary Juruna
de ProntoAtendimento
(UPA) do bairroMorada do
Ouro, na capital. A jovem
esperava por orientação
médica há três horas, mas já
fazia duas semanas que ela
não conseguia ser recebida
por nenhum profissional – e
nem se alimentar.
A equipe do
Circuito
MatoGrosso
flagrou
momentos de tensão na
unidade de saúde emvisita
na quarta-feira (16). Policiais
haviam saído ha pouco do
lugar, em virtude da
necessidade de tentar
“acalmar” um homem com
problemas mentais que
estava ameaçando
funcionários e pessoas
presentes no local. Em
seguida, a maioria dos
pacientes que aguardava
atendimento – alguns deles
há mais de oito horas –
iniciou uma discussão com
os servidores da UPA,
cobrando agilidade no
atendimento.
Universalizar o acesso à
saúde é uma tarefa
complexa, que exige
esforços de muitos
seguimentos da sociedade e,
a despeito do pioneirismo do
Brasil, que instituiu o
Sistema Único de Saúde
(SUS) na Constituição de
1988, a população sente na
pele a falta de recursos
materiais e humanos,
sobretudo médicos. E a UPA
Morada do Ouro não é a
única unidade de saúde na
capital mato-grossense que
sofre com o deficit de
profissionais.
Eram três horas da
tarde quando a auxiliar de
serviços gerais Cristiane
Mota dos Santos saía da
Policlínica Dr. José Eduardo
Vaz Curvo, também
conhecida como Policlínica
do Coxipó, carregando sua
filha. Depois de esperar por
quatro horas, com uma
criança que tinha 39 graus de
febre, ela finalmente
conseguiu atendimento para
a pequena e, mesmo assim,
segundo ela, “nem
examinaramdireito”.
“Receitaramalguns
remédios e depois me
mandaram para casa. Nem
examinaramminha filha
direito. Isso porque estou há
mais de quatro horas com ela
nos braços e vim aqui pois
no Osmar Cabral, que é onde
moro, não tem pediatra”, diz
ela.
Situação parecida com
outras unidades de saúde
também foi encontrada na
PoliclínicaAnízio Sabo
Mendes, no Pedra 90, bairro
que fica nos limites de
Cuiabá. Ao chegar ao local,
nossa equipe conversou com
a aposentadaMaria Peres,
que se queixava da falta de
médicos e que não conseguia
marcar cardiologista havia
três meses.
“Já sofri muito com a
falta de médicos nesta
cidade”, diz.
Pacientes que aguardavamhámais de oito horas por atendimento
na UPAMorada doOuro exigiram ser tratados comrespeito
Cristiane dos Santos
esperou quatro horas na
Policlínica do Coxipó com
sua filha, que tinha 39
graus de febre
Mesmo com a
população
humilhada
pela falta de
clínicos,
Cuiabá não
aderiu ao
programa
Mais Médicos