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CUIABÁ, 1 A 7 DE MAIO DE 2014
POLÊMICA
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TRANSPORTE COLETIVO
Mais de 90% desistem da profissão
Profissionais submetidos ao estresse do trânsito alegam sofrer insultos de passageiros, especialmente estudantes
Rafaela Souza
Considerada uma das
piores profissões no
mercado de trabalho, os
motoristas de ônibus são
os que mais sofrem com
estresse. As principais
reclamações dos
profissionais estão
relacionadas a agressões,
tanto verbais quanto
físicas, que recebem de
parte dos passageiros e
há também o problema
do trânsito
De acordo com um
estudo realizado pelo
Instituto de Psicologia de
Uberlândia, entre as
principais preocupações
que afligem os motoristas
do transporte coletivo
estão: conseguir cumprir
os horários das escalas,
dirigir com segurança e ao
mesmo tempo atender os
passageiros. O reflexo
dessa situação aparece
diretamente no psicológico
e no físico, e boa parte
relata problemas
relacionados ao estresse.
De acordo com a
pesquisa, quando o
motorista é submetido a
situação extrema de
estresse nas últimas 24
horas, os principais
sintomas físicos são
percebidos com tensão
muscular, aumento do suor,
mudança no apetite e
insônia. Contudo, após essa
fase aparecem os
problemas psicológicos que
envolvem a vontade súbita
de iniciar novos projetos, o
que leva muitos motoristas
a pedir demissão como
acontece em Cuiabá. E após
esse choque físico e
emocional, o motorista
passa a sofrer
constantemente com
desgaste físico, problemas
de memória, gastrite,
problemas dermatológicos e
hipertensão.
Segundo a
pesquisadora Flávia
Tavares, o sistema mais
eficaz para melhorar o
ambiente de trabalho dos
motoristas é com medidas
promovidas pela empresa e
pelos próprios funcionários.
“Será efetiva a erradicação
dos efeitos do estresse
somente a partir de uma
real preocupação de
envolvimento da empresa e
dos funcionários em relação
ao problema, que deve ter
múltiplas ações para
amenizá-lo”, diz Tavares.
Principais reflexos do
estresse da profissão
Entre os maiores
conflitos relatados
pelos motoristas está o
choque com os
estudantes, que têm o
direito do transporte
gratuito, sob a
obrigação de carregar o
cartão de passe da
escola. Contudo, nem
sempre o sistema
funciona e nesse
momento surgem casos
de discussões como
ocorreu há uma
semana, quando um
motorista de ônibus
coletivo de Cuiabá foi
acusado por um estudante
de 16 anos de ter sido
agredido e tirado à força
do veículo.
Segundo o rapaz, que
tem o benefício do passe
livre, ele estava voltando
da escola com alguns
amigos. Ao tentar passar
pela catraca, o seu cartão
da MTU não estava
funcionando, bloqueando
assim seu acesso.
De acordo com o
boletim de ocorrência
registrado na Delegacia
Especializada do
Adolescente (DEA),
repentinamente o
motorista parou o
ônibus e começou a
xingar o jovem. E
ainda o teria agredido
com um tapa no rosto
e o expulsado do
veículo. De acordo
com a assessoria de
imprensa da Prefeitura
de Cuiabá, os
motoristas passarão
por reciclagem para o
período da Copa do
Mundo, com reflexos
no atendimento geral
ao usuário do
transporte coletivo.
Estudante acusa motorista
de agressão em coletivo
Uma das maneiras
buscadas pelo sindicato
para amenizar essa
situação é a realização de
projetos de
conscientização dentro
das escolas, no intuito de
explicar o transtorno
quando não há respeito
entre as partes.
“Estamos buscando
parcerias com as
escolas, realizando
palestras e levando os
alunos até as garagens de
ônibus para eles
entenderem como
funciona o cotidiano dos
motoristas. Esse trabalho
de consciência, que
deveria fazer parte da
grade curricular dos
estudantes, tem gerado
resultados satisfatórios”,
conta Ledevino.
Em relação à falta de
proteção jurídica para os
motoristas que são
agredidos, o sindicalista
explica que é oferecida
assessoria jurídica para
que eles possam tirar
dúvidas e entenderem
quais os seus direitos.
Porém, reconhece que no
cotidiano a situação é
sempre mais complicada,
por sempre envolver
menores de idade e
mulheres.
“Ter uma lei
direcionada para a
proteção dos motoristas é
complicada, pois há
outras leis maiores de
proteção a mulheres e
menores de idade. Um dos
exemplos mais recentes
que temos é de um
motorista que foi agredido
por uma jovem e, ao se
defender, ele foi
enquadrado na Lei Maria
da Penha”, conta.
Sindicato quer fazer
conscientização nas escolas
Passageiros irritados,
motoristas estressados
A falta de
sensibilidade dos
passageiros e a própria
deficiência do sistema de
transporte coletivo são
apontados como os
principais motivos que
levam os usuários a
ofender os motoristas.
Por conta disto é cada
vez mais baixo o número
de pessoas que querem
seguir a profissão e maior
a quantidade de
profissionais que pedem
licença médica.
Segundo Ledevino
Conceição, presidente do
Sindicato dos Motoristas
Profissionais e
Trabalhadores em
Empresas de Transportes
Terrestre de Cuiabá e
Região (STETTCR), está
se tornando comum a
quantidade dos que pedem
licença. “O motorista
passa por uma tensão
enorme durante sua
jornada de trabalho, pois
ele é responsável por
várias vidas, tanto dos
passageiros como dos
outros motoristas, e
qualquer erro é fatal. E
atrelado a isso tem o
transtorno de alguns
passageiros, incluindo os
estudantes, que não
respeitam esse
profissional”, diz
Ledevino.
Fotos: Mary Juruna
congestionado. Por
causa desta situação, em
Cuiabá, de cada dez
pessoas que começam a
trabalhar como
motoristas de coletivo,
nove acabam desistindo
do emprego.
Entre os 10% dos
motoristas que
permanecem, o relato é
sempre relacionado aos
passageiros que agem de
má-fé para não pagar a
passagem e com isso
causam tumulto no
transporte coletivo. E
ainda há o problema com
os estudantes que
desrespeitam tanto os
motoristas quanto outros
passageiros.
Para o motorista
Paulo Pereira, que há 15
anos trabalha nessa área,
os estudantes são os que
mais causam transtorno
e sempre o motorista
tem que ficar quieto se
não quiser ter problemas
maiores.
“Os motoristas não
têm voz. Nós somos
ofendidos e não podemos
responder porque depois
ainda corremos o risco
de sermos processados.
Não existe nenhuma lei
que nos defenda, mesmo
tendo imagens da câmera
dentro do ônibus.
Com isso, vejo
muitos colegas pedindo
licença médica e até
demissão”, desabafa
Pereira.
O motorista diz que
para manter a calma
procura ter contato com
os passageiros e ignorar
situações complicadas,
mas esse modo de agir
foi conquistado com o
tempo de profissão. “Os
motoristas que
permanecem na
profissão são os mais
antigos, porém os mais
novos não aguentam
muito tempo e trocam de
emprego”, diz Paulo.
Outro profissional
que também se diz
cansado e estressado da
rotina do trabalho é
Guilherme Santana, que
já foi cobrador e hoje
está atrás do volante.
“Alguns dos nossos
colegas são agredidos
fisicamente até por
meninas, e mais
recentemente outro está
internado no hospital por
ter apanhado de policial.
Como somos
trabalhadores simples,
ninguém se importa e
com isso a situação não
muda”, relata Santana.
Cerca de 90% das pessoas que começam a trabalhar como motoristas
de coletivo desistem da profissão por causa do estresse
Segundo o motorista Guilherme Santana, vários colegas já
foram agredidos e não há nenhuma lei que proteja a categoria
O presidente do Sindicato dos Motoristas, Ledevino
Conceição, diz que dos 10% dos motoristas que
permanecem na profissão acabam em algum momento
pedindo licença médica
Entre as medidas tomadas para diminuir o conflito entre
motoristas e passageiros, está a conscientização dos
alunos, que são alvo da reclamação dos trabalhadores