CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 25 A 31 DE OUTUBRO DE 2012
CIDADES
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G
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Especialistas dizem que não haverá orçamento para tantas
promessas apresentadas pelos candidatos.
Por Darwin Júnior. Fotos Pedro Alves
SAÚDE PÚBLICA
O grande desafio
do futuro prefeito
de Cuiabá
Principal gargalo da
administração pública em
Cuiabá, o setor de saúde
pública, mergulhado no caos
e no sucateamento, é
também o grande desafio
dos candidatos à Prefeitura
da capital. Mauro Mendes
(
PSB) e Lúdio Cabral (PT)
ensaiaram um roteiro em que
colocam a saúde como o
carro-chefe de suas gestões.
Com a proposta de
humanizar, qualificar,
melhorar a estrutura,
promover melhor
atendimento e oferecer
melhor remuneração aos
profissionais da área, os
candidatos prometem o que
hoje parece ser impossível a
gestores que já tiveram a
experiência de comandar e
sentir na pele os problemas
da área mais complexa do
município. Fica a pergunta:
será fácil para o candidato
que vencer as eleições
sustentar as promessas?
Dados divulgados pelo
Ministério da Saúde
colocaram a capital mato-
grossense como uma das dez
cidades brasileiras com as
piores médias na qualidade
dos serviços públicos de
saúde do país. Na
pontuação que vai de 0 a
Problemas não serão resolvidos
em 4 anos, diz Julio Muller
Um dos mais
respeitados especialistas na
área de saúde em Mato
Grosso, o ex-secretário Júlio
Muller não acredita que o
próximo prefeito de Cuiabá
irá resolver os problemas
do setor nos próximos anos.
Muito taxativo em suas
declarações, Muller
praticamente desafia os
candidatos. Em seu
entendimento, não há
recursos para consolidar os
serviços e não adianta falar
em construção de novo
pronto-socorro e hospital
como redenção.
Para o ex-secretário,
há uma crise geral aguda.
“
Saúde é o principal
desafio de Cuiabá. Na
situação em que o quadro
se encontra, nenhum novo
prefeito vai conseguir sanar
os problemas em quatro
anos. É um processo
moroso, que leva muito
Estão prometendo muito
para pouco orçamento
tempo. A saúde se
transformou em um
problema em todo o país.
Mas o que aconteceu em
Cuiabá foi algo pior, um
descaso a ponto de virar
caos e a saúde pública virar
o problema número um da
cidade”, afirma ele.
Ao comentar que
“
houve erros importantes”,
Muller aponta que a saúde
no município foi relegada a
segundo plano. Como
exemplo, ele citou que a
atual gestão se preocupou
muito com outros
programas como o ‘Poeira
Zero’. “Então ficou ‘poeira
10’, ‘
saúde zero’,
infelizmente”, ironizou. Ele
ainda condenou a
descontinuidade de
programas da área, a
exemplo do Saúde da
Família. Embora descrente
quanto a soluções rápidas,
Muller pensa que muito
pode ser feito e melhorado
nos próximos anos, “mas
isso vai depender da
prioridade e da
sensibilidade que o prefeito
terá com a pasta”. Para o
ex-secretário, o problema
da saúde precisa ser
enfrentado com postura
séria e dinâmica.
Quanto ao
funcionamento do SUS,
Muller defende parcerias.
“
Os municípios são os
responsáveis pela
operacionalização. É
possível haver melhoria
considerável, mas tem que
haver parceria verdadeira
com o governo federal”,
assinala. Muller vê
necessidade da
formalização de um novo
pacto federativo pelo SUS
para financiamento da
saúde. “Saúde é uma
questão de financiamento”,
complementa.
“
Na época em
que eu era prefeito,
recebíamos ajuda de
R$ 700 mil para
oferecer atendimento
satisfatório. Hoje
esse auxílio é 300%
maior e não dão
conta do recado.
Entendo que o desafio
não será fácil para o
próximo gestor que terá
um abacaxi para
descascar. Estão
prometendo demais com
poucos recursos à vista.
Só com o orçamento de
Cuiabá, não dá. É
necessário ter
parceria com o
governo do Estado
e o governo federal.
É possível melhorar,
mas tem que haver
muito compromisso
com a população
carente”.
A s aúde púb l i ca é apon t ada como o ma i o r p r ob l ema po r
47%
da popu l a ç ão c u i abana .
Dado s d i v u l gado s pe l o Mi n i s t é r i o da Saúde c o l o c a r am
Cu i abá en t r e a s de z c i dade s b r a s i l e i r a s com a s p i o r e s méd i a s
na qua l i dade do s s e r v i ço s púb l i co s de s aúde do pa í s . Cu i abá
r ecebeu no t a 5 , 5 na pon t uação que va i de 0 a 10 .
Cu i abá con t a com 67 un i dade s de s aúde , i nc l u i ndo o
P r on t o - Soco r r o e s e i s po l i c l í n i ca s pa r a a t ende r a uma
popu l ação s upe r i o r a 600 mi l hab i t an t e s .
NÚMEROS DA SAÚDE EM CUIABÁ
10,
Cuiabá recebeu nota
5,5.
Para definir esses
números, o Ministério
considerou dados sobre
saúde básica, ambulatorial,
hospitalar e de emergência
repassados pelos municípios
a bases de dados nacionais
(
IBGE, Ipea, entre outros)
entre 2008 e 2010.
Diariamente, centenas
de pessoas que procuram as
unidades de saúde da
cidade não encontram
atendimento. Faltam
materiais, médicos,
medicamentos e vagas. Os
pacientes são jogados de um
lado para o outro. O
Hospital e Pronto-Socorro
Municipal de Cuiabá, que
acaba atendendo todo o
Estado, é alvo de muitas
críticas por parte de usuários
como Valmir Pereira dos
Santos, aposentado,
morador do bairro Alvorada.
Ele retornou para
atendimento reclamando de
uma cirurgia que teria sido
mal feita em 2011 no Pronto-
Socorro. Em cadeira de
rodas, com as pernas
inchadas e doloridas, Valmir
protestou contra o mau
atendimento. “Olha, fiquei
jogado pelos corredores,
praticamente abandonado aí
dentro. Sofri muito e espero
não precisar retornar porque
aqui não é nada fácil”. ‘Seo’
Valmir espera que o próximo
prefeito da cidade dedique
muita atenção para o setor
de saúde. “A coisa tá muito
feia”, observou.
Nas policlínicas da
cidade a situação não é
muito diferente. O fato tem
cansado a população que
precisa dos serviços da
rede pública. Na policlínica
do Planalto, Valdicéia
Martins Ferreira
acompanhava a vizinha
com criança de oito meses
no colo à espera de um
atendimento incerto.
“
Estamos há quase duas
horas esperando. Eles
colocam uma fita amarela
no braço e depois de
quatro horas chamam. Só
quem está morrendo recebe
atendimento rápido. A
criança que trouxemos está
com febre alta e ninguém
aqui parece preocupado”,
afirmou Valdicéia, que já
teria procurado a policlínica
em outras ocasiões e
constatado a mesma
precariedade. “Falta muita
coisa por aqui. Os
aparelhos estão quebrados,
a situação é caótica”.
ORGANIZAÇÃO
É o que defende o ex-
secretário de Saúde do
município Luiz Soares como
solução para o caos que
tomou conta do setor de
saúde pública de Cuiabá.
Culpando a má gestão da
atual administração pelo que
ocorre na capital, Soares
denuncia o sucateamento nas
unidades públicas,
observando descaso e
prevendo muito trabalho
para o próximo gestor que,
em sua opinião, deverá ter
muita seriedade e
transparência. E ainda alertou
que a construção de um novo
pronto-socorro não vai
resolver se não houver como
mantê-lo. “Programas como
saúde bucal e mental foram
descontinuados a partir de
2010.
A Prefeitura fechou
2011
devendo R$ 45
milhões. O dinheiro do SUS
veio religiosamente, todo
mês. Mas não ficou na
saúde. Para onde foi?”,
indaga. Ao explicar os
problemas que levaram o
caos à saúde pública do
município, Luiz Soares citou o
subfinanciamento (falta de
investimentos), inexistência do
controle social, falta de
cobrança de recursos e de
transparência e a inexistência
de um grande hospital
público. O ex-secretário
destaca que Cuiabá é a
única capital que não conta
com hospital público de
grande porte.
“
As seis policlínicas
deveriam estar funcionando
para desafogar o Pronto-
Socorro. Essas unidades
contam com pronto-
atendimento. Mas não têm
ajudado. De que adianta ter
prédio e não ter profissionais?
Todas contam com
equipamentos. Para Cuiabá,
o que já tem é mais do que
suficiente. Falta funcionar. É
uma questão de gestão”,
garante Soares que não
poupou os médicos que
atendem o sistema:
“
O setor enfrenta vícios e
desorganização. Os médicos
não estão cumprindo a carga
horária devida. Deveriam
cumprir 40 horas e não ficam
sequer 10. Às vezes, passam
apenas meia hora em um
posto de saúde e vão
embora. E custam cerca de
R$ 8 mil mensais ao
município. Isso está errado”.
Com o advento de uma
nova administração
municipal, Luiz Soares diz que
espera muita seriedade com
o setor mais fragilizado do
município: “É preciso ter muita
transparência com o dinheiro
público; não permitir
supremacia de uma
categoria (médicos) e
construir um grande hospital
com mais de 800 leitos para
aliviar o Pronto-Socorro. Isso
seria uma forma de começar
bem”.
Com problemas de saúde, aposentada reclama
na fila a espera por remédio controlado
Descontentamento dos profissionais da saúde
com salários e condições de trabalho leva à greve
Pacients do SUS são submetidos a longas esperas em
policlínicas sempre lotadas