CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 25 A 31 DE OUTUBRO DE 2012
POLÊMICA
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Decisão do STF pode piorar conflito
Sete mil pessoas serão obrigadas a abandonar a área onde vivem há décadas e clima é de resistência.
Por Andhressa Sawaris Barboza. Fotos: Aprossum e Água Boa News
SUIÁ MISSÚ
O conflito pela terra
da antiga fazenda Suiá
Missuque, que já persiste
há mais de 20 anos, pode
ter uma solução em breve.
O Supremo Tribunal
Federal (STF) atendeu
pedido do Ministério
Público Federal (MPF) e
suspendeu a liminar que
impedia o retorno de
índios Xavante à Terra
Indígena Marãiwatsédé,
em Mato Grosso. O
processo apresentado
pela Procuradoria Geral
da República (PGR)
defende que é preciso um
posicionamento mais firme
por parte do Judiciário. A
preocupação é que haja
resistência das famílias e
dos produtores que se
instalaram na região.
Recentemente, as
autoridades estaduais
buscaram auxílio junto à
Força Nacional de
Segurança e a Polícia
Rodoviária Federal (PRF).
O reforço visa dar início
ao processo de
desintrusão da área,
retirando todos os não
índios. A desocupação
deveria ter ocorrido desde
1
º
de outubro, o que
não foi possível devido à
liminar do Tribunal
Regional Federal da 1ª
Região que determinou a
paralisação das ações.
O advogado da
Associação dos Produtores
Rurais da Área Suiá-Missú
(
Aprossum), Luiz Alfredo
Feresin, diz que “é um
absurdo a última decisão,
mas temos mais uma
liminar e não vamos
deixar de lutar”. A
Aprossum questiona a
legitimidade e a
legalidade do laudo
antropológico. “A
antropóloga foi coagida
pelo bispo da prelazia de
São Félix do Araguaia e
não produziu um
documento válido, tanto
que nenhum dos
cemitérios localizados está
nas áreas ocupadas por
não índios”, reclamou. De
acordo com Feresin, são 7
mil pessoas que devem
ficar desalojadas. “Até a
Funai sabe que não tem
como cumprir isso. Tirar a
terra do povo não vai
resolver, só vai piorar o
conflito”.
A informação é
contestada por mais de 20
organizações, entre elas a
Operação Amazônia
Nativa (Opan), o
Conselho Indigenista
Missionário (CIMI) e a
Comissão Pastoral da
Terra (CPT). As entidades
afirmam que basta cruzar
os dados do Censo 2010
aferidos pelo Instituto
Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) para ver
que não existem 7 mil
pessoas ali. Se forem
somadas as populações
rurais dos municípios de
Alto Boa Vista, São Félix
do Araguaia e Bom Jesus
do Araguaia se chega ao
número de 9.180 pessoas.
Se 7 mil se encontram na
TI, o restante do território
que compreende a zona
rural de dois municípios
abrigaria apenas 2.180
moradores (23,74%).
O advogado dos
posseiros rebate falando
das atividades
desenvolvidas pela
população que está ali.
“
São cinco igrejas, o
distrito conta com um
cemitério onde estão
vários familiares dos
pioneiros de quase 50
anos de ocupação da
região”. Segundo Feresin,
a localidade possui dois
postos de gasolina, três
farmácias, uma delegacia
e dois hotéis, além de
mais de 80
estabelecimentos
comerciais no distrito de
Estrela do Araguaia.
Diante do impasse
étnico entre indígenas e
não indígenas, o senador
mato-grossense Pedro
Taques (PDT) defende
que “existe uma decisão e
ela precisa ser cumprida,
agora cabe ao Estado
dar assistência às família
que estão na região”.
O pedido do MPF
que foi acolhido pelo STF
trata que: “Todo grupo
humano tem um limite
para resistência. Os
xavantes estão nessa luta
desde a década de 60 e
os anciões temem morrer
sem ver a sua terra
libertada. Todos os atos
do Executivo e decisões
judiciais reconhecem que
o direito está a seu lado.
Por que retardar a
ocupação de terras que
são correlatas à
afirmação
identitária
desse povo?”. Quanto
aos que se instalaram na
região, os governos
estadual e federal
afirmam que já foi
destinada uma área para
sua realocação.
CONFL I TO
HI STÓR ICO
O conflito teve início
em 1966 quando os
Xavante foram expulsos de
suas terras. Posteriormente,
em 1998 a Presidência da
República reconheceu a
localização como território
da etnia. Mas os
indígenas só puderam
retornar em 2004, após
acamparem às margens
da BR-158. Contudo, ao
longo do tempo, além de
fazendeiros, famílias de
pequenos agricultores se
instalaram na região e ali
se estabeleceram. A
ausência de uma ação
efetiva pelo Poder Público
agravou a situação.
Atualmente, além das
brigas judiciais, há o risco
de um confronto entre
essas populações.
O bispo de São Felix
do Araguaia, Pedro
Casaldáliga, posiciona-se
de forma enfática sobre a
questão. Para ele, todos
que ocuparam o território
indígena devem sair. Os
pequenos produtores
devem ser transferidos
para outras terras de que
o Estado dispõe para
reforma agrária; já aos
grandes,
nada. Casaldáliga é
reconhecido mundialmente
por denunciar os conflitos
agrários e casos de
trabalho escravo,
denunciados na Carta
Pastoral.
O caso ganhou
destaque na imprensa
internacional após a
Rio+20, quando uma
comitiva indígena se
mobilizou até a cidade do
Rio de Janeiro para cobrar
o cumprimento da ação
judicial que, desde 2010,
reconheceu que a terra foi
invadida por fazendeiros
de má-fé e que precisam
ser retirados.
Mapa do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe) mostra, em linha amarela, o alerta de desmatamento na Terra
Indígena Maraiwatsede. O círculo vermelho, acrescentado pelo Globo Natureza, indica a localização da aldeia xavante.
Pequenos agricultores se manifestam
contra desocupação e fecham rodovia
Instituições defendem que processo de desintrusão vai garantir
melhor qualidade de vida aos Xavante. Foto: Adriano Gambarini/Opan
A ausência de uma ação efetiva do Poder Público ao longo
de 40 anos fez com que o conflito se agravasse ainda mais