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CIRCUITOMATOGROSSO
CUIABÁ, 11 A 18 DE JUNHODE 2014
SEGURANÇA
P
G
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www.circuitomt.com.br
RESSOCIALIZAÇÃO
Incerteza para menores infratores
Emmenos de um ano, número de vagas para menores infratores caiu de 144 para 60 emMato Grosso, enquanto obra de R$ 8 milhões está paralisada
Rafaela Souza
“Uma unidademodelo
no país no sistema de
ressocialização de
adolescentes em conflito
com a lei”. Essa era a
promessa feita pelo Governo
de Mato Grosso há quatro
anos ao dar início à obra do
Centro Socioeducativo de
Várzea Grande, com
capacidade para 44
adolescentes, entre meninos
e meninas, a ser entregue no
final de 2011.
Com investimento
estimado em quase R$ 8
milhões, proveniente dos
governos do Estado e
Federal, a construção da
unidade diferenciada previa
dormitórios, cozinha,
refeitório, lavanderia, área
para os profissionais da
saúde, centro ecumênico,
piscina semiolímpica, escola,
Liberdade assistida é alternativa
Por falta de vagas
no Socioeducativo, a
alternativa encontrada
para penalizar os
menores que
cometeram delitos
medianos e leves é a
liberdade assistida, uma
medida socioeducativa
a ser cumprida em meio
aberto, isto é, sem que
o jovem tenha privação
de sua liberdade,
prevista no Estatuto da
Criança e do
Adolescente – ECA (Lei
nº 8.069/1990).
Para Naldson
Ramos, apesar da boa
intenção o sistema não é
tão eficaz devido à
morosidade do Judiciário
e ineficiência do poder
público.
“Faltam profissionais
para acompanhar os
adolescentes que estão em
liberdade, assim nem
sempre é possível saber
se eles estão frequentando
a escola de fato. Outra
questão envolve os
Centros de Referência e
Assistência Social [Cras]
que também não
conseguem desempenhar
seu papel como deveria
ser”, diz o especialista.
Em relação ao papel
precário que os Cras estão
desempenhando na capital,
o promotor José Antônio
Borges justifica que esses
órgãos foram criados
recentemente e não têm
como atender à demanda,
devido à falta de estudo e
políticas públicas para
encaminhar os
adolescentes.
Para o juiz João
Thiago França, da Vara
Especializada
de Infância e Juventude
de Várzea Grande, a
Liberdade Assistida é vista
com bons olhos para a
justiça. “A internação
deve ser reservada para
as situações
excepcionais,
envolvendo atos
infracionais graves
praticados por
adolescentes
reincidentes. E quando
optamos pela Liberdade
Assistida, o índice de
reincidência dos
adolescentes submetidos
ao adequado
cumprimento das
medidas socioeducativas
de meio aberto é muito
baixo, sendo inferior a
20%”, diz França.
Problemas psiquiátricos
são os mais graves
De acordo com pesquisa realizada pela Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT), entre setembro e
outubro do ano passado, dos internos no Pomeri, 70%
já haviam utilizado algum tipo de droga pesada, como
cocaína ou crack. Além disso, foi diagnosticado que
40% têm algum problema psicológico que favorece a
prática de crimes.
O estudo realizado pelo Centro Regional de
Referência de Capacitação de Profissionais que atuam
com Usuários de Crack, da UFMT, teve o objetivo de
traçar um perfil dos menores e assim fazer um
acompanhamento mais específico dos casos.
De acordo com a coordenadora do projeto,
professora Delma Perpétua de Oliveira, o olhar dado aos
adolescentes não deve ser direcionado apenas ao
tratamento das drogas, pois, devido a questões
psicológicas, a atenção deve ser mais aprofundada.
“A maioria dos adolescentes não passa por um
tratamento psicológico, pois o objetivo sempre é o
combate do vício. Contudo, o que as pessoas não
compreendem é que esses adolescentes trazem alguns
problemas psicológicos de infância e que encontram nas
drogas um alívio. Dessa forma, o tratamento deve
buscar resolver a solução dos problemas a partir de sua
raiz”, explica Oliveira.
Entre os problemas apontados pela pesquisadora
estão questões psicológicas que podem ser simples, mas
que podem evoluir e transformar um jovem em
psicopata, o que acaba se tornando mais sério.
Para o especialista em segurança pública Naldson
Ramos, o aumento da criminalidade e reincidência dos
adolescentes se deve à falta de políticas públicas, e
assim como o promotor ele afirma que o Pomeri não
pode ser considerado um Centro Socioeducativo.
“Os menores que são levados para o Pomeri
encontram um local totalmente insalubre e sem higiene,
com acomodações precárias. Ao invés de serem
regenerados, eles passam por situações que afrontam os
direitos humanos”, afirma Ramos.
Ainda segundo o promotor, apesar da falta de
vagas, os adolescentes sofrem certos tipos de punição,
assim como acontece com os adultos. Mas no caso dos
menores, eles podem ficar presos até três anos ou até
os 21 anos. Apesar de não ficarem presos, esses jovens
são acompanhados por tutores, já que não ficam em
regime fechado. Contudo, ele observa que alguns casos
devem ser tratados com atenção, principalmente quando
se trata de sociopatas.
“O tipo de penalidade ao adolescente é diferente do
adulto, contudo acredito que a legislação deve ser
revista, principalmente quando lidamos com sociopatas.
Nesses casos, apenas com aval de um psiquiatra esse
adolescente deve ser liberado para convivência na
sociedade”, pontua Borges.
A cada 10 retidos,
seis são reincidentes
Fotos: André Romeu
Os índices de violência cometidos por esses
adolescentes crescem ano a ano, mais especificamente 80%
de 2012 para 2013, de acordo com a Delegacia do
Adolescente (DEA). Outro dado alarmante desse grupo,
ainda segundo a DEA, é que de cada 10 adolescentes
apreendidos em 2013 seis eram reincidentes.
Mesmo com os números demonstrando o aumento de
crimes cometidos por menores e a reincidência deles, o
Estado diminuiu as vagas do Socioeducativo de Cuiabá, de
144 para 60, após uma decisão judicial que considerou o
local insalubre. E a obra do novo Socioeducativo em Várzea
Grande continua entregue ao descaso.
O Socioeducativo de Várzea Grande, que era para
abrigar 44 adolescentes que cometeram crimes, é utilizado
pelos mesmos para infringir ainda mais as leis e abrigar
usuários de drogas, que depredam o local.
De acordo com o promotor de justiça de Cuiabá José
Antonio Borges, enquanto são construídas mais cadeias
públicas para os adultos, as vagas para menores estão
sendo reduzidas, favorecendo a liberdade deles. E a
tendência é que mais vagas sejam reduzidas, já que um
novo pedido de interdição será realizado pelo Ministério
Público Estadual (MPE). “O Pomeri é o único local no
Estado que abriga os menores e não pode ser chamado de
Socioeducativo, pois não é desempenhado esse papel lá
dentro. E o resto de Mato Grosso se encontra em um
verdadeiro apagão, não há um local adequado para receber
esses adolescentes. Com isso, as 60 vagas do Complexo
são disponibilizadas apenas para os que cometem delitos
mais graves”, diz Borges.
quadra coberta e de areia,
alémde oficinas para
capacitação e ressocialização
dos adolescentes.
Contudo, quem vai até o
local encontra apenas os
muros levantados, sendo que
boa parte já foi depredada e
até materiais roubados, como
portas e janelas. Ponto agora
de usuários de drogas e
criminosos, é possível
encontrar ali até ossadas de
animais entre os cômodos.
Enquanto a obra não
fica pronta, os adolescentes
de Várzea Grande continuam
sendo encaminhados para o
Socioeducativo de Cuiabá,
que já comporta no total
70% dos adolescentes da
cidade vizinha.
De acordo com a
assessoria de imprensa da
Secretaria de Justiça e
Direitos Humanos (Sejudh),
o processo licitatório para a
retomada da obra “está nos
últimos ajustes”. A nota
encaminhada à redação do
CircuitoMatoGrosso
diz
apenas: “A empresa já foi
convocada e apresentou o
aceite, a Sejudh está
providenciando a parte de
engenharia, planilha etc...
orçamentária e financeira.
Após o planilhamento dos
valores, o Estado de Mato
Grosso cobrará da empresa
Briaze Construtora Ltda. as
despesas decorrentes da
depredação, pois era a
responsável pela vigilância da
obra. A nova empresa terá
180 dias para entregar o local
pronto”.
Enquanto a população
vê o crescente aumento do
número de menores
envolvidos em crimes em
Mato Grosso, o número de
vagas em socioeducativos
para receber esses
adolescentes vem
diminuindo. E nas poucas
celas que existem no
Complexo Pomeri, que
atende a todo o Estado, a
situação é considerada
calamitosa segundo a Justiça
e especialistas em segurança.
O reflexo do deficit de
lugares aparece nas
decisões judiciais que pede
a prisão apenas dos
menores que cometeram
crimes graves, como
homicídio ou estupro.
O Centro Socioeducativo de Várzea Grande, que custou mais
de R$ 8 milhões, tornou-se mais um prédio público abandonado
O local foi considerado um dos melhores projetos-modelo
de Socioeducativo do país, contudo não saiu do papel
O aumento da criminalidade cometida por menores
aumentou 80% em um ano no Estado
Para o promotor José Antônio Borges, o Pomeri não pode
ser considerado um Centro Socioeducativo
Reincidência dos menores se deve principalmente ao fato de eles
não receberem apoio no Socioeducativo, diz Naldson Ramos
Liberdade assistida é considerada uma maquiagem do governo
e da justiça para a falta de locais para receber menores
Falta de políticas
públicas é o problema